Luxúria

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BRIAN

Acordei na hora do almoço e meus olhos procuraram aquela figura feminina que não estava mais ali. Senti um leve vazio dentro do peito, como se aquele espaço fosse exatamente do tamanho dela.
Permaneci deitado, pensando na noite anterior... Olhei exatamente para o lugar onde estávamos e as memórias passavam pela minha mente como um flash. Tudo era tão claro, nítido...
Era isso, eu estava apaixonado de novo... depois de anos de reclusão e solidão...
Puxei o travesseiro em que ela havia dormido, na esperança de captar o aroma dos seus cabelos e dar um pouco de paz para o meu espírito.
Mesmo me sentindo um pouco estranho, eu estava decidido a ter a companhia dela novamente.
Vesti-me apressadamente e fui até seu quarto, batendo na porta e me identificando. Ela estava um pouco apreensiva e pedi licença, entrando desajeitadamente no quarto.
Angelique me abraçou e me agradeceu por tudo o que eu havia feito. Também pediu desculpas por ter me incomodado e eu não conseguia pensar em nada, a não ser sentir suas mãos segurando a minha camisa para poder me beijar.
O nervosismo parecia uma corrente em volta da minha mente, impedindo-me de me expressar, mas, gaguejando, perguntei:
-Você pode... hum, você pode... dormir hoje de novo?
Angelique sorriu e assentiu. Fiquei pensando no quão vívida e fresca estava a cena do beijo na minha memória, que eu poderia estender a mão facilmente e pegá-la.
Educadamente eu a convidei para almoçar no meu quarto e ela aceitou. Afinal, no restaurante do hotel era mais provável que encontrássemos o resto do pessoal.
Ela me devolveu a camisa que havia usado na noite anterior e deixou sobre a cama.
Pedi que Angelique desse uma olhada no menu em cima da mesa e enquanto ela lia, tentei discretamente cheirar a camisa através da máscara.
O tecido estava espalhado na minha mão... O aroma dela estava ali, me relembrando a noite anterior, quando ela ficou na ponta dos pés para me beijar... pude sentir que ela estava ali, vulnerável a todos os meus desejos...
Sua voz interrompeu os meus pensamentos e senti-me culpado por estar fazendo aquilo, como se eu fosse algum psicopata obcecado. Porém, estranhamente o cheiro dela me acalmava...
Larguei a camisa na cama e escolhi o que iria pedir.
Solicitei os números do menu e fomos até a varanda do meu quarto, que parecia um pequeno terraço, com enormes vasos de plantas e uma vista para a cidade.
-Seu quarto é um paraíso! - ela disse, se esgueirando sobre o parapeito de vidro.
-Sempre me colocam em quartos arrumados demais, sendo que eu posso ficar em qualquer lugar.
-Você é sortudo!
Conversamos um pouco sobre a noite anterior e ela relembrou com tristeza o que havia passado nas mãos do Alex.
-Nunca pensei que ele fosse agir daquela forma... - seu tom de voz era triste.
-Mas também não quero ouvir nada que venha dele, quero que ele se afaste de mim para sempre!
Ouvi em silêncio tudo o que ela me contou e depois ouvi batidas na porta.
Estava se tornando natural eu fazer qualquer refeição na frente dela, levantando a máscara e revelando somente os lábios.
Depois do almoço, começamos a pensar em algo para fazer, até que o telefone tocou.
Era a equipe de produção, informando que em razão do sucesso no primeiro dia do evento, alguns músicos foram convidados para uma entrevista repentina.
Eu não gostava de entrevistas e já estava formulando uma recusa, quando me pediram apenas para tocar alguma coisa, como se fosse uma prévia do que eu iria fazer. Confirmei o horário e desliguei o telefone, me dirigindo até a mala para pegar uma camisa social.
-Bom... já que você vai se ocupar eu vou dar uma volta pela cidade.
Angelique se despediu de mim com um abraço caloroso e inclinou o pescoço para me olhar. Por dentro da máscara, dei um pequeno sorriso.

ANGELIQUE

Hora de procurar uma fantasia! Apesar de estar feliz por dar uma volta pela cidade, senti medo ao pensar que o Alex ainda poderia estar por ali, à espreita.
Apesar do medo significativo, pensei que eu não poderia deixar que aquilo me paralisasse... Não era certo contar sempre com o Brian, afinal, ele tinha as ocupações dele e não era sua obrigação me proteger.
Dirigi-me até o quarto do Jape e da Jenni para pedir companhia em um divertido passeio pela cidade. Jape abriu a porta enrolado em um lençol e eu cobri os meus olhos, rindo da situação.
Eles aceitaram a minha proposta e eu os esperei no saguão.
Thomas e Nancy passaram acenando e conversaram comigo. Contei que iria passear com o casal de amigos e eles se ofereceram para ir também.
Assim como eu esperava, eles perguntaram sobre o curativo e contei toda a história que já havia contado antes e eles também ficaram desapontados.
Aparentemente, o hotel havia abafado esse incidente para não ter que explicar a falha na segurança.
Jape e Jenni chegaram e todos fomos para a cidade.
Haviam lojas de todos os tipos, desde agulhas até venda de armas. Entramos em várias lojas de fantasias, que estavam bem movimentadas por conta do evento. Apesar de haver muitas opções, eu não sabia ao certo o que vestir.
Avistei no fundo da loja uma enorme capa vermelha. Era o meu tamanho, por sorte!
-Senhora, essa é a última. - disse uma funcionária.
Fui escolhendo peça por peça até montar o que, ao meu ver, seria a chapeuzinho vermelho. Encontrei um lindo corpete branco e uma saia curta preta com alguns babados.
As garotas também escolheram fantasias novas e os caras estavam de olho em uma loja de instrumentos musicais que ficava duas lojas após a nossa.
Nancy quis dar uma olhada em uma loja de maquiagens e passamos a tarde toda visitando lojas e buscando satisfazer os interesses individuais de cada um.
O tempo passou rápido e nem notei que o céu estava escurecendo e já era hora de voltarmos para o hotel.
-Eu quero pastel! - disse Jape, apontando para uma loja que ficava na subida do hotel.
Ao entrarmos, encontramos Aelden, Stela e Alex sentados em uma mesa.
Aelden acenou para nós e todos caminharam até lá. Eu fui a última a sentar na mesa e então um clima pesado se instalou no ar. Todos ficaram em silêncio e Aelden e Stela não estavam entendendo nada.
-Que é isso, gente? - ele perguntou, sem graça.
Thomas pigarreou e Jape disse:
-Esse pastel de guanchale com pimenta parece bom, não é?
-Ei, espera aí, tem alguma coisa errada! - disse Stela, olhando para mim e em seguida para o Alex.
-O que é esse curativo, Angelique?
Alex se levantou da mesa no mesmo momento em que eu me levantei. Um de nós teria que sair e eu preferia que fosse eu.
-Não foi nada sério, Stela. Eu preciso voltar.
-Não, já está na minha hora. - disse Alex.
Olhei para ele de relance e apenas saí do local com o estômago incômodo.
-Eu quero entender o que rolou... - resmungou Aelden, cruzando os braços.
Jape se levantou com o cardápio na mão e disse:
-O cara quase deu uma facada nela.
-Facada!? O esquisito fez isso? - questionou Stela, supondo ser Brian o autor.
-O esquisito Alex! - ele continuou, olhando decepcionado para o amigo.
-Você está exagerando, não foi facada coisa nenhuma. Angelique contou que foram arranhões. - disse Nancy.
Aelden e Stela olharam espantados para Alex, que permaneceu em pé olhando para eles.
O olhar dele havia se transformado. Não havia culpa, só frieza.
-Que merda você fez, cara? - perguntou Aelden, se levantando da mesa. Stela também se levantou e Jape e Jenni estavam no caixa fazendo o pedido.
Alex explicou brevemente o que havia acontecido e Aelden parecia estar em choque.
-Cara... eu te conheço há doze anos e você nunca fez nada desse tipo. O que é que tá acontecendo?
-Eu estou dizendo, aquele esquisito está atrapalhando tudo...
-Fica quieta aí, Stela! - ordenou Aelden, puxando Alex para um canto mais afastado.
Ela se levantou emburrada e foi fazer o pedido.
-Espera... não vai me dizer que isso foi por causa do Buckethead! - disse ele, olhando severamente para o amigo.
-Ele tirou a minha garota de mim! - continuou Alex, tentando justificar o ato.
Aelden respirou fundo, tentando manter a calma que evidentemente não tinha.
-Não tô acreditando nisso, Alex, sério. - Ele empurrou as madeixas loiras e lisas para trás, já se estressando.
-Vamos por partes. Primeiro: você tem ideia do quão negativo isso pode repercutir para a banda? E segundo: o cara não sai com nenhuma mulher, não deve nem saber como se transa, se é que ele não continua virgem até hoje e você tá achando que tá rolando alguma coisa?
Alex deu um breve sorriso por conta do comentário do amigo, mas respondeu um pouco sério:
-Eu sinto que está. Ela se afastou de mim.
-Olha só, você já pisou na bola várias vezes com ela. Você traía na maior cara de pau e nós é que ficávamos segurando a onda até você voltar das suas diversões. Além disso, guardava telefone de outras mulheres no seu bolso, saía com elas para lugares públicos, cara... Você queria o quê? Ninguém precisa ser um Sherlock Holmes para descobrir isso.
-Eu errei, mas eu quero ser perdoado!
-Cara, isso é uma decisão somente dela. E é evidente que ela não quer tocar nesse assunto agora.
-Ela terminou comigo ontem. – Continuou Alex, cabisbaixo.
Aelden se compadeceu um pouco e tocou no ombro do amigo, dizendo:
-Sei que é difícil, mas você vai superar isso. A vida tem que continuar, você precisa dar tempo para ela.
-Nesse tempo ela vai se apegar cada vez mais ao desgraçado... e ele ainda bateu com aquela maldita guitarra na minha cabeça! - ele disse, elevando a voz.
-Ei, ei, calma! Você precisa se distrair disso tudo que rolou e deixar o tempo definir as coisas. - Aelden estava sério, porém suas palavras eram sábias naquele momento.
Sem opção, Alex concordou e o amigo o puxou pelo braço para comerem um pastel e todos na mesa mudaram de assunto.
Voltei para o meu quarto e era quase 18h30. Resolvi me arrumar, pois o show começaria às 20h.
Fiquei pensando no que iria colocar dentro da cestinha da "Chapeuzinho Vermelho", enquanto meu estômago protestava, faminto.
Ouvi leves batidas na porta e abri cuidadosamente para olhar. Era o Brian, que já estava pronto, segurando a case da guitarra e uma mochila preta. Meu rosto se iluminou de alegria e sorri para ele.
Quando me viu, ele perguntou timidamente:
-Chapeuzinho vermelho?
-Sim! - respondi, mostrando a cesta para ele.
-Só não sei o que colocar aqui... eles não deixam entrar com comida no evento.
-Acho que sei o que colocar.
Saímos do meu quarto em direção ao dele e ele voltou de lá com uma marionete assustadora de cabelos brancos. Comecei a rir e achei uma ótima ideia!
Seguimos para o evento e ele me levou para uma ala próxima ao palco. Eu não deveria estar ali, pois era uma área restrita.
-Ela é minha convidada. – Ele disse para um dos assistentes.
Fiquei ali, na coxia, apreciando o show.
Buckethead estava usando uma calça preta, uma jaqueta amarela e um balde do KFC com o dizer "FUNERAL" escrito.
Sua performance enigmática no palco fazia todos os fãs, como sempre, gritarem.
Ele fez uma de suas danças robóticas com luvas de alienígena e tocou várias músicas com as bandas que se apresentaram. Além disso, várias fotos foram tiradas.
Olhei em volta e o parque de diversões continuava repleto de pessoas. Enquanto meu estômago incomodava, meus pensamentos me levaram até a maçã do amor com uma aranha de chocolate em cima.

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