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SENSAÇÕES

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SENSAÇÕES

No ensaio da coreógrafia  errei todos os passos Balanço a cabeça em
negação,  e recomeço, contando até três em pensamento, indo com
mais cuidado dessa vez. Todavia, no meio da música, mais uma vez erro.
Como se eu fosse a merda de uma aprendiz.
Quero abrir o evento  em São Paulo com a música Total Eclipse of
the Heart. Um hino dos anos oitenta e que vai emocionar muita gente. Uma
música que é difícil na verdade, serei acompanhada  pelo piano e violinos,
mas já ensaiei dezenas de vezes e já abri um evento de balé . Não sei o
que está acontecendo para eu errar tanto. Deixo a coreógrafia  de lado e dou
alguns passos no salão , acariciando meu queixo.
Na verdade, eu sei exatamente o que está me deixando desestruturada,
só não queria aceitar. Não posso ser hipócrita e dizer que foi um fim de noite
qualquer, como se nada tivesse acontecido. Foi bem real e gostoso acima de
tudo. Durante todo o sexo me senti muito bem, relaxada e confortável,
totalmente o oposto do que eu tinha imaginado. E agora estou aqui presa a
esse devaneio bizarro que deixa meu corpo em brasas.
Ruggero  prometeu e cumpriu. Me fez chegar ao orgasmo e me sentir
exausta. Dormi sozinha, aqui na casa dos meus pais na minha cama, a noite
toda, como uma pedra; usando um termo coloquial, eu diria que muito bem
comida.
Volto minha visão para onde minutos ensaiava  e meus lábios contorcem em uma
tentativa de praguejar. Desde quando homem tira meu foco do trabalho?
Desde que o homem em questão é muito superior a meus julgamentos
precipitados. Tomada por um impulso curioso, abro meu notebook e sento na
cama notando meus dentes prenderem o lábio em um gesto de dúvida.
Pesquiso ou não? Digito “ Ruggero pasquarelli  clube Dama de Copas” no campo de
pesquisa e pairo meu dedo sobre o “enter”.
O que eu perderia com isso?
*****

Ou, o que eu ganharia com isso?
Pra que pesquisar sobre um cara que não faz parte de meu ciclo social
e que provavelmente não voltarei a vê-lo?
Se aquieta, mulher. Tenho trinta anos e não quinze. Fecho o laptop.
Pedro sempre me lembrou: “Nunca deixe sua vagina pensar por
você”. E é o que está acontecendo no momento. Dou uma sacudida mental
em mim e volto para o que preciso mesmo fazer: ensaiar. Ajeito o cello entre
as pernas, preparo o arco e reinicio a música, cantando a letra baixinho de
olhos fechados. Sentindo cada nota escorrer das cordas respeitando as pausas
usando minha respiração como temporizador.
***
Isa não pode vir aqui, mas Pedro compareceu querendo saber cada
detalhe da minha experiência. Eu não fazia questão de me vangloriar
contando para todos, mas também não vi problemas em falar. Sentamos no
jardim e minha mãe trouxe limonada rosa para a gente. Mesmo eu dizendo
que não precisava se incomodar.
— Vai se escorar até quando na casa de seus pais? — Pedro mexe o
suco com o canudo e o chupa em seguida.
— Eu não quero ficar com Felipe, odeio o apartamento dele. É
barulhento, desorganizado e tem um letreiro de neon bem em frente da janela
do quarto obrigando a fechar a cortina. Odeio dormir em lugares muito
escuros.
— Então...
— Estou preparando meu antigo apartamento. Amo ficar sozinha,
preciso de privacidade.
— Te apoio. Agora que sua mãe entrou, me conte cada detalhe da
noite com o desconhecido. — De óculos escuros, ele se recosta na cadeira.
— Ouça só isso: não era desconhecido.
— Não? — Se curva para a frente.
— Não. — Sorvo um pouco de suco e descanso o copo na mesinha a
nossa frente.
Às vezes eu me pergunto como o destino pode ser tão sacana. As
coincidências impressionam...
— Por que diz isso? Conta logo, cacete! Não me mate aos poucos.
— Aquele cara do bar, lembra? O fã.
— O gostosão com sotaque? — Os olhos dele saltam surpresos.

— Isso.
— Foi ele?
— Fiquei boquiaberta, surpreendida. Ele trabalha no clube que Michael
me levou. Transei com o cara que eu tinha dado um toco dias antes. Irônico
isso, não?
Pedro respira fundo, perplexo, abre a boca para contestar e fecha
novamente. Totalmente sem fala.
— Pois é. — Trago o canudinho aos lábios e bebo mais um pouco do
suco refrescante.
— Eu estou totalmente sem fala. Mas quero saber tudo. Como ele é,
como foi para você... e como foi estar com Michael  olhando...?
— Não. ele não estava “presente”. — Faço sinal de aspas com os
dedos.
— Não?
— Michael  saiu do quarto e ficou em uma espécie de cabine olhando
tudo por um vidro. Por isso foi mais tranquilo. O cara é profissional, trabalha
com isso e, se aquela transa fosse paga, valeria cada centavo.
— Muito bom?
— Maravilhoso. E olha que não sou de ficar dando moral para
homens. Todavia, tenho que dar o braço a torcer.
Ele olha para os lados verificando se estamos a sós e murmura:
— Pauzão?
— Enorme. Eu apostaria vinte e um centímetros.
— Uau! — Pedro se abana sutilmente não querendo demonstrar que
ficou excitado com minha narração. Rio da cara dele terminando de beber o
suco e servindo de mais.
— O que foi? Rindo de mim?
— É. Está aí pegando fogo e eu nem contei os detalhes. Segure-se,
querido, vou contar tudo e você vai subir pelas paredes.
***
Quando a noite chegou, Michael  veio me buscar e fomos jantar em seu
apartamento. Ele sabe que não gosto de dormir lá e por isso ajeitou uma cama
provisória no chão da sala para passarmos a noite.
Apreciei o gesto dele para me fazer sentir bem em sua casa.
— Bom? — Pergunta querendo saber como está o ravióli.
— Muito bom. — Descanso o garfo no prato e pego a taça de vinho.

— Mas sei que não foi você que preparou.
— Não mesmo. Estou afogado de tanto trabalho e não tinha tempo de
ir para a cozinha.
— Obrigada por se esforçar por mim, querido. Pegando o telefone e
pedindo um marmitex.
— Ah, para. Não seja injusta.
— Okay. Estava brincando.
Volto a olhar o prato. Achei que teria um clima estranho entre Michael
e eu. Mas achei errado. Não é o que está acontecendo. Seguindo adiante
como se nada tivesse acontecido. Foi uma fantasia tanto para ele como para
mim, fim de história, vida que segue.
— Então, muitos processos? — Pergunto passando os olhos pelas
pilhas de pastas no sofá. O apartamento de Michael  é pequeno, modesto e
quase nunca organizado. Ele ajeita o necessário apenas quando venho aqui,
tirando toalha das cadeiras, sapatos da sala e levando vasilhas sujas para a
cozinha. Mesmo com uma faxineira, ele é muito desorganizado.
— Sim. E ontem peguei outro. — Ele esconde o olhar após ter
confessado. Minha expressão de revolta vem imediatamente.
— Outro? Michael  O que eu disse sobre sobrecarregar e não ter mais
tempo para nada? Você mal consegue um tempo para se alimentar.
— Eu sei, kah , mas esse é importante. Eu estou interessado em
escalar na minha carreira, chegar o mais alto possível e ser um nome
respeitado. Esse caso é um pro bono publico.
Balanço a cabeça negando, completamente insatisfeita. É louvável a
tentativa dele de subir na vida, mas não tendo que passar por cima até mesmo
do seu bem-estar.
— E o que de importante tem nesse processo?
— Uma agência de advocacia famosa me ofereceu como um teste
para eu provar minha eficácia. Parece simples, é apenas proteger o imóvel
aparentemente histórico, mas envolve o nome de duas grandes empresas e, se
eu conseguir, poderei ser um associado da Baptista & Cohen.
— Bom, não adianta eu espernear, não é mesmo? Só tenho a lhe
desejar muita sorte e te lembrar que eu tolero muita coisa, menos ser colocada
em segundo plano, não se esqueça de que tem uma noiva e vai se casar.
— Nunca esqueço. — Ele segura minha mão e dá um de seus sorrisos
charmosos. Sorrio de volta satisfeita, no fundo, por vê-lo progredir em sua
carreira.

Te amo ( Terminada )Onde histórias criam vida. Descubra agora