Capítulo 8 - Semente ruim, colheita desfeita

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Nileya seguia ereta e firme, ainda que o coração batesse aceleradamente. Ela dizia para si mesma que tinha sido da corrida. Em parte, até poderia ser, mas essa não era toda a verdade.

O mato cerrado havia terminado, dando lugar a uma clareira bem iluminada e ampla, onde as árvores se davam ao luxo de aproveitar de alguma privacidade, se afastando umas das outras. 

Ao vislumbrar as cabanas, que lhe eram tão familiares, a nativa suspirou de alívio. Aquela era a casa dela. O local onde ela sempre se sentia segura, para onde sempre voltava depois das suas aventuras e devaneios.

A água, que grudava no corpo e vestes da jovem, parecia ter vindo de um outro mundo. Um elemento deslocado da terra seca do solo ou até dos ressequidos colmos, folhas largas e troncos rugosos que se mesclavam nas paredes e teto das pequenas fortificações.

A breve tempestade cobrira uma extensa área da floresta, mas não chegara à moradia atual do povo Bélu. Como nómadas, eles não se deixavam ficar no mesmo local por muito tempo, seguindo o ritmo da progressão da fauna e da flora. Moviam-se sempre que a alimentação começava a escassear, ou quando viam os outros animais a migrar. Se os instintos da espécie humana não eram dos melhores, havia que usar a bússola interna dos outros seres.

Desciam e subiam no terreno, seguindo o curso do rio, mas nunca se aproximando muito dele, nem, muito menos, o atravessando. As terras Sombrias eram um limite intransponível.

Três crianças passaram a correr por Nileya, uma delas tão perto que a mão pequena chegou a roçar na perna desnuda da jovem. Porém, nenhuma abrandou o passo ao ver a recém-chegada. Era como se estivessem a contornar uma árvore no meio de uma floresta recheada delas.

Logo atrás, um homem avançava num ritmo moroso, com uma criança pendurada nos seus ombros e outra mais pequena no colo.

A jovem nativa sentiu-se esmorecer com a imagem do irmão. Custava-lhe ver a dedicação que Nilespri tinha com os mais novos. Ele daria um ótimo pai, paciente e extremoso. Esse seria o grande papel da vida dele. Mas, por enquanto, só lhe restava esperar.

− Vão apanhar ervas? – Ainda que Nileya tivesse parado, a sua perna esquerda palpitava junto com o coração.

− É. – O irmão passou o peso do rapaz para o braço contrário. O seu porte físico tentava os pequenos seres a se pendurarem sobre ele. Uma árvore andante era algo demasiado irresistível. – Prometi uma surpresa para o melhor.

− Um dos teus colares, suponho.

Ela apontou para o emaranhado de fios no pescoço do irmão. As contas eram feitas de sementes e rochas, dando-lhes um ar pitoresco e único. Nenhuma era igual à seguinte. Nilespri não acumulava aqueles adornos por vaidade ou falta do que fazer, cada um dos colares representava um acontecimento marcante da vida dele. Mas, tal como os restantes membros da tribo, ele não se apegava aos objetos e sim ao seu simbolismo. Por esse motivo, não lhe custava, nem um pouco, abdicar deles.

Nilespri colou o indicador aos próprios lábios, pedindo segredo. Com a cabeça apontou para o pequeno rapaz que brincava com os seus longos cabelos brancos. A menina, pendurada nas suas costas, fixava a sua atenção na intrusa que os estava a fazer perder tempo.

− Uma surpresa e tanto – proferiu irónica. Há meses que o irmão usava a mesma estratégia para incentivar os mais pequenos a aprender os costumes dos Bélu.

− Eles gostam. – O irmão agitou os ombros. A pequena garota gargalhou com o subtil movimento que a fez balançar.

– Eles deveriam interessar-se pelas plantas genuinamente, Pri, não por receberem algo em troca – recriminou.

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