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Em algum momento, eu estava em cima. Segundos depois, o corpo de Antoni me pressionava contra o colchão, minhas mãos passeavam pelos fios castanhos do seu cabelo, minhas pernas se enroscavam em seu tronco. As mãos dele se espalmavam por lugares diferentes do meu corpo, me causando arrepios todas as vezes que encontravam alguma parte da minha pele, descoberta pela camiseta que eu estava usando. A camiseta de Pedro. Céus. Alguns minutos depois, a boca de Antoni desgrudou da minha boca, e começou a brincar com meu pescoço. Os lábios percorreram a base da minha clavícula, depositando beijos leves por toda a extensão na região. Então subiram para mais perto do queixo, movimentos com direito a mordidas, e lambidas e então... eu gemi. Pelos céus, eu gemi muito ALTO debaixo do corpo de Antoni, usando a camiseta de Pedro depois de ter me declarado para o próprio! Em um surto de realidade, acordei de toda aquela fantasia, e empurrei o corpo rígido de Antoni para longe de mim.

— Droga!

Pulei pra fora daquele colchão repleto de erros, e puxei a camiseta para baixo, me sentindo especialmente nua daquele jeito. Antoni me encarava com um olhar que eu ainda não conhecia. Alto vítreo brilhava ali. Desejo. Eu também sentia. Mas não podia. Só de lembrar a sensação que havia sentido minutos atrás eu...

— Não podemos fazer isso.

Eu afirmei, me aproximando da parede. Eu encarava o chão, porque a visão de Antoni nu da cintura pra cima era demais pra mim. Aquele corpo, aqueles músculos eram demais pra mim.

— Está bem. Nada precisa mudar. Me desculpa.

Aparentemente culpado, Antoni coçou a nuca e andou de volta para a cama, da qual havia sido jogado no momento do meu surto de realidade. Permaneci colada a parede. O que eu deveria fazer? Quem procurar? Me sentia extremamente fria depois daquele momento com Antoni, dormir sozinha estava fora de cogitação. Quem então? Matheus sentiria o que havia acontecido no instante que eu entrasse pela porta de seu quarto, eu simplesmente não podia encarar meu irmão agora. O que me restava era Daniel.

— Eu vou... sair.

Agradeci por não ter entrado ali com meu celular, murmurei um "boa noite" e corri de volta para o corredor. Pela pequena fresta da porta constatei que a luz do quarto de Daniel estava acesa. Perfeito. Três toques na porta foram suficientes. Meu amigo atendeu com um sorriso, o cabelo louro completamente bagunçado, e o celular desbloqueado nas mãos.

— Posso dormir aqui hoje? — Pedi.

Daniel franziu a testa em desconfiança.

— Mas... e Antoni?

Na maioria das vezes em que eu me sentia sozinha, era com Toni que eu dormia. Raramente dormia com meu irmão, com Daniel as vezes, e com Pedro nunca. Mordi o interior da bochecha enquanto pensava em alguma coisa, qualquer coisa pra dizer que fizesse sentido. Mas desisti. Soltei um suspiro cansado.

— Posso?

Daniel me puxou para dentro pelo pulso.

— Claro que pode besta.

Meu amigo fechou a porta atrás de si antes de me acompanhar até a cama. Ele não fez cara estranha quando viu minha camiseta, ou reclamou quando me enrolei em um dos cantos da cama e fechei os olhos. Eram pelo menos três da manhã quando finalmente peguei no sono.

No dia seguinte meu relógio biológico apitou às oito da manhã. Daniel já havia saído, e todos os outros provavelmente teriam ido com ele. Menos meu irmão. A euforia da festa do dia anterior misturada com a emoção da declaração e do beijo se misturavam em meu cérebro. Será que eu tinha estragado tudo? Fechei os olhos e tentei me obrigar a dormir. Mas foi inútil. Eu também não podia ir até a faculdade para tocar piano, já que estava matando aula na cara de pau. Então desci as escadas e tentei fazer uma das minhas outras paixões... cozinhar.

Ainda com a camiseta de Pedro, me recusei a largar as memórias do dia anterior enquanto descia as escadas. Remexi nas compras que Dani havia feito no dia anterior, e agradeci pelo fato de ele me conhecer bem. Ele sabia que eu tinha três possíveis estados ao estar deprimida: dormir, tocar piano e cozinhar. Respirei fundo e comecei a juntar os ingredientes para a massa de biscoitos. Enquanto despejava os ovos e a farinha, um pensamento invadiu o outro, e de repente eu não sabia mais quantas xícaras tinha depositado de cada coisa.

— Droga.

Me sentia uma inútil. Não conseguia pensar direito. Meu irmão estava doente, eu estava faltando nas aulas, tinha me declarado para um garoto e beijado outro, e ainda por cima não era capaz de fazer uma mísera receita de biscoitos! Ergui o punho fechado e o direcionei para a mesa mas... como sempre o que era simples se tornou em desastre. Tinha um copo. Sim, um copo de vidro absurdamente frágil estava apoiado bem debaixo do local onde era para eu socar a mesa. O que era para ser a batida de ossos contra a madeira se tornou um imenso festival de sangue por conta de um grande objeto de vidro entre minha mão e o local onde eu deveria ter socado.

Minha primeira reação foi gritar, mas por sorte consegui morder o canto da bochecha para não soltar nenhum ruído sequer. Meu irmão dormia, e eu não podia acorda-lo. Olhei ao redor para tentar achar algum tipo de pano para estancar o sangue, mas não havia uma droga de um pano naquela cozinha. Comecei a me desesperar. Respirei fundo tentando não olhar para baixo, não olhar para minha mão quente pelo líquido viscoso. Meu sangue. Meu celular.

Subi correndo as escadas até o meu quarto, onde havia deixado o aparelho, e rezei para que estivesse com carga. Graças aos céus, consegui desbloquear com a mão esquerda, e digitar um número na barra do telefone. Foi o primeiro nome que me veio à mente, o nome que eu sabia que não tinha medo de sangue e que me ajudaria.

— Alô?

— Pode me buscar? Acho que preciso ir pro hospital.

Percebi que minha voz estava trêmula. Ele não hesitou, respondeu quase que imediatamente.

— Estou indo.

Ouvi a carteira da sala se arrastar, e a linha cair. Eu sabia que ele estava vindo. Me trocar foi a pior parte. Com a mão direita inutilizada e a incapacidade de olhar na direção da própria, escolhi o vestido mais largo que encontrei, um que cobria mais do que a camiseta de Pedro era capaz. Camiseta esta, que agora estava repleta de sangue. Droga.

Eu mal havia terminado de me vestir, quando o carro altamente azul de Daniel buzinou do lado de fora da casa. Calcei o primeiro par de chinelo que encontrei, e corri até a porta do carro. Só parei de correr quando Dani abriu a porta pra mim, e sua boca se congelou em um grito silencioso.

— Me desculpa.

Eu disse enquanto ele arrancava com o carro o mais rápido possível em direção ao hospital mais próximo. Finalmente olhei para baixo, e meu estômago se revirou. Minha mão era uma mistura de carne, pele e cacos de vidro ensangüentados. Sangue literalmente pingava pelos meus dedos no meu colo, provavelmente manchou o chão de toda a casa também. Me senti péssima por ser esse nível de garota burra. Tinha feito Daniel largar a própria faculdade para vir me buscar, porque eu não era capaz de fazer nada sozinha!

Depois que Daniel resolveu absolutamente tudo pra mim, como o garoto maravilhoso que era, o médico aplicou uma pequena anestesia para retirar os cacos. Então suturou tudo, preenchendo minha mão com linhas grossas e desiguais, onde eu sabia que ficaria uma cicatriz. Quando finalmente tudo acabou, o doutor me encarou sério.

— Ele fez isso com você?

Os olhos de Daniel quase saltaram do rosto, e eu tive que sufocar um grito de surpresa.

— Claro que não doutor! Ele estava na faculdade. Sinceramente, se não fosse ele, eu provavelmente teria morrido de hemorragia!

Eu não teria morrido de hemorragia nas mãos, mas o médico pareceu se contentar com a resposta. Já de volta ao carro, com uma mão enfaixada e a outra solta no colo, murmurei de novo.

— Obrigada. E me desculpa.

Daniel encostou no meio-fio, e me olhou fundo nos olhos. Aqueles olhos azul brilhante, tão claros quanto um dia ensolarado. Olhos repletos de emoção.

— Não se desculpe. Está doida? Se eu soubesse que tentou sair de uma situação dessas sozinha, eu te mataria!

Não pude evitar o sorriso que se abriu em meu rosto. Daniel, o cozinheiro, o menos medroso quando a questão era sangue, que comprava meus absorventes e cozinhava pra mim. Naquele momento, ele pareceu o único com quem eu podia contar.

Garota em gotasOnde histórias criam vida. Descubra agora