Queimando

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ANGELIQUE

Que noite maravilhosa...
Mesmo envergonhada, quando lembro dos detalhes, não consigo deixar de pensar no quanto foi prazeroso e um pouco estranho. Digo, eu transei com alguém cuja face nunca foi revelada a mim.
Ainda estou curiosa sobre isso, e assim que chegar em Claremont, pretendo pesquisar sobre as fotos antigas do Brian. Será uma descoberta secreta e ao mesmo tempo fascinante.
Sinto que o personagem criado por ele é a armadura principal para suportar esse lado da fama, enquanto ele mesmo permanece no anonimato, trabalhando "nos bastidores".
Fiquei pensando no que ele estaria fazendo nesse momento... Mal estávamos afastados e eu o queria por perto... mesmo que as vezes ele parecesse um manequim diante de mim.
Enquanto eu pensava nele, uma enorme preocupação se apoderou do meu corpo!
Droga! Eu precisava comprar uma pílula do dia seguinte! Havíamos transado sem proteção alguma... Eu não poderia ficar grávida, muito menos dele!
Tomada pelo medo de gerar uma criança, peguei um vestido azul da mala e corri para a farmácia mais próxima.
Enquanto eu procurava o remédio nas prateleiras, Nancy estava logo atrás de mim, colocando camisinhas em uma cesta.
Acabamos nos esbarrando e eu deixei a caixa do remédio cair no chão.
-Perdão! – ela exclamou, enquanto nós duas nos agachávamos para pegar o remédio.
-Angelique? Que surpresa!
-Nancy! – exclamei, sorrindo timidamente.
-Pílula do dia seguinte? – ela riu – Com quem você estava se divertindo, hein? Não me diga que foi com o Bucket.
-Não! – rebati um pouco alto, tomando um susto.
Em riu ao me ver assustada.
-Foi com um cara que eu conheci no parque de diversões. – Respondi, rindo para dissipar a tensão do meu corpo.
-Já eu, estou procurando me proteger, como sempre. – ela apontou para a cesta com no mínimo 20 camisinhas.
-Isso tudo? – perguntei, assustada.
-Sim... você sabe como o Thomas é...
Sorri envergonhadamente, me dando conta de que aquele detalhe era assombroso.
Voltamos ao hotel e já estava quase na hora do almoço. Eu estava faminta, pois não havia tomado café da manhã. Esse seria o meu último dia no hotel e o meu voo seria perto das 19h.
Nancy e eu seguimos pelo enorme corredor até o restaurante do hotel. Jape e Jenni estavam em uma mesa com toda a banda, acenando para nós.
-Olá, garotas! – cumprimentou Aelden, sorrindo.
Cumprimentei e depois de me servir no buffet, me juntei a eles. Quando sentei na mesa, a conversa logo tomou um rumo inesperado:
-Angelique, já está sabendo da novidade? - perguntou Stela, com um sorriso malicioso no rosto.
-O quê? - perguntei, surpresa.
Ela sinalizou para Jape, que logo encheu o peito de ar para falar rapidamente a mesma história pela milésima vez:
-Buckethead está dormindo com alguém.
Engasguei-me com o suco que estava bebendo e comecei a tossir.
-É mesmo? - perguntei, tentando parecer espantada.
Eles analisaram a minha reação e Jenni interrompeu:
-Se for falar dos peitos da mulher de novo, vou mudar de mesa!
-Peitos? - senti uma geleira nas costas.
Repreendido, Jape sinalizou para Aelden, que continuou:
-Jape disse que a mulher estava dormindo com os peitos de fora e uma touca cobrindo metade do rosto. - Ele mostrou seu lindo sorriso com dentes perfeitos.
Espera... Peitos!? Peitos para fora!? Será que ele tinha me visto!? Aliás, ele me viu nua sim!
Mesmo nervosa, percebi que eles realmente não sabiam a identidade da tal mulher e eu precisava entrar no jogo deles.
-Agora estou curiosa! - olhei boquiaberta para Jape. - E você sabe quem é?
Ele negou.
-Eu fiquei louco para saber quem era! - disse Thomas, enfatizando o "eu".
-Vacilão! Deveria ter olhado direito para saber quem era! - insistiu Aelden, inconformado, batendo nas costas de Jape.
-Ora! Imagine se eu iria arrumar briga com um cara de dois metros de altura por secar a mulher que estava dormindo na cama dele!?
Jape ficou indignado, dando uma garfada em seu prato e continuou o drama:
-Vocês pensam que eu estou lidando com quem? Um chute daquele pezão e eu poderia acabar no hospital!
Todos riram e eu também ri, achando graça daquelas palavras, pois até que faziam sentido.
-Não senti ciúmes de sua parte, Angelique. - disse Stela, tomando um gole de suco.
Todos olharam para mim, esperando por uma resposta.
-E por que eu ficaria com ciúmes? Ele é apenas um amigo! - respondi, tentando parecer o mais natural possível.
Ela olhou desconfiada para mim com aqueles olhos repletos de delineador e lápis de olho, mas tentei ignorar.
-E se a mulher da cama fosse você, Angelique? - questionou Aelden, rindo.
Eu precisava agir e pensar rápido! Não poderia deixar transparecer o que havia acontecido e, acima de tudo, não expor o Buckethead.
-Não podia ser eu porque eu estava com outra pessoa. – Respondi naturalmente, colocando mais suco no meu copo.
-Com quem você estava? – perguntou Stela, um pouco incrédula.
-Ah, era um cara que eu conheci no parque de diversões.
-E onde ele está? – ela questionou, arqueando uma sobrancelha.
-Ora, meu amor, pare de fazer um interrogatório para a Angelique. – disse Aelden, segurando na mão dela.
Todos riram e, provavelmente assumindo que eu era inocente naquela história, mudaram de assunto.
Consegui almoçar, apesar de sentir uma corda enrolada no meu pescoço, como se a qualquer momento eles fossem me desmascarar. Afinal, eles eram espertos... se resolvessem investigar essa história por conta própria, veriam que eu estava mentindo.
Fiquei com vergonha de incomodar o Brian no quarto dele e depois de tomar a pílula do dia seguinte, resolvi voltar para o meu quarto. Pelo menos eu arrumaria a mala e o tempo passaria um pouco mais rápido.
Estar naquele hotel me deixava um pouco triste. Eu estava apaixonada novamente e a imensidão daquele lugar comprimia o meu peito, pois eu sabia que não fazia parte daquele mundo... Eu não tinha uma fortuna para me hospedar em hotéis de luxo e não era famosa.
Enquanto estava procurando o cartão magnético dentro da bolsa, notei pelo canto dos olhos que uma figura andava pelo corredor e olhei. Era ele, usando roupas de moletom cinzas, a máscara branca e uma touca preta.
-Oi! – eu disse, animada.
-Oi. – Ele respondeu timidamente.
Eu o convidei para entrar no quarto.
-Você vai embora? – ele perguntou, olhando a minha mala em cima da cama.
-Sim... o meu voo é hoje de noite... não tinha nenhum para segunda-feira.
Senti o coração comprimir novamente, mas era a minha realidade.
Ele se aproximou de mim, o que me fez encostar na parede. Levantei um pouco o pescoço para ver seus olhos azuis.
-Brian... – tentei dizer, mas ele me silenciou com um dos dedos.
-Não vá... – ele sussurrou.
-Eu preciso ir...preciso voltar para o meu trabalho e terminar os meus projetos...
Ele me abraçou calorosamente e eu retribuí o abraço, sentindo as minhas emoções ruírem. Senti as lágrimas encherem os meus olhos e perguntei:
-O que acha de sairmos? - limpei rapidamente os olhos para que ele não notasse que eu começaria a chorar.
Brian concordou e eu logo pensei em algo que queria fazer há muito tempo:
-Então eu quero jogar sinuca!
-Em um cassino? – ele perguntou.
-Não... ficaríamos presos e viciados naqueles jogos.
Ele riu por dentro da máscara.
-Não me diga que você joga em cassinos... – eu disse, olhando para ele e sorrindo.
-Não... Prefiro videogames.
Ele tocou o meu rosto e senti suas mãos levemente suadas me acariciarem, como se estivesse tentando me consolar.
-Brian... Eles comentaram sobre você... - eu disse, tentando quebrar o silêncio do ambiente.
-Eu esperava por isso. – Ele respondeu calmamente.
-Mas acho que não sabem quem estava com você.
-Por favor... Sigilo absoluto. - Ele me pediu, expondo as razões pelas quais sempre fez questão de deixar sua vida particular em sigilo.
Enquanto eu arrumava as minhas coisas, tentando não esquecer nada, pois eu tinha o péssimo costume de sempre esquecer alguma coisa em viagens, Brian observou a paisagem pela janela.
-Esse quarto não é como o seu, luxuoso.
-Eu não me importo com essas coisas. – Ele disse, ajustando a máscara no rosto. – Qualquer coisa serve.
Descemos pelo elevador e perguntamos na recepção o lugar mais perto que tinha sinuca sem ser em um cassino e era em um bairro próximo.
-Preciso ir em uma loja antes. - Ele apontou para o final da avenida.
Andamos até lá e era uma loja de celulares. Brian entrou e eu fiquei do lado de fora aguardando. Ele logo saiu com um aparelho dentro de uma caixa e um chip.
-O seu celular quebrou?
-Não... Eu só tenho o celular de trabalho. Esse aqui eu comprei para falar só com a minha família, uns amigos próximos e... você...
Dei um sorriso largo para ele e esperamos um táxi aparecer.
Do outro lado da rua, na frente da loja de celulares, havia uma loja famosa de jaquetas de couro. Aelden e Stela estavam por acaso naquela loja e ela logo nos avistou entrando no táxi.
-Eu tenho certeza que a mulher da cama é a Angelique! – ela exclamou, destilando veneno nos ouvidos do namorado.
-Por que você acha isso? - ele olhou para ela, sem entender a retomada repentina daquele assunto.
-Acabei de ver os dois entrando em um táxi.
Aelden esticou o pescoço para ver se via alguma coisa.
-E se for, meu amor? - ele perguntou, entregando o dinheiro das jaquetas ao vendedor.
-Se for, é ridículo! Ela estava na mesa conosco e mentindo! - Stela elevou um pouco o tom da voz.
-Ei, calma aí! Se realmente for ela, provavelmente está entrando nesse lance de mistério. Afinal, o Buckethead é um cara misterioso.
-É que eu não suporto gente mentirosa! Você sabe disso!
-Pode ser um fetiche também. – Ele deu de ombros e pegou as sacolas, enquanto os dois foram caminhando e conversando sobre o assunto.
Brian e eu chegamos no bar de sinuca. Era um lugar simples, com uma placa preta e um letreiro verde fluorescente.
Na parte interna, havia uma área verde e mesas de sinuca espalhadas pela parte coberta.
Em um canto mais reservado, havia uma única mesa, afastada das demais. Haviam também alguns sofás com mesas para as pessoas relaxarem e pedirem petiscos.
Um pouco ao longe, uma pequena vitrine com tacos de sinuca diferenciados e bolas antigas.
Compramos algumas fichas de um senhor idoso e bêbado que estava no caixa e, por conta do horário, o bar estava praticamente vazio. Um ou outro bêbado lamentava por alguma coisa, balbuciando.
Peguei o triângulo na mesa ao lado e arrumei todas as bolas com exceção da bola branca e da bola de número 1.
Brian me pediu para fazer a primeira jogada e eu recomendei que fosse ele, pois tinha mais força. Ele se posicionou, inclinando-se levemente e estourou algumas bolas. Decidimos que ele teria que acertar as bolas de número ímpar e eu, as de número par.
Ver sua figura alta segurando um taco de sinuca na mão me fazia enxerga-lo como uma pessoa, e não como uma máquina, que era a forma como algumas pessoas o viam.
Na minha vez de jogar, ele se aproximou de mim.
-Ah, Angelique... você está segurando errado no taco... É assim.
Ele se posicionou atrás de mim e arqueou seu corpo sobre o meu. Senti suas mãos em cima das minhas e sua máscara estava próxima ao meu ouvido. Notei sua respiração calma, lenta.
-Você direciona o taco para a bola e...
Seus cachos roçavam nos meus ombros e me causavam leves arrepios. Eu olhava para aquelas mãos enormes e lembrava da forma como ele apertava os meus seios com força...
-Então você põe pressão aqui e...
Não consegui ouvir suas palavras. Tê-lo ali, próximo do meu corpo me desconcentrava, me fazia deseja-lo novamente...
-Mas, quando você percebe o ângulo da bola...
As memórias da noite anterior rodopiavam na minha mente, trazendo lembranças do nosso sexo. Droga... estávamos basicamente sozinhos naquela área onde só havia uma mesa de sinuca...
Minha mente começou a divagar... aquele bar poderia estar completamente deserto. Ele inclinaria o meu corpo na mesa de sinuca e estaria pronto para me foder novamente...
-Entendeu? – Brian perguntou, afastando-se de mim e interrompendo os meus pensamentos eróticos.
-Ah, claro! – respondi, envergonhada e me sentindo culpada por não ter prestado atenção em nada.
Eu até encaçapei algumas bolas, mas no final, ele me venceu.
-Não é justo! Seus braços são maiores! - protestei.
Ele riu e começamos um novo jogo. Ao todo, jogamos seis partidas e eu só venci uma!
-Fui derrotada! - eu disse, inconformada.
Sentamos em uma mesa reservada para conversarmos.
-Brian...
Ele desviou o olhar por trás daquela máscara branca.
-Sempre que eu te vejo... o meu coração dispara.
-O meu... também... - ele respondeu, em voz baixa, como se vários ouvidos estivessem ao nosso redor.
-Sobre a noite de ontem... - iniciei o assunto, timidamente – desculpe por ter induzido você... sei que você tímido... por favor, me perdoe.
-Hum... Eu... eu queria... de novo... – ele disse baixinho, mantendo o olhar no chão.
Fiquei atônita. Eu queria tira-lo dali só para voltarmos ao hotel e repetir tudo de novo.
Brian retirou um papelzinho do bolso da calça.
-Bom... esse... esse é o meu número de telefone pessoal. Você pode... ligue sempre que... que precisar. Se eu não puder atender... eu... eu posso ligar depois...
Ele juntou as duas mãos atrás da cabeça, como se fosse amarrar o cabelo e eu pude notar o quanto seus braços eram magros e compridos.
Peguei o papel e, olhando o relógio na parede, notei que já eram cinco horas.
-Essa não, temos que voltar.
Brian estava levemente agitado, mas concordou.
Perto da hora do meu voo, peguei as malas e ele se ofereceu para ir comigo. A cada metro que avançávamos para o aeroporto, eu desejava que o tempo voltasse só para que eu não pudesse viajar.
-Quando você volta? - perguntei, esperançosa.
-Não tenho certeza. Hoje eu preciso tocar no evento de Halloween e amanhã devo embarcar para Chicago.
-E quanto tempo você fica por lá?
-Um pouco mais de uma semana e então volto para Claremont.
-Eu sei que é o seu trabalho, mas volte logo...
Ele hesitou por um breve momento, mas assentiu, acariciando meu rosto.
O embarque do voo foi anunciado e chegou a hora de nos despedirmos.
Abracei seu corpo esguio por um bom tempo, ao passo em que ele correspondia ao meu abraço. Nossos corações estavam aflitos, uníssonos.
Acenei para ele e, com um aperto no coração, segui adiante.

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