O aniversário de 21 anos do príncipe Pedro foi uma grande comemoração, assim como foi para todos seus antepassados. De acordo com as leis locais, ele alcançaria a maioridade nessa faixa etária e finalmente poderia assumir seu posto. Porém, era necessário que o herdeiro fosse casado. Do contrário, precisaria esperar a morte dos pais.
Caso ele fosse ambicioso e só pensasse em ser rei logo, provavelmente já teria arranjado qualquer um para juntar-se a ele em matrimônio. Entretanto, a pressa era mais de seu progenitor do que dele próprio. Afinal, a rainha já havia partido há um ano e o chefe de Estado sentia-se muito doente, prevendo que logo juntar-se-ia a ela.
Se Guilherme falecesse antes que Pedro possuísse algum conjugue, a linha de sucessão ficaria muito instável, visto que depois dele viria a irmã Emília, de 6 anos. Devido a isso, era necessária a existência de algum companheiro para ser governante consorte e assumir o trono da hipótese de algo acabar mal.
Com intenção de apressar uma união de seu filho com alguma pessoa, fosse quem fosse, sempre que podia convidava jovens de todo o reino para hospedarem-se no castelo durante um período. Para os cidadãos, a vida de nobre por um dia era fantástica, já para Pedro, irritante.
A verdade era que nenhum daqueles habitantes agradava o rapaz, não que fossem inconvenientes ou algo do gênero, mas porque seu coração já era preenchido por alguém. O príncipe possuía certa noção disso, apenas não sabia que a amplitude era muito maior.
Ele só tinha uma forma de contato com aquela que o encantou: o sapato perdido em sua fuga. O homem pensava que a troca fora muito injusta, já que ele contava com apenas um pé para lembrar-se dela enquanto aquela que conheceu poderia estar com o ratinho de madeira e o diário de Mário Firmino.
Talvez pela pressão do pai para que o filho casasse antes de sua morte, Pedro começou a dar sinais de pensar em Ella com uma frequência infinitamente maior do que antes. O aumento foi tão exponencial, que a única pessoa que parecia não perceber era a ainda criança, princesa Emília.
Animado pensando que seu plano funcionara, o rei Guilherme indagou qual dos convidados agradara o jovem nobre para então celebrar a união antes do fim de seus dias. A resposta que recebeu não poderia ser mais decepcionante, já que o monarca esperava que fosse alguém alcançável ao menos.
- Eu era muito mais novo na época, foi no nascimento da Emília... Só que depois ninguém nunca chamou minha atenção como ela. Não a conheço bem, apenas sei seu nome e rosto, porém sinto que conheço a sua alma. - falou sonhador
"Então existe mesmo alguém... Uma mulher." pensou o rei surpreso
O mais velho observou o movimento instintivo até uma gaveta localizada no quarto do príncipe, onde o próprio pegou um sapato. O ato deixou o governante curioso quanto ao significado do calçado e a relação com a pessoa misteriosa que encantou Pedro. Era realmente um modelo formal muito encantador, encantador até demais, talvez fosse até encantado!
- Meu filho, - começou Guilherme, temendo a resposta do mais novo – esse sapato aí é o que? É da moça que lhe atraiu?
- Sim, pai. É tudo que restou como prova de que verdadeiramente aconteceu. - ele contou tristonho – Quando se aproximou de meia-noite, simplesmente fugiu de mim, como se tivesse algo a esconder. - era claro o quanto a constatação o magoou, já que o príncipe revelou-a seu maior segredo
- E você pretende fazer o que com esse pé? Provar em todas as pessoas até descobrir em quem serve? Isso é ridículo! O pé dessa moça já cresceu com certeza. - disse Guilherme revoltado com a tolice do filho
Ao contrário do que o rei esperava, o jovem não protestou e apenas assentiu desesperançoso. Enquanto o príncipe dirigia-se até a gaveta para guardar a última lembrança de sua amada Ella, seu pai finalmente teve suas suspeitas confirmadas. Foi difícil de acreditar devido às lendas que corriam no reino, porém não era ingênuo a ponto de acreditar totalmente em boatos.
- Espera, talvez esse sapato ainda caiba nela! - disse ainda em êxtase pela descoberta – Você é cego para não ver que isso foi feito com magia?! - a raiva já começa a tomar o espaço da empolgação – De todas as pessoas que foram àquele baile, tinha que se interessar logo por uma feiticeira?! - o monarca já andava pelo cômodo desesperado – Todo mundo sabe que essa gente não é confiável. Ela pode ser qualquer coisa, esqueça tudo o que lembra! Uma criança ou um idoso, um homem ou uma mulher, pode nem ser feita de carne! Será que os seus sentimentos foram reais ou um truque? Por que a sua irmã não nasceu primeiro? Aposto que ela não me daria esse desgosto...
Ver o quanto sua escolha decepcionava o pai, magoou imensamente Pedro. E, sem pensar, estava prestes a defender o caráter da moça encontrada no baile. Um segundo antes de verbalizar suas frustrações, percebeu que essa defesa não fazia o menor sentido e ele deveria importar-se mesmo era com sua família. Afinal, as intenções da feiticeira eram desconhecidas. Talvez ele estivesse dopado com magia realmente.
- Então devo desistir dela, certo? - sua expressão era dor pura – Quem é o visitante desta noite, pai? - perguntou e abriu um sorriso claramente forçado
Seja por ter comovido-se com a tristeza daquele que era carne de sua carne e sangue de seu sangue, seja estar sedento por magia há décadas desde que perdeu a batalha para o fantasma das fadas da primeira tropa, que naquele momento ele teve certeza não possuir nada de fantasmagórico, Guilherme anunciou ao filho:
- Claro que não! - o rei sorria, na tentativa de consolá-lo – Anuncie que se casará com a feiticeira, com certeza ela aproximou-se de você por um motivo e por ele retornará. - o sorriso caloroso já tinha um ar de esperteza – E depois, nossa família terá magia novamente!
Por um momento, de tão animado que estava com a perspectiva de ser beber o líquido encantado, o monarca esqueceu totalmente dos riscos da futura noiva do filho ser uma golpista. Pedro, vendo toda a alegria do pai, ficou aliviado por não ter feito algo tão terrível assim apaixonando-se por alguém com habilidades surreais.
A leveza que invadiu seu corpo foi tão forte a ponto de esquecer totalmente as implicações dessa pequena descoberta do pai. Quando finalmente ligou os pontos, não perdeu tempo em encontrar seus amigos no Clube Abolicionista. Ele era o mais novo do grupo e também o menos ativo. Pela sua posição política, era também o mais cobrado. Porém nos momentos em que ganhava tarefas mais expostas e, consequentemente, perigosas sempre negava com a mesma explicação:
- Essas ideias ainda são muito impopulares. Se eu assumi-las publicamente, talvez deem um golpe e proclamem a república.
Quando entrou na casa abandonada que outrora fora o esconderijo de Mário Firmino, o local estava tão abandonado quanto no dia em que o apresentou à Ella. No calor do momento, nem percebera que precisava de aviso prévio para o grupo reunir-se em um clube abandonado.
Sem tempo para enviar cartas ou esperar o próximo encontro, o príncipe bateu à porta dos outros membros um por um para contar a novidade. Há muito tempo já especulava-se que a ressurreição das fadas da primeira tropa como protetoras da magia foi nada mais do que uma grande armação planejada por quem primeiro alcançou o líquido.
Era evidente que aquela sociedade jamais pensaria na possibilidade de uma fada ter forjado tudo, afinal acreditava-se que já estavam nas nuvens, que eram fracas e covardes. Todavia, o restrito grupo com quem Pedro teve a oportunidade de conviver possuía uma visão muito diferente da capacidades desses seres.
Considerando a inferioridade com que eram vistas, dificilmente um humano protegeria a magia com um fantasma representando a resistência das fadas. Portanto, a suspeita de que ao menos algumas delas arriscaram-se pelo poder oferecido era mais forte do que a crença vigente entre aqueles que duvidavam da história da fada zumbi.
Segundo esse raciocínio, talvez a feiticeira que encontrou fosse mesmo uma fada. Apesar de não possuir asas, poderiam estar ocultas com um feitiço, ou mesmo ser uma mutilada. Talvez o príncipe Pedro estivesse prestes a iniciar uma revolução. E, se toda essa lógica fosse balela, seria essencial para a segurança das ex-escravas, de seu trono e da paz na região descobrir verdadeiras intenções da feiticeira.
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A grande fuga de Cinderella
FantasyE se a Cinderella sofresse discriminação por ser metade fada? E se a Fada Madrinha quisesse levá-la para morar com as fadas e fugir do preconceito? E se ela negasse para ficar com o príncipe? Após fugirem da escravidão, as fadas decidem viver nas mo...