Capítulo 13 - Tradições

121 21 2
                                    

A fogueira crepitava contra o repentino escuro da noite. A grande mancha alaranjada surgia dos galhos aprisionados no círculo de pedras. Todos eles que, chegada a hora, se limitaram a cair no solo, rendidos ao seu fim eminente. Agora, estavam certamente agradecidos pela degradação mais acelerada de seus corpos sem vida.

Nileya sentiu o conforto do calor ao ver as labaredas ao longe. Seus passos tornaram-se enérgicos, não pela óbvia constatação do seu atraso, mas pela necessidade de estar perto dos seus.

O povo reunia-se em torno das chamas que, incólumes à brisa inofensiva, bailavam no ar. Os Homens mantinham-se sentados na terra, de pernas cruzadas e com um sorriso no rosto. A proximidade das almas aquecia o ambiente, mais do que o fogo ardente.

‒ Nileya, minha filha ‒ falou o homem ao centro, notando a jovem se aproximar. O timbre complacente fez com que ela lhe respondesse com um sorriso rasgado. ‒ Começava a pensar que você não chegaria a tempo.

Os Homens, atentos às palavras de Zanile, rapidamente se concentraram na recém-chegada. Todos a encararam com uma reverência muda, sem se deixarem alimentar por pensamentos recriminatórios. A chegada tardia da moça teria de ter um motivo que, fosse ele qual fosse, não lhes dizia respeito.

A jovem passou pela brecha que se abriu na multidão. Os dois homens encolhiam-se no lugar, agarrando as pernas junto ao peito, sem abandonarem a posição sentada.

‒ Baa(1). ‒ Nileya apoiou-se na ponta dos pés para beijar a face do pai, rubra pelas chamas. A pele, castigada pelos anos, roçou-lhe áspera nos lábios, ainda que desprovida de qualquer pelo. ‒ Eu sempre venho, não é mesmo?

‒ Como ela está? ‒ O nome não fora mencionado, já que tal não era necessário. Zanile depositou a mão larga sobre o ombro da filha, como se ele procurasse nela algum tipo de apoio.

‒ Bem. ‒ Nileya sorriu ao lembrar-se da conversa agradável de final de tarde. Não tinha falado do humano misterioso, mas, sem dizer nada, ela sentira-se amparada, compreendida, como sempre acontecia quando falava com a avó. ‒ Ela ia gostar de o ver.

‒ Não duvido, mas nossas conversas nunca vão a lado nenhum. ‒ Ele agachou-se para pegar na grande colher de madeira que rompia para fora da panela. O fogo aquecia a lateral do recipiente onde havia sido confecionado o jantar. ‒ Somos dois teimosos. Sorte a sua que tem uma mãe que sempre a ouve.

Aexleil, sentada no meio de outras duas mulheres, correspondeu ao olhar ternurento de Zanile, para logo depois sorrir para a filha. Era como se ela percebesse do que falavam, ainda que não conseguisse ouvir-lhes as palavras.

‒ Fui muito abençoada com os pais que os Deuses escolheram para mim ‒ retrocou, ainda fitando as feições suaves do rosto da progenitora.

O pai dizia-lhe, muitas vezes, que ela havia sido esculpida à imagem da mãe. Porém, Nileya não o conseguia ver. Os olhos de âmbar eram toldados por umas finas sobrancelhas, tão claras quanto os fios brancos que lhe emolduravam o longo rosto. A beleza de Aexleil não se gastara com o avançar do tempo. Era fácil perceber Zanile, que se mantinha encantado por aquela mulher, mesmo vinte anos depois de a ter escolhido como progenitora de seu primogénito. A afeição apenas havia crescido e qualquer um poderia notar a sintonia dos dois.

‒ Pois eu acho que nós é que fomos abençoados. ‒ Zanile falava com o coração, não dizia as palavras só para ver a filha feliz. Ele realmente sentia que Nileya era uma alma especial que os vinha agraciar a todos com sua energia.

‒ Mesmo eu estando sempre ausente? ‒ Ela encolheu-se um pouco, olhando-o de lado. A culpa corroía, claro, mas não conseguia evitar ser como era.

O Eterno RioOnde histórias criam vida. Descubra agora