Macária

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Finalzinho da tarde, parece que vai chover. Fernanda chora, com estilhaços de vidro na sua perna. Fernanda deixou seu café cair. Será que nem beber um café ela consegue? Haveria algo que ela poderia fazer direito, sem falhar, sem estragar tudo? Ela se ajoelha no próprio vidro. Dói, os cacos de vidro fincam em sua pele, ao mesmo tempo que a pele se irrita com o calor do café, que tinha acabado de ser coado. O sangue começa a se espalhar pelo chão, misturando-se com o café. Agora, isso já não faz diferença alguma.

De que adianta tentar, se o fim é sempre o mesmo? "Você não conseguiu, sinto muito. Não desanime!" Não desanime? Não desanime?! Nada mais motivador do que ser sempre uma perdedora nessa corrida dos ratos imposta pelo estado das coisas. Não importa o quanto você se esforce, você cairá da mesma forma, e continuará caindo. Você perde o seu tempo, se esforça, e nada é o suficiente, para ninguém. Não sou o suficiente para os outros, não sou o suficiente para mim mesma. A única parte que pode ser boa na vida é a infância que, a depender dos pais, pode ser um paraíso, um país das maravilhas que maquia a realidade e nos protege do pior que está lá fora, esperando que cresçamos para destruir nossos sonhos e fazer com que vivamos uma vidinha medíocre, terrível, desgostosa. Estou cansada. Cansada.

Uma pena. A vida não é como ela tinha imaginado, não era aquele mar de rosas que haviam contado. Mentiram para ela, inúmeras e inúmeras vezes. Fernanda não sabe o que fazer. O conto de fadas ficou para trás. O que ela pode fazer além de aceitar a vida como ela é?

Para aqueles que não temem a morte, há uma solução. À noite, Fernanda clamaria por ela.

Aquela que todos clamam, mesmo que de forma inconsciente. Distante dos moribundos em agonia, a deusa abraça poucos. São poucos os privilegiados que têm o prazer de morrer em seus braços. São aqueles que morrem durante o sono ou que estão em paz com a morte. Fernanda faria as duas coisas, morreria durante o sono e se sente em paz abandonando esse pequeno e medíocre mundo nada fantástico, nada impressionante. Ordinário!

"Macária, anjo da escuridão, rogo-lhe para que eu seja digna de ser recebida em teus braços."

E pôs-se a dormir para sempre, a Bela Adormecida.

Desalinhos e TormentosOnde histórias criam vida. Descubra agora