O Elevador

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ANGELIQUE

Recebi uma mensagem do Alex perto das duas da tarde, pedindo-me para ir até o último ensaio da banda dele. O show seria no dia seguinte e havia muita expectativa em relação ao preparo dos músicos.
Um deles era um guitarrista famoso, cuja performance era sempre enigmática.
Naquela tarde, fui liberada mais cedo do trabalho, pois uma equipe de engenheiros iria realizar um reparo na parte elétrica do prédio. Resolvi chegar mais cedo no studio para poder sair antes que o ensaio terminasse, pois se a passagem de som não fosse como o esperado, os músicos ficariam até tarde da noite.
Ao chegar no local, notei que a porta estava aberta, como se alguém já tivesse chegado, mas não tivesse fechado na chave. Pensando ser o Alex, resolvi procurá-lo.
Ouvi alguns ruídos vindos da última porta do corredor e, ao abri-la, me deparei com um dos integrantes, que estava se arrumando e qual não foi o ódio que sentiu por eu não ter batido na porta, que atirou em minha direção o balde que costumava usar na cabeça.
Não consegui desviar a tempo e aquele adorno bateu próximo a minha boca com tanta violência que senti um choque e logo depois um líquido quente escorria pelo meu queixo, pingando na blusa branca que eu estava usando.
Aquele homem avançou sobre mim com um ódio que eu nunca havia visto e sua mão enorme começou a me enforcar instantaneamente, lançando-me para trás. Senti a minha cabeça bater na parede.
Em um súbito arrependimento, ele me soltou e apanhou o balde do chão.
Fiquei tão assustada que rapidamente pedi desculpa e fugi do local, em prantos, torcendo para não encontrar ninguém no studio ou em suas proximidades.
Acenei para o primeiro táxi que encontrei e pedi que me levasse para a minha casa. O taxista, olhando pelo retrovisor, sugeriu que fôssemos ao hospital, mas eu disse que estava tudo bem e que em casa eu poderia fazer um curativo.
Demoramos uns vinte minutos até a minha casa e no trajeto fiquei pensando o que eu poderia ter feito de tão grave para ter sido punida daquela forma por um estranho.
De toda forma, eu não contaria nada ao Alex para evitar qualquer conflito. E também, a culpa foi minha, pois eu não deveria ter entrado sem bater na porta e sem ter me identificado... e enquanto estava perdida em meus pensamentos, as lembranças do meu antigo relacionamento voltaram...
Antes de me mudar para Claremont, eu morava em Wisconsin, em uma cidade tranquila e repleta de estudantes de todos os estados. A justificativa para eu morar naquela cidade era justamente a faculdade e os cursos que eu fazia para robustecer o meu currículo.
No penúltimo ano de graduação, conheci Erik em uma festa no campus. Ele era da Finlândia e fazia mestrado na área da computação. Conversamos bastante nos dias seguintes e pouco tempo depois, começamos a namorar. Nosso relacionamento durou um ano e dois meses, pois nesse tempo ele se revelou abusivo.
Erik não só me batia como descontava todo o seu estresse em mim. Eu andava com escoriações por todo o corpo e sempre tentava camuflar os machucados. Não chegamos a terminar o nosso namoro, pois eu planejei minuciosamente a minha partida sem que ninguém soubesse.
Comprei uma passagem de ônibus e precisei de duas malas para colocar roupas e livros. As coisas que não tinham importância como os presentes que ele me dava, deixei na república onde eu morava.
Como eu não confiava muito nas minhas colegas de apartamento, contei que iria para o Egito visitar a minha mãe e que voltaria em breve. Acertei tudo com a minha avó, que na época morava em Claremont e ela me buscou na rodoviária.
Não contei nada do que havia acontecido para ela e aos poucos fui recomeçando uma nova vida... Lembrei de tudo aquilo enquanto olhava pela janela do carro, sentindo aquele machucado doer.

BRIAN

Cheguei no studio mais cedo que todos, como de costume, pois tinha que separar os instrumentos do ensaio e afinar a minha guitarra. Eu já havia colocado a máscara no rosto e quando peguei o balde para colocar na cabeça, uma moça entrou pela porta, sem nem ter batido antes.
A raiva que eu sentia daquelas condutas reiteradas só inflamaram o meu ódio e, tomado pela ira, fiz uma coisa da qual jamais havia feito em toda a minha vida: eu machuquei uma mulher! Não sei o que aconteceu comigo, mas o meu acesso de raiva me fez atirar o balde em sua direção!
Antes do sangue escorrer pelo rosto dela, avancei furiosamente em sua direção e minha mão automaticamente começou a enforca-la, arremessando-a contra a parede, em um ato impensável!
Quando senti que ela engoliu em seco, acordei daquele transe e notei que era a Angelique, namorada do Alex. Soltei-a imediatamente, com o sangue escorrendo pelo queixo e em estado de choque. Apanhei o balde do chão e ela havia sumido.
Como eu pude ser tão agressivo!? Por que eu descontei aquela raiva daquela forma e na pessoa errada!? Tentei correr para alcançá-la, mas o pessoal do studio foi chegando e eu fui barrado na porta por eles.
-Onde pensa que vai, Buck? - disse Jape, rindo.
Eu ainda estava tenso e gelado com o que havia feito. Observei o Alex, que ligava para alguém. Deve ter sido para a namorada dele, a moça a qual eu atirei o meu balde. Sem sucesso nas ligações, ele desistiu e um pouco desanimado, sugeriu que começássemos o ensaio.
-Cara, o que tá acontecendo com você!? - perguntou Thomas, o baixista, coçando a cabeça.
-Sangue - eu disse, sentindo todos os integrantes daquela banda olharem para mim e em seguida ao redor da sala.
-Que sangue, cara!? - perguntou Jape, baterista da banda.
-Por acaso você matou alguém aqui? - indagou Aelden, o vocalista, rindo.
-A atração principal é você! - continuou Thomas.
-Olha, cara, esse é o nosso último ensaio. - lembrou Alex.
Ainda transtornado, eu mal conseguia segurar a guitarra com as mãos trêmulas e peguei o que era meu e saí de lá o mais rápido possível.
No caminho, guardei o balde na mochila, pois não queria ser reconhecido por ninguém. Aquela cena não saía da minha mente.
-O cara tá estranho demais! - resmungou Jape.
-Mas ele sempre foi estranho! - continuou Thomas.
-Agora estou desconfiado de que tem um corpo por aqui! E se a polícia aparecer!?
-Ora, deixe de ser covarde e vamos começar logo essa porra! - disse Aelden, sem paciência.
-Aconteceu alguma coisa que ele não quis nos contar... - comentou Alex.
-Ih... será que recebeu alguma notícia de gravidez!?
Todos riram e Aelden zombou, gesticulando:
-O cara possivelmente é virgem, como pode ter comido alguém? Só se ele usou os dedos!
-E como você sabe que ele é virgem? - perguntou Jape, curioso.
-Cara, eu me informei antes de requisitar o cara para a banda. Ficha completa!
-Duvido! Ao menos uma mulher ele deve ter comido! – disse Thomas.
Eles ficaram curiosos, mas Alex logo interrompeu:
-Bom, seja lá o que for, que não atrapalhe o cara, porque ele vai abrir o show e depois vai tocar com a gente.
Antes do ensaio começar, Jape vasculhou a sala onde eles estavam e foi ameaçado de levar um pontapé no traseiro.
Eu andava sem rumo pela cidade, com a case da guitarra e a mochila. Se ao menos eu soubesse onde ela morava, iria pedir desculpas pessoalmente...
Aquele sangue não saía da minha cabeça e eu andei por um tempo até chegar na casa dos meus pais.
Procurei no bolso a chave da porta e a abri em silêncio, esperando não criar nenhum rebuliço. Entrei devagar e como não havia ninguém na sala, andei pelo corredor e entrei no meu antigo quarto, fechando a porta e sentando na cama.
-Brian?
Ouvi a voz da minha mãe e respondi:
-Estou aqui, mãe.
Ela entrou, sorrindo para mim. Levantei para abraçá-la e ela percebeu que eu estava gelado.
-O que foi que aconteceu, Brian? Você está gelado!
-Mãe... eu fiz uma coisa que não deveria ter feito.
Ela tomou um choque, pois olhou dentro dos meus olhos, assustada. Notei quando ela engoliu em seco e perguntou:
-Você...matou alguém...?
Neguei.
-Estuprou alguém...?
Neguei.
-Roubou?
Neguei novamente.
Ela respirou, um pouco aliviada, pondo a mão no peito.
-E o que você fez?
Tentei encontrar as palavras dentro da minha própria boca e disse:
-Mãe... eu machuquei uma mulher. Joguei o meu balde nela e saiu sangue...
Minha mãe me segurou pela mão e sentamos na minha cama.
-Tire essa máscara. Quero olhar para você.
Fiz o que ela pediu e ela percebeu que eu não estava bem, pois meu rosto estava contraído de culpa. Ela segurou o meu rosto com as duas mãos e sussurrou, olhando para mim com seus olhos azuis cintilantes.
-Então você precisa pedir desculpas, querido. Foi assim que eu te ensinei.
-Mas... e se ela não quiser me ver?
-Se ela não quiser te escutar, você pelo menos estará com a sua consciência tranquila, não acha?
Abaixei a cabeça e minha mãe pousou seu dedo sobre o meu queixo, levantando minha cabeça.
-Não deixe isso te atrapalhar, meu filho. Faça a sua parte, está bem? Seja sincero.
Conversar com a minha mãe sempre me fazia bem. Ela sabia abrir a minha mente e fazer com que eu me sentisse melhor.
-Venha, vamos lanchar. Eu fiz um bolo de cenoura com cobertura de chocolate e sei que você adora!
Eu confesso que não estava com muita fome, mas aceitei acompanhá-la e acabei lanchando também.

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