6. Incertezas

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 - Por que ainda está parado aí? Você disse que queria ajudar, então ajude! - disse Hilda irritada

- Mas o que eu fiz que deu tanta raiva assim? - Rogério perguntou confuso

- Você fica aí me encarando como se eu fosse uma espécie rara... - respondeu emburrada

- É que eu nunca tinha visto uma fada antes, é tão... exótico! - exclamou com admiração

- Eu também nunca tinha visto um humano e não lhe olho estranho o tempo todo. - disse séria

- Tudo bem, desculpe.

Alguns dias passaram desde seu último encontro e os dois estavam patrulhando a área em busca de possíveis exploradores procurando magia, mas não haviam encontrado nada ainda. Era um trabalho meio cansativo, que exigia muita atenção e, por sorte, pouca ação naquele momento específico.

Hilda estava extremamente ansiosa com a situação inteira. Talvez ela quisesse que aparecesse algum explorador, afinal se precisasse enfrentar alguém, deixaria de lado a consciência sobre seu acompanhante. Ela andava nervosa de um canto a outro, como se estivesse observando toda a área, mas, na verdade, era apenas uma tentativa falha de se acalmar.

A fada sabia que tinha feito algo perigosíssimo quando aceitou a parceria com uma pessoa e ela temia ser atacada pelo acompanhante de alguma forma em algum momento. Nenhum deles era confiável enquanto seu povo fosse uma posse aos seus olhos. Ser chamada de exótica só demonstrava o quanto eram vistas de forma diferente.

Rogério também estava um pouco inquieto. Ele não sabia muito bem o que fazer, então estava observando tudo com seus olhos de lince. Percebia o quanto ela parecia desconfortável com tudo aquilo e ficou curioso em saber o que se passava em sua mente para ter uma atitude mais bem embasada.

O homem queria agradar aquela que tanto chamou atenção, mas naquele dia ela parecia energia pura de tão rápidos que seus movimentos eram. Seja lá o que estivesse procurando, ela parecia ter certeza de que existia e já estava ali.

Finalmente, aquela tensão foi quebrada com um farfalhar de folhas. Sem hesitar, num movimento tão veloz e certeiro que o homem mal conseguiu acompanhar com os olhos, a fada já estava posicionada na direção de onde o som vinha com a faca na mão. Porém, era apenas um animalzinho que fugiu assustado.

Notando que aquela inquietude de Hilda estava começando a afetá-la, Rogério finalmente decidiu tomar uma atitude. Vê-la tão agitada afetava seu interior que estava extremamente angustiado àquela altura. Hesitante, mas cheio de vontade, o humano foi em direção a policial para tentar acalmá-la. Tentou tocar-lhe o ombro de maneira acolhedora, entretanto a ideia foi péssima, pois acabou recebendo uma ameaça de faca na tentativa de se aproximar. O que será que estava irritando-a tanto?

- O que aconteceu para que você esteja assim tão nervosa? - perguntou tentando soar firme, porém não obteve resposta

Ignorando toda a antipatia transmitida pela fada, ele tornou a tentar aproximar-se. Dessa vez, ele percebeu que a faca fraquejou na mão de Hilda e ela suspirou. Por um momento, ela sentiu finalmente a calma invadindo e seu corpo entorpecendo.

- Relaxe, não há ameaças a vista... - ele disse sorrindo

- Existe você. - seus olhos exalavam preocupação

- Então é assim que você me vê? Como uma ameaça? - seu tom era tristonho

- E como você queria ser visto por mim? - ela disse como se fosse óbvio

Rogério deu um sorriso de esperto ao ouvir aquelas palavras, porém por dentro sentiu seu chão desabar. Era óbvio que ela sempre desconfiaria de seu povo, não só ela, como todas as fadas. Mas quanto a Hilda especificamente ele fazia questão de ser visto com mais confiança.

- E o que eu poderia fazer para mudar essa visão? - ele perguntou em um sussurro

- Não existe fórmula para essas coisas. - ela disse com firmeza e se afastou novamente, sentindo a calma de antes indo embora

- E você não acha que as coisas não feitas já servem para algo?

- As coisas não feitas? - ela estranhou – Bem, considerando que você realmente não fez nada até agora acho que até entendo essa argumentação...

- Como assim? Eu não fiz várias coisas... Eu não denunciei vocês e também não peguei magia para mim. - disse indignado

- Isso quem diz é você. - foi seca

- Olhe nos meus olhos e tente capturar uma mentira. - pediu sincero

E assim Hilda fez. Encarou o rosto do homem procurando sinais de ameaça, mas tudo o que viu foi vida. Por isso, ela resolveu tirar essa história a limpo e, por fim, limpar as suas dúvidas se era a idiota do século ou uma visionária que iniciaria uma grande revolução.

Ela virou as costas para a pessoa com quem conversava e sentou-se no chão. Pegou sua faca e seu mosquete e atirou longe sem olhar onde caiu e, discretamente, pegou uma pedra de tamanho médio que estava a sua frente. Respirou fundo antes de proclamar a manobra arriscada que estava prestes a fazer e, sentindo a tensão misturada ao medo correndo em suas veias, disse com a voz mais frágil que pôde encarnar:

- Mostre sua verdadeira intenção.

Compreendendo a solenidade daquele momento, o homem foi em direção a ela com passos hesitantes. Percorreu sua mente tudo que ele poderia fazer naquele momento e começou a filtrar todas as coisas que parecessem falsas. Ela evidentemente esperava um ataque, e por isso a melhor alternativa seria uma mensagem de paz. O que poderia simbolizar tal vontade?

A demora para alguma ação vinda da parte de seu interlocutor acontecer fez a fada endurecer de medo. No começo estava pronta para se defender, mas agora esperava um ataque calculado de tal maneira que uma pedra talvez não possuísse poder para defendê-la. Sabendo que não estava ali para brincadeira e que sua vida valia a de toda a população de fadas, ela se virou pronta para oficializar aquele humano como um inimigo.

Vendo o vulto dele se aproximando, ela rapidamente bateu com a pedra em sua cabeça com força o bastante para que desmaiasse, entretanto não o suficiente para matar. Observando o corpo estatelado no chão, viu em sua mão uma bela margarida retirada sabe-se lá de onde pois ela não reparou em flores onde estavam. Ela até tentaria procurar a origem dela, porém o nervosismo estava tão alto que não conseguiria achar de todo modo.

Se antes buscava desesperadamente uma invasão que a motivasse a lutar para defender Aline e esquecer do aliado questionável que arrumara, naquele momento ela desejava que ninguém aparecesse por sentir-se tão perdida a ponto de ser capaz de perder um embate em potencial.

Por um tempo, tentou gastar a energia que o desespero de uma ação impulsiva trouxe se pendurando em árvores feito uma macaca. Todavia, nada parecia funcionar e acalmá-la, sentia que fazia todo aquele exercício há horas e não conseguia compreender como ainda não estava cansada. A verdade era que provavelmente não tinha passado tanto tempo assim.

Hilda quase caiu no instante em que ouviu um murmuro vindo do corpo inerte de Rogério. Desceu rapidamente da árvore onde estava trepando e praticamente se jogou em cima do corpo dele de tão perto que ficou. O medo e culpa se misturavam em sua mente, medo de ter machucado gravemente aquela pessoa e desespero pelo mesmo motivo. Quando finalmente viu os olhos dele abrindo, o sorriso de alívio e alegria em sua face foi enorme.

Já o humano não entendia muito bem o que estava acontecendo, a última coisa que se lembrava era de estar indo em direção à fada com uma margarida na mão. Considerando a expressão estampada no rosto de sua observadora, ele desistiu logo de tentar deduzir alguma coisa porque de repente soube qual era a melhor maneira de mostrar sua verdadeira motivação e finalmente ganhar a confiança dela, ou assim ele esperava.

Em um rápido movimento, sem pensar muito, ele aproximou seu rosto da fada e beijou-a.

Era uma sensação estranha duas coisas pintadas para serem tão diferentes juntas como se fossem uma só. Talvez esse ato fosse mesmo visionário, ou talvez acabasse gerando uma grande aberração nada natural. Nenhum dos dois sabia qual das teorias prevaleceria no final, porém agora eles pareciam estar mais confiantes de que valia a pena ir em frente e tentar descobrir.

A grande fuga de CinderellaOnde histórias criam vida. Descubra agora