Inferno dos Colonizados

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Mais um dia qualquer no verão carioca. Centro, as ruas cheias, os transeuntes atrasados, o asfalto queimando as patas dos cachorros e os pés daqueles que os calçados foram negados. Desumanizados, seus corpos não passam de estátuas de bronze e ônix enfeitando a cidade.

Faz calor, mais de 38 graus. Todo dia, a sensação é a da mais pura morte. O estado do ser humano é o de banho constante, com suas roupas caras encharcadas de suor. São ternos, camisas sociais de manga comprida, calças, meias longas, saltos altos, saias apertadas. O ser humano corporativo que atravessa pelo Castelo é um ser humano que com toda a certeza não queria estar ali, evaporando, derretendo. Era mais um dia comum na sauna maravilhosa

Na praça XV, milhares de pessoas vão aos seus trabalhos. Após sair das Barcas vindo de Araribóia, um senhor, que aparenta ter já seus 60 anos, para. A princípio, ninguém o percebe, pois todos estão ocupados indo para seus trabalhos, e apenas desviam. Então, o senhor começa a tirar seu paletó. Por enquanto, tudo normal. O senhor desabotoa a camisa. Olhares já são mais frequentes. O senhor está prestes a arrancar as calças. Todos saem de seus modos automatizados e param.

Eu simplesmente não aguento mais essa porra! A gente vive no Rio de Janeiro, caralho, não em Paris, disse. O Pijânio era uma ideia a frente de seu tempo!

Ninguém se move, todos estão paralisados. Mas também, ninguém procura repreendê-lo, acusa-lo de atentado ao pudor, ou de qualquer coisa do tipo. Aquilo era a visão de um ato político, um ato político contra uma estética que sufoca, afoga.

Eu acho que você tem toda a razão, disse uma mulher, e também tirou suas roupas, mantendo apenas as vestimentas intimas, tal como o senhor.

A praça XV, em pouco mais de 5 minutos, ficou toda coberta de ternos, camisas sociais de manga comprida e calças. As pessoas riem, se sentem mais aliviadas. Com muito calor, ainda, mas pelo menos livres de amarras sem sentido. Algumas, contudo, continuam com algumas de suas peças, mas para fazer sombra frente ao sol, que poderia queimar peles expostas. O Rio está em festa, a alegria nunca foi maior.

Com novos calçados de tecido italiano vindos diretamente de Milão e deixados para as moscas na praça XV, as estátuas e os cachorros agora protegem seus pés.

Desalinhos e TormentosOnde histórias criam vida. Descubra agora