|03| fugir

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N/a: aviso sobre uso de drogas lícitas e ilícitas não explícito. Esse tema será abordado ainda algumas vezes durante a obra, acredito.

 

Estou ficando sem fôlego, minha visão está turva
Não consigo enxergar nada, vou ser engolido pelas memórias
Lembro de nossas pequenas histórias
Estou bebendo, misturando com as lembranças
E enquanto bebo começo a tremer
— Run Away, Mino

 

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Não havia mais ninguém além dos dois garotos, imersos em uma bolha de sons e melodias densas e alegres, confusas e reais. Mingi novamente fora levado a seguir os tortos passos do garoto de cabelos azuis, conflituosos aos seus pés e ritmados às suas mãos. Bêbados rindo e dando mais dinheiro ao dono do bar, Junkyan observando silenciosa enquanto servia cerveja para os velhos e Yunho simplesmente desligado daquele mundo, vez ou outra, uma pausa para algum líquido de teor alcoólico desconhecido. Aos poucos, a sanidade deixava aquele corpo restando apenas vestígios de sua existência. Mingi viu, aos poucos, Yunho mudar da água para o vinho. A cada gole, via algo no olhar do garoto perder a cor; a cada gole, uma tempestade se nublar; a cada gota, o sorriso contagiante morrer. Mingi viu as lágrimas se formando, os passos ficando mais pesados, viu o que antes era uma música feliz, se tornar melancólica e triste. Yunho tinha razão; não havia bebido na noite anterior. Mingi tinha sua conclusão agora.

Yunho dançou até que seus pés criassem vida própria, até que o casaco pesado fosse jogado para algum canto daquele bar, até que sua cabeça tonteasse e seu corpo tombasse de louco por conta do álcool. Estava acabado. Lágrimas salgadas faziam caminhos por suas bochechas e o desespero que insistia em esconder de toda forma consumir sua alma. Estava acabado. Mingi já havia parado de tocar, mas seu corpo ainda ondulava com a melodia que ecoava em sua mente, seus braços ainda estavam soltos acima de sua cabeça, seus quadris se remexiam incontroláveis e seus pés deslizavam pelo piso frio e áspero de cimento craquelado. Estava acabado. Sua mente; escura. Seus sentidos; falhos. Seus olhos; fechados. Em seu corpo, toques. Mãos grossas, mãos bobas, mãos decididas, mãos fortes. Mãos de homens. Mãos que não eram as dele, tocando-o a cada passo, passeando por suas curvas, insinuando contatos íntimos que extrapolavam os limites. Nojentos, repugnantes, asquerosos. Como sempre.

Mingi tirou-o dali às pressas.

— Disse que não deveria voltar aqui — Song o arrastou até o palco, sentando o garoto no canto onde costumava também se sentar, conferindo a situação atual de Yunho também agachado em sua frente. Cabelos bagunçados, olhos e lábios inchados, camiseta pouco colada pelo suor. Felizmente, nenhum ferimento físico. Não diria o mesmo de sua mente desorbitada. Olhos perdidos. Respiração fraca. Dor. — Está se metendo em problemas.

Yunho abraçou os próprios joelhos, soluçando, evitando que o álcool fizesse seu curso de fazê-lo chorar mais ainda e trazer à tona suas fraquezas. Não conseguiu. Dessa vez, não fora o efeito desejado. Não havia despreocupação, não havia felicidade, não havia animação, não havia esquecimento. Eram lembranças e mais lembranças invadindo-lhe a mente e o coração. Havia sido traído por suas próprias esperanças de fugir de si mesmo. Mingi talvez estivesse certo.

— Eu sou o problema, doce Mingi — o garoto de cabelos escuros vislumbrou mágoas naquele olhar choroso quando estes se cruzaram. — Eu... Eu sou um fodido!

Mingi sentiu o garoto desfalecer sobre si. Os braços longos circundaram sua cintura e sua coxa sentia a umidade das lágrimas de Jeong. Mingi não sabia o que fazer. Yunho soluçava pesadamente e segurava o tecido de sua blusa com desmedida força, descontando suas frustrações enquanto se afundava mais e mais. Desespero emanando do corpo que, diferente de como Mingi conhecera, parecia frágil e quebradiço. Yunho se reduzia a um garotinho indefeso, à mercê da crueldade do mundo. Mingi queria pensar em algo para que os toques agressivos cessassem, para que pudesse se livrar do peso de suas lágrimas, do peso de uma culpa que nem mesmo era sua. Song se sentia minimamente responsável por Jeong, algo que de longe soaria estranho, por serem estranhos. Contudo, sentia. Sentia a dor queimando em sua pele, abrasando seu peito. Ouvia os soluços que, em algum momento da vida, havia prendido fielmente. Não era somente sobre Yunho. Sabia que não.

Entre as linhas de suas canções 🧸 Jeong Yunho + Song Mingi [PAUSADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora