O Toque Virtuoso

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ANGELIQUE

Naquela manhã, o Sr. Kevin analisou a minha ficha e percebeu que eu realmente precisava de férias.
Após o meu último dia de trabalho, Aelden e eu nos encontramos na mesma cafeteria para conversar sobre a viagem. Ele disse que o hotel ficava a 206 km de Claremont e que eu deveria aproveitar as minhas férias da melhor maneira.
-Bom, então encontraremos você nesse endereço. Não atrase.
Despedimo-nos e comecei a arrumar as minhas malas e me preparar para cinco dias de puro relaxamento.
Na madrugada seguinte, fui até o endereço combinado e todos os músicos estavam lá, incluindo a equipe de produção, os engenheiros de som e os técnicos de iluminação.
Brian estava entregando os seus pertences para quem fossem guardados no compartimento inferior do ônibus, enquanto as namoradas dos músicos estavam entrando e procurando seus lugares.
Subi as pequenas escadas daquele ônibus cinza, ainda envergonhada por estar ali sem nem mesmo fazer parte daquele mundo e procurei uma poltrona ao lado da janela.
Os músicos foram entrando e Stela logo se aproximou de mim.
-Oi, Angelique! Que bom que você veio! – ela disse, lançando um sorriso caloroso, o que me fez suspeitar momentaneamente dela.
-Oi, Stela.
-Bom, como você não namora com ninguém da banda, eu vou deixar algumas coisas ao seu lado.
Dei de ombros, enquanto ela saía animada para encher a cadeira ao meu lado com tranqueiras.
Brian subiu no ônibus levemente curvado por ser alto demais. Ele estava com uma camisa preta de manga comprimida e uma calça de moletom azul escura, além da esperada máscara.
-Oi... - ele me cumprimentou timidamente.
-Oi...
-O que... o que são essas coisas? – ele perguntou, baixinho.
-Não sei. Stela colocou essas coisas aqui.
Ele ficou parado, olhando para a cadeira com duas malas, um enorme chapéu de palha, um saco com uma boia em formato de rosquinha e um par de óculos.
Por fim, sentou em uma fileira ao lado da minha.
-Pode sentar ao meu lado... se quiser... – ele disse timidamente, tirando a case da guitarra do ombro.
Aceitei prontamente, sentindo dificuldades de sair da minha cadeira.
Brian guardou a guitarra em um local seguro.
-Quer sentar na janela? – ele perguntou, olhando para mim.
-Não precisa, obrigada. – sentei ao lado dele.
Conforme o ônibus atravessava aquela rodovia escura e pouca iluminada, senti sono e encostei a cabeça no ombro do Brian. Ele também dormiu e em certos trechos da viagem, alguns músicos se levantavam para pegar alguma coisa no fundo do ônibus.
Jape e Jenni também se levantaram, nos avistando.
-Você não acha que eles formam um ótimo casal? – ela perguntou, olhando para nós.
-Ei, querida, não fale isso. Se os outros ouvirem, teremos discussões.
Acordamos com a movimentação dentro do ônibus. Todos comentavam que já estávamos chegando e a euforia logo se instalou.
Ainda era cedo, próximo das 8h, motivo pelo qual poderíamos aproveitar o dia e a recepção para os hóspedes durante a noite.
Aelden se aproximou de mim com Stela, que não parecia contente ao me ver sentada ao lado do Brian.
-Venha, Angie, vou levar você até o seu quarto. – Ele disse, sorrindo, enquanto Stela permanecia séria.
Despedi-me do Brian e andamos por alguns corredores até uma porta de madeira no final do corredor.
-O seu é esse, Angelique. Lembre-se do que combinamos: só esteja por perto. – Aelden sorriu e piscou para mim.
Stela logo vinha atrás dele em passos apressados, como se estivesse captando uma conversa imprópria.
Quando entrei no quarto, fiquei maravilhada. Uau! Era enorme, decorado milimetricamente e com uma varanda minimalista. A vista era para um lindo lago que ficava ali próximo.
Meu corpo desejava dormir, mas eu estava tão ansiosa para aproveitar as minhas férias que resolvi andar um pouco pelo hotel, a fim de conhecer todo aquele local.
Abri a mala procurando um vestido amarelo claro com um lacinho preto de veludo que amarrava nas costas e uma bota marrom que eu havia trazido.
Saí do quarto em silêncio e após atravessar os corredores, passei pelo salão principal com enormes vitrais e pude ver os hóspedes tomando banho de piscina.
Aelden nadava animadamente e Stela estava em uma espreguiçadeira tomando um banho de sol com enormes óculos escuros e um enorme chapéu preto.
Na ala oeste, havia um lindo restaurante, com vista para o lago. No ala leste, uma imensa porta de vidro com vista para o jardim.
Caminhei ao redor do hotel e fui seguindo um caminho de terra até onde estavam os animais.
O espaço era enorme e fui observando todos os bichos: porcos, vacas, bois, pavões, gansos... todos tinham seus espaços livres, rodeados de cercas e locais cobertos.
Andei até o estábulo, observando os lindos cavalos robustos que ali estavam e também encontrei um galinheiro.
Os pintinhos estavam soltos e fiquei hipnotizada com seus tamanhos. Eram pequenos e corriam de um lado a outro, piando sem parar.
-Pode segurar um deles se quiser, senhora. - disse um funcionário, sorrindo para mim.
-Obrigada! - peguei cuidadosamente um dos pintinhos com as mãos e o admirei.
Um pouco mais adiante, observando a cena, estava Buckethead.
-Isso é ração? - perguntei ao funcionário.
-Sim! É feita à base de milho.
-Posso oferecer aos pintinhos? - abri um enorme sorriso.
-Pode sim, senhora. - Ele me entregou um dos baldes e peguei um pouco de ração. Brian se aproximou, levemente eufórico.
-Posso oferecer comida também? - ele perguntou, timidamente.
-Claro! - eu disse, sorrindo para ele.
Peguei delicadamente a ração com as mãos e fui alimentando os pintinhos, que andavam de um lado para outro, esperando por mais ração. Brian também os alimentou e depois que a ração acabou, andamos até um galinheiro.
Ele parecia estar em êxtase... amava galinheiros e ver um daquele tamanho, bastante organizado, o deixava muito animado, como se estivesse naquele parque de diversões em Las Vegas.
Brian relembrou do quanto gostava de galinhas e ficamos um bom tempo conversando e colhendo alguns ovos com a ajuda daquele funcionário.
Em seguida, andamos por uma pequena trilha até chegarmos em um milharal.
-Vou pegar uns milhos! - ele exclamou, entrando na plantação.
Um vento soprou a minha nuca e olhei para o céu, percebendo que já estávamos no final da tarde. Resolvi que também queria um milho e como não sabia escolher pela espiga, entrei no milharal procurando pelo Brian. Chamei por seu nome, mas sua voz parecia distante.
Adentrei aquele milharal, percorrendo os enormes corredores de terra e não notava sua figura, o que me deixou um pouco apreensiva.
Ouvi um barulho como se algo estivesse se aproximando de mim e tive medo de ser um animal. Continuei correndo e pensei estar sendo perseguida. Quando olhei para trás, meu corpo se chocou com um espantalho horrendo e ao ver o um crânio no lugar de uma cabeça de abóbora, gritei.
Algo se moveu naquela plantação e logo Brian apareceu, rápido como uma bala de revólver.
-O que aconteceu!? - ele perguntou com a voz assustada.
Apontei para o espantalho, ainda em choque, pois, ao meu ver, era bastante realista.
O vento soprou novamente e então sentimos um cheiro de coisa podre.
Ele olhou na direção em que o vento soprava e apenas disse:
-Vamos voltar.
Entramos no hotel e me despedi dele, entrando no quarto.

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