Eu fiquei em silêncio o resto do jantar. Sabia que já deveria ter dito à minha mãe que não tinha feito nenhuma amiga, mas tanto ela quanto meu pai pareciam tão felizes com essa nossa mudança.
Meu pai trabalhou por anos em uma empresa na cidade que morávamos, essa empresa iniciou uma afilial aqui que agora é gerenciada por ele. E ele parece bem satisfeito com isso.
Minha mãe sempre quis morar numa cidade do interior. Aqui não é, tecnicamente, roça ou matagal ( quando eu disse para meus amigos que moraria no interior, eles me imaginaram acordando cedo todos os dias para ordenhar vacas ), mas é apenas uma cidade comum como qualquer outra, só é menor. Minha mãe gosta de quietude e aqui é mais do que onde morávamos. Tem parques naturais preservados para passar um tempo em contato com a natureza e ela já conseguiu seu primeiro cliente na primeira semana. Na cidade grande isso era mais difícil devido à concorrência.
Eles pareciam felizes e eu não queria jogar um banho de água fria na alegria deles. Não queria parecer aquele tipo de garota mimada que reclama da terrível vida que tem só porque teve que se mudar.
Eu priorizava muito a felicidade dos meus pais porque sei o quanto eu os causei desgosto no passado. O quanto eu os desagradei e os fiz sofrer por causa de minhas atitudes.
Eu fiquei em silêncio durante o jantar, mas fingi estar feliz também com essa nova mudança. Vai ver eu só precisava de mais tempo para me adaptar e mostrar para as pessoas que eu só queria fazer amigos.
Depois que o jantar acabou, meus pais foram para o quarto cheio de melação e beijinhos.
Eu ri deles e fui para o meu quarto. Encarei meu quarto vazio e com a luz apagada. A luz da rua iluminava-o levemente pela janela permitindo com que eu enxergasse as coisas.
Eu não pensei muito quando fiz aquilo.
Peguei os meus fones e o meu celular. Coloquei na minha playlist de músicas do momento e o guardei no meu bolso enquanto a música começava soar. Fechei os meus olhos e sorri. Aquele era um momento só meu. Um momento em que eu me permitia ser eu mesma sem me preocupar com nada pois não havia ninguém ali para me achar louca.
O som da música Blinding ligths, minha favorita, fez todo meu corpo se eletrizar e eu me deixei levar pelo que eu sentia. Eu dancei. Eu cantei. Eu pulei pelo quarto feito uma maluca e me peguei sorrindo quando percebi que momentos tão simples conseguiam me fazer ficar tão feliz.
Parecia loucura, muitas pessoas não entendiam, quem já havia me visto fazendo aquilo me achava estranha, eu não havia conhecido ninguém que era capaz de entender aquilo que eu sentia quando fazia isso, mas eu não me importava tanto.
É claro que eu já desejei muito ter alguém que pudesse entender isso que sinto, que me visse sendo eu mesma e não me julgasse por ser esquisita, mas que entendesse e que talvez até sentisse o mesmo.
Mas enquanto não conheço ninguém assim, fico satisfeita em ter um momento só meu em que posso ser quem sou.
Quando a música acabou, joguei-me na cama encarando o teto e suspirei com um sorriso. Eu era grata por ser quem eu era hoje. Não tenho orgulho da pessoa que eu era. Mas hoje poder enxergar o mundo de um jeito diferente me deixa feliz.
[...]
ㅡ I shake it off, i shake it off... ㅡ Cantarolei descendo as escadas da minha casa. Eram oito da manhã e eu estava sozinha em casa.
Eu já tinha lavado o rosto e escovado os dentes, mas meus olhos ainda estavam meio inchadinhos. Talvez porque fui dormir tarde lendo aquele livro que paguei na biblioteca da escola. A vibe dele é tão praiana, férias em Malibu.
O que me deixa com muita inveja em vista de que moro num estado que não tem verão, primavera, outono e inverno, tem calor, maçarico, fósforo e inferninho.
Ri de meu pensamento e fui em direção a cozinha. Tomei meu café da manhã sozinha enquanto respondia a umas mensagens da Mariana que estava em educação física.
Depois que terminei, disse a ela que precisava fazer uns deveres de espanhol e tomei coragem de começa-los.
Voltei para o quarto e peguei tudo que eu iria precisar, livro de espanhol, caderno, estojo, garrafa de água, celular e essas coisas. Primeiramente decidi estudar na escrivaninha do meu quarto, mas me senti desconfortável e fui para o andar de baixo. Sentei-me na mesa da cozinha e antes de abrir o livro acabei olhando lá para fora pela janela. O dia estava tão bonito e batia um vento nas árvores que me deixou com inveja. Eu estava com tanto calor.
Nem pensei duas vezes antes antes de me dirigir para a mesinha que tínhamos na varanda.
Coloquei meu material sobre a mesma e prendi meu cabelo com a scrunchie amarela que estava em meu pulso. Sentei-me na cadeira e comecei a fazer os exercícios.
[...]
15 minutos depois...
ㅡ Estoy muy cansada... ㅡ Resmunguei abaixando a cabeça.
ㅡ Eu não quero, Daniel! Não gosto de ciências! ㅡ Ouvi um garotinho grunir e acabei olhando para a casa vizinha. Um pequeno garoto de cabelos loiros tinha seus braços cruzados enquanto Daniel o encarava também de braços cruzados.
ㅡ Anda logo, não faça birra. ㅡ Daniel passou a mão na testa parecendo cansado.
ㅡ Eu não vou. ㅡ O garoto bateu o pé.
ㅡ Te trago um doce amanhã. ㅡ Daniel respondeu.
ㅡ Qual o nome daquela célula mesmo? ㅡ O menino colocou a mão no queixo e entrou na casa fingindo interesse na matéria.
Daniel riu da reação do garoto e quando virou-se para entrar ele acabou me vendo.
ㅡ Manhã difícil? ㅡ Perguntei alto para que ele escutasse.
ㅡ Até que hoje ele está mais de boa. ㅡ Daniel respondeu. ㅡ E você? ㅡ Ergui meu livro.
ㅡ Dever de espanhol. ㅡ Fiz uma careta.
ㅡ Dever? Que dever? Espanhol? Não me recordo. ㅡ Ele fingiu demência me fazendo rir.
ㅡ Acho melhor você recordar logo, porque é muita coisa. ㅡ Assenti.
ㅡ Pode deixar. ㅡ Ele riu e logo um grito do garoto chamou a atenção dele. ㅡ Acho melhor eu entrar. ㅡ O mesmo entrou na casa mas um segundo depois deu um passo para trás e olhou para mim. ㅡ Que tengas un buen día señorita. ㅡ Ele sorriu.
ㅡ Gracias. ㅡ Sorri para ele também e o mesmo adentrou na casa depois de rir.
Olhei para a frente com as mãos sobre a mesa e senti minhas bochechas queimando levemente.
Que sorriso...
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Continua...
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Amarelo, a nova cor do Amor - DEGUSTAÇÃO
Romance" O mundo é mais colorido quando você sorri. " Elizah dizia isso com muita convicção e com grande sensação de bem estar no peito. Já com seus 18 anos, Elizah havia crescido com o pensamento de que o mundo só seria mais bonito se as pessoas fossem m...