Capítulo 1 - Uma nova oportunidade

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O prisioneiro virou-se na cama e ocultou a cabeça com a coberta. Os raios que trespassavam as grades da sela estendiam-se mais do que deveriam, perturbando o sono do criminoso. O sol já ia alto no céu, mas para quem não tinha qualquer lugar onde ir, pouco importava.

Killian bufou com a figura preguiçosa que se encolhia sobre o colchão. Ele nem podia acreditar na sua falta de sorte. Pegando no extremo da chave, ele a deslizou pelos altos canos de metal que o separavam dos aposentos de Gaston.

O barulho irritante e agudo fez o prisioneiro acordar num sobressalto. As cobertas jogadas ao chão pelos pés inquietos.

− A bela adormecida acordou – provocou o guarda jocoso. – Já não era sem tempo!

− General, a que devo a honrosa visita? – Gaston passou a mão pelas roupas amassadas que trajava há três dias. – Peço desculpa por não estar mais apresentável. Se soubesse que viria, teria pedido aos criados para me trazerem meu traje de gala.

O guarda revirou os olhos.

− Acredita que se dependesse da minha vontade, não estaria aqui. Mas há alguém que defende a possibilidade da tua reabilitação.

Gaston se levantou de um salto, animado com o rumo da conversa.

− Não me diga que meu primo mudou de ideias.

− Sua alteza – corrigiu o guarda. O maxilar contraiu-se em desagrado. − É assim que o deve tratar.

O prisioneiro assobiou descontraído, encaminhando-se para a porta fechada da cela. Era como se nem tivesse ouvido a voz áspera de Killian, em resposta à sua provocação.

− Do que está esperando, general? – As mãos de Gaston agarravam firmemente as grades que compunham a porta, camuflada nas restantes barras de metal. – Abra logo a porta de uma vez!

Killian suspirou exasperado. A presunção do prisioneiro era algo difícil de engolir, principalmente tendo em conta o histórico da relação dos dois.

O guarda rodou a chave morosamente, testando a paciência de Gaston. Mas o queixo quadrado continuava erguido no ar. Não seria para menos, já que ele acabava de ganhar sua ambicionada liberdade.

− Sem ressentimentos, certo? – questionou o prisioneiro, acotovelando a lateral do abdómen do guarda como se os dois tivessem sido grandes amigos em tempos.

Killian retesou-se com a pontada aguda de dor. Havia passado um mês, mas o golpe profundo, provocado pela lança de metal, jogada contra si, estava a levar algum tempo a sarar. Uma infeção tardia alojara-se no seu organismo, nada de muito alarmante, mas, sem dúvida, inconveniente para um homem habituado a horas de treinos físicos diários. E ainda que o rei lhe houvesse oferecido a possibilidade de continuar a usar a pulseira milagrosa, que lhe assegurara a vida e permitira a recuperação rápida de seus tecidos, o guarda fez-se de forte e esperou que o tempo fosse amável com ele. Tal não tinha sido o caso, claramente, porém, as pulseiras, apenas usadas pelos monarcas durante séculos, haviam sido recentemente banidas e Killian já não poderia voltar atrás na sua decisão.

− Claro! Vou até gravar o seu nome sobre a cicatriz, em homenagem – respondeu irónico. O guarda fechou a porta com força perante o sorriso desafiador que recebeu. – Vamos!

Os pés de Killian pisaram com força no chão escuro e frio que não estava habituado a receber visitas. O homem forte passava pelas inúmeras celas vazias, sem olhar uma vez sequer para trás. No meio do silêncio, ele conseguia ouvir os passos hesitantes do prisioneiro, ou ex-prisioneiro. Ele já não estava certo de qual a melhor designação a atribuir ao homem que havia atentado contra a sua vida. Porém, não era o seu ferimento que mais toldava o juízo que fazia de Gaston, nem o fato deste ter colocado a sua competência em causa (ainda que seus punhos se contraíssem sempre que se lembrava que tinha sido derrotado por alguém sem experiência de combate). Não, o que mais o incomodava era se desculpar um homem que havia morto o rei e a rainha, em uma só noite, num ataque a sangue frio. Mas se o filho dos falecidos monarcas não via problema nisso, quem era ele para contestar?

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