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Desculpas não foram necessárias, pois ninguém quis ouvi-las. Mesmo assim, diante de tudo aquilo, Antoni permaneceu firme segurando meus ombros. Era ótimo, porque sem isso eu provavelmente desabaria no chão novamente. Daniel e Pedro ainda nos olhavam, a sombra do amor que sentiam dançando em seus olhos quando meu irmão disse:

— Margarett não vai mais comigo.

Tentei protestar, mas Dani o fez antes.

— Você precisa de um acompanhante na clínica. Sua mãe não vai ficar mais que dois dias, e você sabe.

Meu irmão esticou os ombros, como se já tivesse pensado em tudo.

— Não vou sozinho. Antoni vai comigo.

Percebi que era esse o caso. Enquanto me lançava frases e palavras de ódio para me desestabilizar, meu irmão já planejava o próximo passo. Ele já sabia quem era, já sabia quem tiraria de mim. Um "não" ficou preso em minha garganta, mas porque exatamente eu diria? Eu havia começado tudo, estraguei tudo, nada mais justo que meu irmão tomasse de volta o que era dele. Mas... não doía menos pensar dessa forma.

Senti as mãos de Antoni estremecerem em seu aperto, hesitando. Eles eram melhores amigos desde sempre, fui eu que me meti. Eu que estraguei tudo, era minha culpa cada acontecimento atual. Meu irmão precisava de alguém, e se essa pessoa precisava ser Antoni, o que eu podia fazer? Me virei para ele, lançando um olhar demonstrando que compreendia. Ele estava dividido entre o melhor amigo e a paixão atual, não era justo fazê-lo escolher. Não era o fim do mundo, apenas um estado de distância, podíamos dar um jeito. Ele entendeu em meu olhar.

— Está bem. Vou arrumar minhas malas.

Então sem cerimônias, Toni escapou do quarto com a melhor desculpa de todas, selando meu destino de ficar para trás. Eu planejava deixá-lo, já havia até ensaiado a forma como amenizaria tudo, mas no fim... era ele quem estava me deixando. Olhares ainda se cravavam em mim, por isso também fugi dali, indo atrás de Antoni.

Já no quarto, ele separava uma mala imensa, colocando roupas e sapatos dentro, o mais rápido que podia. Minha mãe chegaria dali pouco tempo, então a pressa era compreensível. Me sentei na borda de sua cama, e observei conforme seu quarto era esvaziado. A ficha ainda não havia caído.

— Eles vão entender. — Toni declarou. — Em algum momento eles tem que entender.

Seus olhos cinzentos corriam pelo cômodo em busca de objetos, sua mente provavelmente a mil tentando absorver os acontecimentos anteriores e bolar uma mala em poucos minutos. Em uma mochila, ele separou objetos que usaria antes de pousar, como copulador, carregadores e fones de ouvido. Quando chegou na penteadeira, ele parou.

O plano anterior era Dani fazer minha transferência para a faculdade do outro estado, já que meu irmão trancaria a dele por tempo indeterminado. Mas agora que era Antoni indo... ele encarou os livros. E decidiu não os levar. Mas em vez disso, pegou o caderninho azul que eu havia deixado ali na noite anterior, e estendeu pra mim.

— É seu. Quando pensar em desistir de mim... leia. Por favor.

Seus olhos estavam carregados de emoção, seus lábios tremiam. Eu sabia que ele previa um futuro em que nos separávamos, em que não podíamos aguentar a pressão que era colocada sobre nós. Me levantei devagar, e passei os dedos pela capa azul celeste do caderninho. Então o coloquei na cama, e dirigi meu rosto para Antoni.

— Vou ler todos os dias. — eu disse. — Mas por saudades. Não porque penso em desistir de você.

Passei meus dedos por sua testa, nariz e bochechas, por onde eu sabia que uma covinha funda habitava. Parei no queixo, e o puxei pra mim. As mãos dele envolveram minha cintura como uma dança inevitável, o magnetismo de nossos corpos se encaixando perfeitamente. Eu sabia que jamais sentiria nada assim.

— Eu volto.

Ele disse contra meus lábios fechados, o sopro de sua fala fazendo cócegas nos meus, suas mãos me mantendo firme no lugar. A ansiedade me corroeu quando a campainha tocou. Olhei fundo em seus olhos, sentindo a dor neles contida, vendo sua primeira lágrima cair. Eu não podia sair dali. O nome dele foi chamado, mas o puxei para mim, agarrei seu pescoço como se fosse a última coisa que eu pudesse fazer para sobreviver. Ele me apertou de volta, mas era um aperto breve, que eu sabia que ia acabar.

— Conte vinte dias. Eu volto.

Sua voz grave e rouca ecoou por meus ossos, um adeus. Eu jamais saberia como me preparar para aquilo, para ele. Seus braços me levaram até a cama, porque ele sabia que eu não suportaria ficar de pé depois daquilo. Ele colocou a mochila nas costas e pegou o cabo da mala, cada movimento lento como um efeito de um filme de Hollywood. Um mais torturante que o outro, vi Toni abrir a porta. Observei suas costas largas conforme ele desaparecia escada abaixo. Corri até o corrimão a tempo de vê-lo cumprimentar o motorista, e dar uma última olhada para trás. Um sorriso triste. Só aí consegui chorar.

Meu irmão me olhava com repulsa, nojo. A culpa era grande o suficiente para me engolir, me esconder completamente nas trevas da vergonha. Eu parecia patética. Meu irmão virou o rosto, e fechou a porta, deixando que minha visão sobre Antoni fosse rompida. Algo se rompeu dentro de mim, quando Pedro me encarou com aquele olhar. Então fiz a primeira coisa que me veio à mente.

— Alô?

A voz animada de Rita invadiu meus ouvidos, me fazendo quase esquecer de toda a dor.

— Aconteceu muita coisa.

Minha amiga não pensou duas vezes.

— Venha pra casa, vou chamar Clara também.

Desliguei o telefone e fui me arrumar, tentando fazer com que a água gelada sufocasse meus soluços debaixo do chuveiro. A falta de Antoni já dominava minhas entranhas, mas pelo menos... agora o caderninho azul estava seguro no meu quarto. Terminei de me arrumar e corri para o carro de Joseph, que já me esperava na frente de casa. Tudo isso sem ter coragem de encarar nenhum dos dois garotos desolados na sala.

— O que houve?

Contei a Joseph. Conforme seu carro manobrava nas ruas e atalhos, expliquei cada detalhe desde minha confissão, até o momento em que meu irmão puxou Antoni com ele. Eu me sentia vazia. Me senti desolada, sozinha e culpada. E cada informação saiu acompanhada de uma lágrima, com tanta intensidade, que Joseph acabou parando em uma parte do acostamento. Meu amigo tirou o cinto de segurança, e se inclinou para me tomar nos braços. Afundei em seu abraço e lembrei com humor, da época em que pensei que seria mais fácil me apaixonar por Antoni do que por Pedro. No final, o mais fácil era Joseph. Mas quem disse que meu coração sabia escolher?

— Garotinha em gotas. Vai ficar tudo bem.

Me agarrei ao par de braços que parecia ser meu último amigo naquela imensa confusão. E quis acreditar naquela frase.

Garota em gotasOnde histórias criam vida. Descubra agora