O Término

69 5 4
                                    

ANGELIQUE

Aquele corredor parecia ser maior do que eu me lembrava... Ou talvez os meus olhos estivessem embaçados o suficiente para que eu enxergasse mal.
Segurei no trinco da porta, ainda tentando controlar a respiração acelerada por ter andado apressadamente em um pico de ansiedade.
O meu coração batia descompassadamente dentro do peito, como se fosse parar a qualquer momento.
Apesar da dor ser puramente psicológica, era tão real que se eu não tivesse me consultado com um dos melhores cardiologistas do país, duvidaria facilmente.
A minha relação secreta com o Brian já alcançava sete ou oito meses e me doía pensar que ele não acreditava no amor que eu sentia por ele. Bastava algum comentário malicioso para deletar de sua mente todas as nossas carícias.
Na manhã seguinte, despertei com o canto dos pássaros. Embora a janela estivesse fechada e o quarto escuro, eu precisava comer alguma coisa.
Apanhei uma calça jeans, uma blusa branca e um par de botas cor caramelo, vestindo-me com pressa e me dirigindo ao saguão principal.
O hotel estava aparentemente deserto, o que me fez pensar que talvez a bebedeira da noite anterior tivesse surtido longos efeitos.
Andei por volta da enorme mesa de pães no café da manhã, tentando ser rápida na escolha do desjejum para permanecer no meu quarto.
Sentei na mesa com vista para o lago, observando as águas escuras e turvas por conta do clima nublado. Ao longe, pequenas garças se reuniam ao redor do lago para procurarem algum alimento.
Eu não era diferente delas... também estava procurando me alimentar e esquecer de tudo o que me machucava, até que uma mão gelada tocou o meu ombro.
Levemente assustada, virei. Era o Aelden, com óculos escuros e um ar cansado.
-Oi, Angie.
-Oi, Aelden. Não sabia que você acordava tão cedo.
-Você sabe como eu fico em dia de gravações... Acabo nem fechando os olhos de noite.
-Isso faz mal para a pele, você sabia? – perguntei, sorrindo.
-Sim – ele sorriu – Eu deveria pensar nisso mais vezes.
Tomei um gole de café enquanto ele olhava para mim.
-Sabe, Angie, eu não sou um cara ruim. Não quero que você pense que eu armei o lance da porta ontem. Aquilo não fui eu.
Respirei fundo. Ele realmente não era um cara ruim, apenas era vaidoso demais e se preocupava com a banda.
-Tudo bem, eu sei disso. – Respondi, tentando sentir um pouco de compaixão.
-Outra coisa... Hoje é o dia do nosso clipe, e você sabe o quanto o seu apoio é importante para o Alex.
Respirei fundo, ainda observando os pães no prato.
-Será que você poderia... ficar perto dele ao menos? – ele me perguntou, inclinando o rosto para observar a minha expressão facial.
Algumas lágrimas escaparam do canto dos meus olhos. Talvez aquele fosse o meu destino: estar ligada ao Alex. Talvez o melhor fosse ficar afastada do Brian.
-Eu posso. – Respondi, tentando não recuar no pensamento.
-Ótimo, querida. Em poucas horas todos estarão aqui. Você ainda pode descansar.
-Obrigada. – Respondi, engolindo com dificuldade o pedaço de pão.
Aelden se dirigiu para fora do ambiente em que eu estava, desaparecendo através das enormes portas de vidro do hotel.
Tentei terminar o café da manhã o mais rápido possível, dirigindo-me para o enorme jardim na beira do lago.
Os patos nadavam próximo à beira do lago, o que me trouxe uma sensação momentânea de paz.
Apoiei uma das mãos nas árvores, enquanto observava aquela paisagem hipnotizante. O cenário parecia se mover lentamente, como se eu estivesse em um carrossel, ainda remoendo a rejeição dentro de mim.
Senti dedos encostarem nos meus, e ao virar, notei a figura do Brian próxima a mim.
Ele tinha o dom de aparecer diante de mim como se fosse uma figura fantasmagórica, sempre em silêncio, de forma sorrateira.
Trocamos olhares por poucos segundos e aquela sensação de estar sendo capturada por seus olhos azuis me fazia esquecer qualquer sentimento impuro.
-Eu... eu não posso continuar... com isso. – ele disse, proferindo aquelas palavras pausadamente.
Senti uma pontada de dor no peito. Era um adeus? Senti as lágrimas se formarem diante dos meus olhos, enquanto eu desejava que elas não rolassem pelo meu rosto.
Tentei manter uma postura coerente com a pessoa que eu achava que era: forte.
-É um adeus? – perguntei, sentindo o coração palpitar.
Brian assentiu.
-Eu sempre soube que não fazia parte do seu mundo...
Mais uma vez Brian assentiu.
As lágrimas caiam copiosamente pelo meu rosto, e temendo assumir um papel de uma pessoa digna de pena, rejeitada por um homem que nunca foi o meu namorado, resolvi voltar para o meu quarto.
Abafei os gritos no travesseiro, que logo ficou encharcado.
A dor do término era lancinante... A sensação de que eu não era mais que um fardo me tomava por inteira. O que eu era então? Uma mulher qualquer que se deitava com um guitarrista famoso?
Senti-me impura, ao ter me entregado de corpo e alma a alguém que eu amava... E mais lágrimas corriam pelo meu rosto em pensar na humilhação de estar presa em um local que não era o meu mundo, a quilômetros de Claremont, sem possibilidade alguma de voltar para casa.
Não havia espaço para mim no meio daquela gente...
E enquanto eu remoía toda a minha dor, o barulho fora do quarto se tornava maior. Carrinhos contendo roupas para os músicos eram deslocados por todo o corredor, além de equipamentos e instrumentos musicais.
A passagem de som seria em breve, o que significaria que a gravação seria logo em seguida.
Ouvi batidas na porta, e ainda relutante em abrir, consegui dizer, com a voz embargada:
-Vá embora.
As batidas se tornaram mais rápidas e quando abri a porta, senti os braços do Aelden me envolverem.
As lágrimas escaparam novamente, libertando uma torrente de dor e ansiedade do meu peito.
-Eu... eu vou arruinar sua roupa... com essas lágrimas! – eu disse, tentando me afastar dele.
Aelden me puxou mais para perto, em um abraço caloroso.
-Não vai. Sou sempre o último a me arrumar e a me maquiar, lembra?
Permiti que minha tristeza o alcançasse, embora sua figura permanecesse intacta, acariciando as minhas costas.
-Eu já sei, querida... Eu sei... – ele dizia, enquanto me abraçava com força.
-Eu sabia que algo não estava certo. Bucket estava sentado no jardim com um pato de penas cinzas no colo, balbuciando coisas que eu não entendia.
O que eu sentia era forte demais, intenso demais... Era como se o chão estivesse ruindo sob os meus pés e eu não fosse capaz de pisar em lugar algum.
-Não chore. Depois da gravação oficial você irá para a sua casa.
-Como? – perguntei, enxugando as lágrimas.
-Acabei de me informar. Duas funcionárias do hotel irão passar por Claremont.
Senti um alívio na alma, embora evitasse pensar em todos os detalhes.
-Arrume suas coisas, querida. Não posso deixar que você fique aqui chorando. Afinal, você veio por minha causa.
Assenti, tentando me recompor.
Aelden me soltou, sorrindo levemente.
-Agora eu sei porque dois amigos meus se apaixonaram por você. Você é única.
-Obrigada... – baixei a cabeça, tentando não fita-lo.
-Esteja no palco em vinte minutos, está bem?
Assenti.
Ele sorriu mais uma vez antes de desaparecer pela porta.
Concentrei todos os meus esforços para encarar aquele desafio: estar presente na gravação do clipe sem derramar uma lágrima.
Arrumei todas as minhas coisas e abri a porta do quarto, observando o caos e toda a correria da equipe de filmagem.
Passei discretamente pelo corredor, tentando não ser vista por ninguém. Muito menos que olhassem para os meus olhos inchados de tanto chorar.
Do lado de fora do hotel, ao sul, uma enorme estrutura metálica estava formada. Os músicos estavam em cima do palco, reunindo todos aqueles cabos e conectando nos instrumentos.
Os assistentes de som estavam próximos, dando instruções a eles.
Enquanto isso, tentei me aproximar discretamente ao que considerei uma distância segura entre o palco e mim. Ou melhor, uma distância segura entre Brian e eu.
Observei mais a fundo todo o cenário que se formava diante de mim: um mundo no qual eu não poderia fazer parte jamais.
Eu, uma simples arquiteta que trabalhava no centro de Claremont jamais teria conexão alguma com o mundo da música se não tivesse namorado um guitarrista conhecido.
Uma sequência de acordes ressoou no palco, o que me fez olhar instantaneamente para o Brian. Nossos olhos se cruzaram rapidamente e de onde eu estava, desviei o olhar.
Apesar de distante do palco, eu sentia como se estivesse próxima, consumida pelo frenesi que só a música dele poderia me causar.
Senti o espírito fraquejar, como se eu fosse chorar novamente e liberar toda a dor que havia em mim. Porém, mordi a língua, na esperança de que uma dor física afastasse a dor que não cabia dentro do peito.
Outra sequência das notas da guitarra ressoou, provando que estavam em conforme com o baixo e as batidas vindas da bateria.
Logo em seguida, Stela, Jenny e Nancy entraram no meu campo de visão. Temendo ser abordada por qualquer uma delas, recuei um pouco, ficando próxima a um dos engenheiros de som.
As baquetas anunciaram o começo da música, e todos os instrumentos estavam em sintonia. Os hóspedes do hotel se aproximavam do palco, enquanto Aelden liberava toda a energia que só um vocalista animado teria.
Um riff de base trazido pelo baixo elevava a guitarra do Buckethead, que parecia ter vida própria no palco.
O som hipnotizava a todos, enquanto Alex o acompanhava em um dueto que simulava uma pequena briga entre notas e mais notas.
A maestria com que o Buckethead alcançava notas espaçadas me fazia lembrar o quão talentoso ele realmente era com as mãos... A pressão que suas mãos faziam sob o meu corpo, tomando-me totalmente para si, de forma sedenta, desenfreada...
"Vou estar fora daqui em pouco tempo", pensei, tentando dissipar os pensamentos saudosos e a sensação de que eu estava com nó preso na garganta.
Em poucos minutos, o engenheiro de som ajustou alguns equipamentos para que o som saísse em melhor qualidade, enquanto dava instruções para que os músicos pudessem aproveitar os instrumentos ao máximo.
Brian se aproximou da extremidade do palco, olhando para o engenheiro, que explicava como as coisas deveriam ser feitas.
Mais uma vez, Brian olhou na minha direção, o que me fez olhar para baixo. Eu estava envergonhada de estar ali entre eles, o que me fez pensar que eu poderia ser uma hóspede como qualquer um daqueles que estavam ali, apreciando a música.
A gravação começaria em seguida, e o tempo nublado parecia estar a favor da banda. O cinegrafista se aproximou e a fumaça de gelo seco logo se dissipou pelo palco, tornando-o mais macabro.
O diretor autorizou a gravação e os músicos começaram a desempenhar sua obra prima. Aelden se lançava sob o microfone com paixão, enquanto os outros músicos permaneciam escondidos na sombra, em conjunto com as luzes vermelhas.
A primeira guitarra estava em conformidade com o baixo, até que Brian apareceu no meio da fumaça em meio às cores que se alternavam entre vermelho, cinza e roxo, criando uma atmosfera diferente.
Meu coração permanecia em batidas erráticas, fazendo-me sentir uma fã ansiosa, como se eu estivesse assistindo um show pela primeira vez.
Mais algumas tomadas foram reproduzidas, o som ajustado e quando tive a certeza de que iria ter uma crise de choro, me afastei daquele local.
Já era hora de pegar as minhas coisas e deixar aquele hotel. E, junto com ele, todas as lembranças que agora faziam parte do passado.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 05, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

O GUITARRISTA Onde histórias criam vida. Descubra agora