Antoni estava mais pálido que o papel que eu segurava, andando de um lado para o outro dentro de seu quarto. Senti que o tapete poderia se desgastar se ele desse mais um passo, então me levantei da cama e apoiei as mãos em seus ombros. Ele parecia uma estátua petrificada, pura surpresa em seu rosto. Respirei fundo tentando absorver cada acontecimento, tentando não reparar em como minhas mãos se recusavam em se afastar dele. O toque, era como se eu precisasse dele.
— Eu beijei o Pedro.
Antoni deu um passo para trás, e minhas mãos caíram ao lado do corpo novamente. Ele não parecia bravo ou irritado, apenas... triste? Não. Era algo mais. Vasculhei no fundo daqueles olhos cinza azulados, e encontrei dor. Eu havia machucado ele, mais uma vez. Mas pretendia concertar aquilo, ou pelo menos amenizar.
— Mas não foi o que eu esperava.
Meus olhos voltaram ao papel em minhas mãos, e depois para a escrivaninha do quarto, onde um caderno azul repousava. Eu havia visto aquele caderno azul muitas vezes nas mãos de Antoni, que escrevia nele todo o tempo. Uma vez perguntei a ele se era um diário, mas ele disse que não. "São os pensamentos da minha alma". Era como ele definia aquele caderno. E por algum motivo, uma parte inconsciente de mim me dizia para andar até lá.
— Pra quem era esse poema?
Abaixei a cabeça para o papel, os fios castanhos do meu cabelo caindo por cima dos ombros, como ondas brilhantes de uma cachoeira de chocolate. Nunca havia visto eles dessa forma, sempre me achei sem graça demais. Minha cor pálida e meus olhos grandes demais, o cabelo sem vida. Mas por algum motivo, eu sentia que se me olhasse no espelho agora, veria algo totalmente diferente. Graças àquele poema.
— Pra você.
Soltei uma risada ameaça, me recostando contra a cama mais uma vez.
— Nunca me vi dessa forma.
Os cantos da boca de Toni se ergueram, marcando a covinha funda em sua bochecha. Ele suspirou.
— Eu sei. — Então andou até a escrivaninha e pegou o caderno azul nas mãos. — Por isso sempre andei com isso. Via o quanto você se comparava conosco e o quanto se achava menos que nós. Por isso escrevi aqui todas as vezes em que percebi que você nos superou em algo ou... simplesmente vezes em que eu não conseguia respirar de tão linda que você estava. — Ele estendeu o caderno na minha direção. — É seu se quiser.
Peguei nas mãos, e com cuidado folheei o conteúdo. Era todo bagunçado, como Antoni costumava ser. Era uma mistura de poemas, com textos, frases e até algumas colagens. Desenhos, haviam desenhos também. Meus olhos correram por aquela obra de arte, por cada uma delas mais linda que a outra. Um desenho em especial me chamou a atenção. Era eu. Minhas mãos estavam juntas escondendo um sorriso, meus olhos quase fechados pela risada, as sobrancelhas erguidas em pura leveza. Meu cabelo castanho caía em ondas pelos ombros cobertos pelo lençol, eu vestia uma camiseta muito conhecida. A de Toni. Debaixo da imagem repleta de sombras e grafite, havia uma frase.
"A mulher que amo. Dona dos olhos mais perfeitos, do sorriso mais brilhante. E do coração mais bonito."
Meu coração deu um salto dentro do peito, como se reconhecesse que era dele que Antoni falava. Meu corpo todo se aqueceu, meus olhos se encheram de água sem que eu pudesse controlar. Quando olhei para cima, ele me olhava em tamanha intensidade, que tive medo de que aquilo fosse o máximo. Seu olhar foi tão intenso, tão focado... como se eu fosse tudo naquele momento pra ele. Algo quente se instalou dentro de mim. Eu o queria. O queria tanto, que chegava a doer.
— Me desculpa.
Lutei contra o nó que se formava na minha garganta, apertando o caderno contra meu peito, como se o objeto pudesse se perder quando eu desviasse minha atenção dele. Me coloquei de pé em frente ao garoto, que agora também tinha olhos marejados. Ele abriu e fechou as mãos, como se cogitasse me tocar. Eu havia deixado um buraco nele, a incerteza.
— Não peça desculpas. Não fez nada de errado.
Sua voz era grave e rouca, mas linda do que eu jamais havia percebido. Era isso então? Eu estava finalmente percebendo o quão lindo Antoni era. Com seus cabelos claros e olhos de um intenso cinza, o coração meigo e o corpo forte, uma das contradições mais perfeitas que eu conhecia. Quase estremeci quando seus dedos gelados se esticaram para minha pele, tocando minha bochecha com o maior carinho do mundo.
— Não consegui beijar Pedro.
Ele estava muito próximo agora. Seus olhos enevoados olhavam fixamente para minha boca, sua cabeça abaixada para gerar mais proximidade.
— Por que?
O sussurro de seus lábios atingiu os meus, nossos narizes quase se tocavam. Era um desafio. Um provocação velada de mim para mim mesma, pra saber até onde eu aguentaria sem toca-lo. Porque cada instante em que eu o observava de longe, ele ficava mais irresistível.
— Porque ele não era você.
Nem mesmo eu soube de onde saiu aquele suspiro. Nem meu ser mais profundo poderia descobrir de onde aquela informação saiu, passando diretamente pelos meus lábios. Como um decreto silencioso para o que Antoni fez a seguir.
Minha boca foi capturada. Com uma força que eu desconhecia, fui jogada na cama. Antoni subiu por cima de mim, apoiando os cotovelos ao lado do meu corpo. Senti aquele peso contra mim, cruzando meus pés atrás das suas costas por puro reflexo. Suas mãos se moviam pra mim, as minhas passeavam por ele, e éramos como uma dança louca estranhamente guiada por instinto e necessidade. Foi tão perfeito quanto a primeira vez, só que mais. Porque agora eu entendia. Minha cabeça girava, meu coração pulava do peito, mas eu entendia. Amava Antoni da mesma forma que ele me amava. E aquilo era extremamente bom.
Quando nossos corpos formigavam e a necessidade de palavras voltou, fui invadida pela minha consciência, e pelo futuro medo que me corroía. Percebi o motivo por trás da minha insatisfação com Pedro, finalmente entendi porque aquele beijo parecia tão certo. Cada toque vindo de Antoni parecia certo, porque ele o fazia de todo o coração. Não era puramente por desejo, eu via seus olhos brilharem em amor. Podia sentir em cada toque sua adoração, como se seu objetivo fosse me fazer bem, e não a si próprio. Naquele momento eu soube, que jamais encontraria nada assim.
Nos estiramos sobre o colchão largo dele, eu deitada em cima de seu braço, enquanto ele usava o outro para acariciar o volume do meu cabelo. Me rendi ao sono com o movimento carinhoso, me esquecendo do resto do mundo.
— Não me deixe.
Ele sussurrou contra o meu ouvido quando minha consciência era quase nada. Tudo ficou cinza novamente, porque eu faria exatamente isso no dia seguinte.
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Garota em gotas
RomanceMargarett vive com seu irmão e seus três melhores amigos em uma casa perto da faculdade onde estudam. A garota, que tem o QI acima da média, ao mesmo tempo não tem experiência em outros assuntos, como os do coração. Ao mesmo tempo, assiste seu irmão...