Capítulo 3 - O paraíso

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A discórdia começou a ganhar força no interior da carrinha, alimentada pela frustração de passar três horas a fitar o completo vazio. Sempre que subiam um monte, crescia a esperança de encontrar-se algo novo, algo para além de rochas, areia e lagos avermelhados. Porém, nunca nada acontecia.

− Acho melhor contornarmos o rio Loire – sugeriu Taupe ao encarar as mudanças nas coordenadas no dispositivo que tinha entre as mãos. Ele seguia, em tempo real, o trajeto que a carrinha fazia por todo o país. – A zona circundante do antigo rio Dordogne foi a pior até agora. Não me parece muito boa ideia enfrentarmos mais terras escaldantes. Os pneus não vão resistir.

− Ainda tenho o cheiro de enxofre impregnado nas narinas – murmurou Gaston, coçando o nariz com as costas da mão livre.

− O Rayne defende que nossa melhor hipótese será se encontrarmos algum rio ainda vivo – contra-argumentou Killian, de olhos fixos nas terras áridas à sua frente. − O Loire sempre foi o mais longo de França. Pode ainda estar lá.

O informático suspirou, desanimado por sua voz não estar a ser ouvida. Ele encarava o desenho a vermelho do trajeto irregular que haviam feito desde que partiram de Villeneuve. Se tivessem ido a direito, já teriam chegado ao antigo principal rio do país. Mas não, havia-se feito necessário contornar vastas zonas onde a terra fumegava. Já para não falar no cuidado acrescido de não passar pelo litoral, onde as terras e os ventos seriam mais instáveis por causa da força do mar.

− O homem não é Deus, não sabe tudo – protestou Gaston, afundando o pé, um pouco mais, no acelerador. Ele já começava a ficar irritado por Jofrey ser o centro das atenções daquela expedição. Para alguém que se habituara a ver-se como o chefe dos republicanos, era exasperante ter descido tão fundo na cadeia social.

Taupe sorriu por ver o ex-amigo a defender a sua posição. Talvez ainda houvesse como recuperar aquela relação.

− Pode até não ser, mas eu confio mais nele do que em vocês dois. – Os ex-republicanos olharam de lado o general, que se encontrava sentado no meio. – E não é preciso muito.

− Está a esquecer-se de que tenho a sua vida nas minhas mãos, general. – Gaston apertou o volante com força, as veias nas mãos estavam bem salientes. – Lamento informar, mas um homem não chega para fazer isto dar certo. Estamos dependentes uns dos outros. – Aquilo não agradava a nenhum dos três homens, que prezavam a sua independência. Mas, no silêncio, viam-se obrigados a admitir esse terrível fato, trazido à luz do dia por Gaston. − Na verdade, o meu papel parece mais importante do que o seu, general. Até agora, pouco fez e muito pouco mandou.

Aquela era uma provocação clara e Killian teria de responder à altura, não quisesse ele perder, de vez, o controle da situação.

− No momento, depois de horas a observá-lo a conduzir, não me parece que seja assim tão indispensável, Gaston. O processo já está aqui, − o general levou o indicador à têmpora, − bem memorizado.

O ex-prisioneiro travou a fundo. A carrinha que os seguia, de perto, quase que se estatelou na traseira do veículo imóvel. Os soldados, que já dormiam, foram sacolejados para à frente, despertando em sobressalto.

− Força! – Gaston desapertou o próprio cinto de segurança. − Estou curioso para ver isso.

− Galera, o que é aquilo ali ao fundo? – indagou Taupe ao apontar para um ponto distante a noroeste. Gaston segurava a porta meia-aberta da carrinha e sua cabeça voltou-se a contragosto para o colega. – Não estou a ter uma ilusão provocada pela inalação de enxofre, pois não? – gracejou, sabendo que tal cenário seria altamente improvável.

Killian e Gaston ficaram boquiabertos. Um ponto verde, no meio dos tons monótonos e aborrecidos que haviam encontrado até agora, era certamente um sinal de esperança.

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