Capítulo 14

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Meu estoque de drogas está se esgotando muito mais rápido do que eu previa, então, como ainda não sei onde comprar maconha ou qualquer coisa mais ilícita do que álcool nessa merda de cidade, estou roubando os remédios do meu pai.

Desde a queda dele —  que de consequências só foi graças a Deus uma concussão leve e um corte profundo porém facilmente tratável — lhe foi receitado remédios para dores e soníferos. E ele só toma o de dores, é aquele tipo de pessoa que acha que remédios para dormir são viciantes. O que de fato são mas não estou nem aí para isso. Abro a gaveta do criado mudo dele e pego o frasco de lexapro. Tiro uns 10 e guardo de volta. Alice tirou uns dias de folga pra cuidar do meu pai, achei isso muito legal da parte dela. Passamos o dia todo com ele, fazendo programas em família que não o fazem sentir um inválido, é difícil de aturar mas não minto, até que gosto de ver alguns filmes com eles, e de cozinhar pra eles também.

Mas quando não estamos juntos.
Quando eu pego o carro e digo que estou indo ver o Even ou a Martha ou que fui trabalhar, estou na verdade fumando maconha em algum estacionamento ou num trecho qualquer da rodovia menos movimentada. Também cheiro muito pó. E outro dia tomei alguns comprimidos e perdi a chave do carro, foi duro dirigir o caminho de volta vendo tudo desfocado e colorido demais mas é isso. Só me resta isso. E dormir. Dormir muito. Nem com Cat tenho falado pois me magoa muito. Sua voz me magoa. Lembrar dela me dói. Me dói morar aqui, longe de casa. Da minha casa. Me dói que Even não fala mais comigo. Que Wendy está longe. Que Tip tem pena de mim. E que Arthur... Arthur me usou. Exatamente como eu sempre usei as pessoas, e não é um sentimento fácil de engolir.
Nunca antes me senti tão insignificante quanto agora, de verdade. Tão deixada de lado. Antes eu estava rodeada por gente que me queria e precisava de mim e agora não há nada. Nada real. Nada físico. Nada concreto.

É assim que uma perdedora se parece. Encaro meu reflexo no espelho do banheiro, estou com olheiras terríveis. Cabelo escuro desgrenhado e olhos claros bem abertos, como se eu estivesse com medo de algo. Talvez esteja mas nem sei mais. Nem sinto a ponta dos meus dedos agora. Acabei de cheirar os comprimidos de dormir, esmaguei tudo e cheirei, Wendy diz que o barato bate muito mais rápido assim. Vou até a porta e tranco-a, ouço a TV ligada na sala de estar e caminho de volta pra cama mas antes disso minha perna falha e eu caio no chão, o baque soa distante aos meus ouvidos.

Fecho os olhos. Meu corpo queima e vibra. Lembro de já ter me sentido assim antes, numa festa em San Diego, eu tinha ido pra ficar com o Neil Zimmer, era um cara da pesada. Lembro de ele ter me convencido a cheirar cocaína, e também a beber algo de seu copo. Lembro de sentir meu corpo ficando assim, dormente. Lembro de ele me levar pra um quarto, e de ter mais dois caras com a gente. E que ele não me perguntou se eu queria, e se tivesse perguntado, eu teria concordado. Eu sou uma vadia. Você consegue ser bem vadia, ele me disse. Ele fez sexo comigo mas eu não movia um músculo. E os outros também fizeram, e eu nem conseguia sibilar nada, formar uma frase ou erguer um dedo, mover meu corpo um centímetro. Não senti nada dentro de mim mas lembro do peso deles. Eram muito pesados. Diziam obscenidades que eu não gostava nada. Ela parece não estar respirando, um deles disse. E verificou, está desmaiada, Neil, tem certeza de que ela estava de acordo com isso? Quer dizer, ela não parece muito feliz, nem parece acordada. Neil riu, e disse Foi ela quem falou que queria fazer assim. Até a parte da droga, foi ela quem sugeriu. E foi mesmo. Eu que sugeri, ele tinha me perguntado semanas antes se eu topava fazer sexo com mais de dois caras, e brincando eu falei, “até com três. Mas precisaria estar chapada, muito chapada. Mortinha. Você teria que me dopar pra me convencer” e foi o que ele fez. Me deu drogas por dias. Me fez ficar ligadona com cocaína e até heroína. Wendy e eu brigamos mais cedo naquele dia, ele queria que eu parasse de ceder por pura teimosia mas fui até o fim. E aquela merda aconteceu. Eu confrontei o Neil depois e ele me jogou aquela conversa que tivemos de volta, que eu tinha falado aquilo então logo, havia concordado. Não falei nada pra ninguém, nunca. Mas naquela semana, dirigi até a casa dele, entrei lá, nos beijamos, tirei a roupa dele e enfiei um canivete em sua mão, tão fundo que a ponta saiu do outro lado.

O Caos até vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora