Desejo Oculto

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ANGELIQUE

Depois que terminamos de almoçar, Brian se ofereceu para lavar a louça. Fiquei na cozinha rindo comigo mesma ao analisar um homem famoso como aquele lavando os talheres e os copos da minha casa.
-Como está sua agenda de shows? - perguntei, pegando um pano de prato para enxugar os copos.
-Hum... eu recebi algumas propostas que ainda estou analisando, mas tem uma delas que eu me interessei.
-Qual?
-Esse show vai ser um pouco longe, em Las Vegas. É um festival que dura três dias.
-Uau! Deve ser divertido! O pessoal vai tocar também?
-Não, essa proposta foi feita para mim em particular. - Ele respondeu, enxaguando uma espátula.
-E quando vai ser?
-Em duas semanas.
Conversamos mais um pouco e quando terminamos de arrumar tudo, Brian disse:
-Eu costumo comprar uns brinquedos para jogar para os fãs...
-É mesmo! Eu lembro de alguém ter comentado isso comigo! Tem uma lojinha nova que abriu perto do Píer de Santa Mônica. Você conhece?
Ele negou.
-Se você quiser, podemos ir lá para conhecer a loja e quem sabe até aproveitamos o parque! - eu disse, animada, lembrando da roda gigante.
Brian concordou e eu segurei o interfone.
-Oi, Frank! Poderia chamar um táxi para mim?
Frank era o porteiro do prédio e ficou olhando assustado para a figura do Brian quando saímos.
Em pouco tempo eu aproveitei a vista do píer, sentindo aquela brisa marítima de olhos fechados. Brian ficou me observando por um breve momento, mas desviou o olhar em seguida.
Andamos até uma rua que ficava próxima ao píer e que vendia todo tipo de coisa. Ele entrou, comprou algumas máscaras e depois entramos na loja que eu havia comentado, onde ele comprou brinquedos engraçados, incluindo galinhas de plástico que faziam um barulho ao serem apertadas.
-Deixe-me ajudar você. - eu disse, pegando algumas sacolas.
Antes que o pôr do sol começasse, entramos no parque e guardamos as coisas no guarda volume.
-A roda gigante!
Aquele frio na barriga começou a me dar uma sensação gostosa.
O vento soprava os nossos cabelos e aquela sensação de estar nas alturas me deixava feliz. O sol já estava se pondo e teríamos uma vista privilegiada!
Quando se inicia o pôr do sol, a roda gigante costuma parar de girar para que as pessoas possam admirar e tirar fotos daquele espetáculo.
A roda gigante parou e estávamos no ponto mais alto dela, observando juntos o sol se pondo.
Eu estava hipnotizada com aquela vista... O céu estava pintado de laranja com tons de rosa ao fundo e as nuvens pareciam algodão doce. Olhei para o Brian e os olhos dele encontraram os meus. Pude definir que a cor seria uma mistura de azul com verde, como um oceano... Ele desviou o olhar por timidez.
Eu já não fazia mais questão da presença do Alex. Fui me decepcionando com as coisas que ouvi dele e montando o quebra cabeça de cada saída que ele dava, de cada festa pós-show que fazia questão de permanecer até o final, de preservativos que eu encontrava nos bolsos das calças e das jaquetas de couro dele...
Eu não era tola e já sabia que estava sendo traída, o que para mim não era novidade. Não conheço um só músico que tenha honrado qualquer compromisso de namoro, noivado ou casamento.
Acho que a fama sobe até a cabeça deles, e envoltos em uma sensação de serem semideuses, acham que podem fazer qualquer coisa sem magoar uma pessoa.
Eles pensam que podem esconder suas sujeiras embaixo de um tapete, quando na verdade, a sujeira vem à tona mais cedo ou mais tarde.
Olhando aquele por do sol decidi terminar o meu relacionamento com o Alex, pois já estava saturada de tanta coisa que vinha se acumulando na nossa relação.
Observei as ondas do mar se movendo com tranquilidade... aquilo me trazia uma sensação de paz... longe do meu namorado e das mentiras que ele escondia de mim.
Pensei em tudo aquilo em silêncio, um tanto distraída. Respirei fundo e senti que eu deveria afastar aqueles pensamentos... Eu não poderia manchar a vista do pôr do sol com aqueles sentimentos.
Brian e eu não conversamos naquele momento, apenas apreciamos a vista e tentei guardar na memória aquela lembrança maravilhosa é única.

BRIAN

Comprei alguns presentes para os fãs de Las Vegas, já imaginando que eles ficariam eufóricos quando eu começasse a jogar no palco. Era algo que eu gostava de fazer também.
Quando a roda gigante começou a girar, me senti tão realizado... Estava tendo um dia divertido e tudo havia começado desde que eu fui até a casa dela.
Fiquei observando o seu sorriso ao ver o pôr do sol... seu rosto iluminado, seus olhos se fechando enquanto o vento soprava seus cabelos castanhos ondulados...
Em algum daqueles momentos ela fitou os meus olhos e desviei o olhar. Meu coração batia com tanta pressa que eu achava que ele ia parar.
Eu já estava começando a ficar com as mãos suadas e sentia uma montanha russa de sensações tomarem conta do meu corpo, ao mesmo tempo em que me sentia esquisito.
Ela gostava de mim pelo o que eu era, me admirava e não fazia questão de ver o meu rosto, mesmo que não houvesse nada de errado com ele. Acho que ela gostava do meu personagem, mas não sabia quem eu era de verdade, além do meu nome.
Parte de mim queria poder tirar aquela máscara e beija-la, mesmo que fosse um beijo um pouco desajeitado. Queria ter coragem de conquista-la, leva-la para a cama e transarmos até ela se cansar, exatamente como nos vídeos pornôs que eu assistia.
Eu vivia em uma dualidade, entre duas personalidades estranhas que eu mesmo construí.
Eu queria fazer as coisas nas quais eu tinha vontade, em termos sentimentais, mas ao mesmo tempo me reprimia... sentia medo de ser rejeitado. Sentia medo daquele sentimento que eu vivenciei aos 22 anos, quando minha ex-namorada terminou comigo.
Nunca me envolvi com outras pessoas por ter medo dessa sensação. Mas com a Angelique eu fantasiava uma coisa diferente. Ela foi se aproximando sorrateiramente de mim, como uma bruma do mar... ela fazia eu me sentir amado, importante, como se enxergasse além do que eu representava.
Eu sentia que ela tentava entrar no meu mundo, participar da minha vida e não ultrapassava as barreiras impostas por mim...
Enquanto Angelique admirava o cenário diante de nós, olhei discretamente para ela. Sua mente estava longe... exatamente como o mar diante de nós. Eu não queria interromper os pensamentos dela, mas também não sabia o que conversar.
Perto dela, eu desaprendia a conversar, a me expressar. Minhas mãos estavam bastante suadas, e um certo desconforto me preenchia por inteiro.
-Brian... - ela disse, com uma voz doce.
-Sim? - perguntei baixinho.
-Me dê suas mãos.
Eu fiz o que ela pediu e ao notar que as minhas mãos estavam suadas, ela sorriu sutilmente.
-Veja, o sol está se pondo.
Observei o sol desaparecendo no horizonte, enquanto sentia suas mãos quentes acariciarem as minhas.
A timidez se apoderava de mim, como se eu fosse adolescente outra vez... o meu coração pulsava forte e inquieto, ansiando por um abraço.
A roda gigante girou mais uma vez e então parou. Saímos e andamos pela praia de Santa Mônica.
-Estou ficando com fome. - ela disse, como se
estivesse pensando no que iria comer.
-Hum... pizza? - sugeri, sem mais ideias.
Indiquei uma pizzaria que eu conhecia. Haviam árvores enormes com cipós pendurados, uma iluminação rústica, mesas de madeira e algumas velas na mesa. Na parte interna, o ambiente era climatizado.
-Que lugar lindo! - ela disse, olhando ao redor, admirada.
Eu sabia que ela iria gostar daquele local, pois era bastante discreto e familiar.
Sentamos próximo à uma fonte com algumas carpas nadando tranquilamente e escolhemos uma pizza de pepperoni.
-Você vem bastante aqui? - ela me perguntou, olhando o local.
-De vez em quando.
Naquele momento Thomas e sua namorada Nancy entraram no local.
-Droga! Vamos ficar em uma mesa mais afastada, Nancy.
-O que houve!? - ela perguntou, olhando para ele.
-Em uma mesa ali da frente está o Bucket e a Angelique. - disse ele, apontando com o queixo.
-Vamos ficar nessa mesa daqui, assim poderemos observar os dois.
O casal até ficou ansioso só de pensar em ver o rosto do guitarrista.
-Será que ligo para o Jape? - ele se dirigiu a Nancy.
-Agora não. Vamos observar.
Na mesa em que eu estava com a Angelique, respondi:
-Filmes de terror, filmes de artes marciais, desenhos, histórias em quadrinhos, estátuas, miniaturas raras, guitarras e muito mais coisas.
Eu ocultei a parte sombria que tinha na minha casa, como uma coleção de DVDs repletos de pornografia, uma coleção de canivetes e esqueletos de animais no formol. Havia também um galinheiro pequeno que eu encomendei para me inspirar.
-Às vezes penso que não é preciso sairmos de nossas casas se estivermos rodeados das coisas que gostamos. – E sorriu para mim.
Continuei em silêncio tentando encontrar uma pergunta para fazer a ela, até que encontrei uma:
-Quer... quer ir comigo ao show em... Las Vegas? - perguntei timidamente e me acomodando na cadeira, como se ela tivesse diminuído por mágica.
Ela me pareceu surpresa, pois arregalou os olhos e hesitou um pouco.
-Bem, eu teria que saber a data e ver se iria conseguir folga no trabalho.
Na outra mesa:
-Ela arregalou os olhos, você viu!?
-Será que foi um pedido de casamento? - perguntou Thomas, rindo.
-Ora! É claro que não! Deve ter sido um pedido indecente talvez...
-Hum, a Stela está te convencendo dessa teoria?
-Seu bobo'
E o casal ficou refletindo em mil e uma hipóteses sobre aquilo.
Continuei:
-É daqui a duas semanas, no dia do Halloween.
-Eu te aviso, certo? Mas... Digo... eu posso anotar o seu número de telefone?
-Sim... eu... eu anoto para você. – peguei a caneta que ela estendeu para mim e anotei o número em um guardanapo.
Nossa pizza chegou e o cheiro estava maravilhoso! Enrolei a pizza e segurei com uma das mãos enquanto a outra levantava um pouco da máscara.
-Já estou olhando para o meu prato, juro! - ela disse, rindo sem olhar para mim.
Como ela estava sendo gentil demais e estava honrando com sua promessa, decidi que ela poderia me ver naquela situação.
-Pode olhar para mim. - Eu disse, dando um leve sorriso.
-Eu posso mesmo? - ela comemorou baixinho.
Thomas e Nancy não podiam acreditar no que estavam vendo.
-Eu não sei se fico aliviado ou não de saber que ele não é um ciborgue... - disse Thomas.
-São quase três anos que conheço esse homem e nunca vi isso! Ligue para o Jape e peça que ele venha rápido e com discrição!
-Achei que ele fosse tirar a máscara toda, Nancy. Só vimos o queixo do cara.
-E os lábios, né? Até que ele tem um sorriso bonito.
Thomas retirou o celular do bolso e ligou rapidamente para o Jape, que chegaria em dez minutos no local.
Eu me senti estranho e envergonhado ao vê-la me assistindo comer uma fatia de pizza, já me arrependendo de ter tomado aquela decisão.
-Não conheço o seu rosto por completo, mas você parece ser um cara bonito. - ela disse, desviando o olhar e um sorriso envergonhado surgiu em sua face.
Fiquei mais tímido com o comentário dela... senti o meu rosto esquentar, como se estivesse queimando.
Angelique segurou as minhas mãos e viu que estavam geladas. Eu não conseguia olhar de volta para ela, a não ser segurar suas mãos de volta.
-Não precisa se sentir tímido, está tudo bem.
-Ah... certo... desculpe.
Jape chegou no local na maior pressa possível e depois de avistar o casal, se aproximou sorrateiramente da mesa deles.
-Cadê? - perguntou ele, esbaforido, olhando pelo ambiente, até que seus olhos castanhos encontraram a nossa mesa.
-Puta merda! Eles estão de mãos dadas! - exclamou ele, me vendo subir a máscara para mastigar a pizza enquanto Angelique conversava e sorria para mim.
-É um caso? - ele perguntou, sem desviar os olhos de nós.
-Acho que não, cara. Ele está com a máscara. - disse Thomas.
-Gente, ela pode já ter visto ele sem máscara entre quatro paredes e agora ele está mantendo o personagem. - concluiu Nancy.
-Cara, eu estava hoje de tarde com o Alex e ele estava furioso com a Angelique, pois ele ligou várias vezes e ela não atendeu.
-Vou adivinhar: ele estava acompanhado. - Disse Nancy, revirando os olhos.
-Acho que ia se encontrar com alguém. - Continuou Jape.
-Não entendo! O cara tem namorada, mas sai por aí escondido e depois fica com ciúmes quando ela está com o Buckethead! - continuou Nancy.
-Mas isso é um problema deles, amor. Eles nunca sentaram para conversar sobre isso. E creio que talvez seja tarde demais quando isso aconteça...
-Ela está feliz, Jape. Olhe lá, a forma como ela está sorrindo pra ele. Ela gosta dele também.
Todos se entreolharam e Angelique e eu pedimos a nossa conta.
Eu a acompanhei até sua casa e nos despedimos com um abraço demorado.

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