18. O Novo Rei

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Quando Aline chegou na casa abandonada onde era a sede do clube abolicionista, foi inevitável não expressar um olhar de surpresa. O local estava caindo aos pedaços, todo empoeirado e ela ficou com medo de tudo desabar em cima dela. Para garantir que realmente estava na localização correta, olhou para seu guia, o qual parecia orgulhoso com o estado do lugar e seus apenas 6 membros presentes.

Percebendo o desagrado presente no olhar da fada mais velha, tentou defender-se:

- O que você queria? A sociedade é sim muito preconceituosa e não existe um mundo perfeito paralelo não. Cada um desses membros eu peguei com a mão depois de anos de desconstrução! - disse revoltado – Acho que só por isso você deveria fazer aquele truque... - pediu mais empolgado

- Tudo bem, só para você ficar quieto. - Aline bufou e evocou o baralho – Escolha uma carta, qualquer carta. - o homem pegou uma aleatória, olhou, e misturou-as novamente – Por acaso você pegou um Ás – as cartas começaram a voar formando o desenho da letra – de espadas? - de repente todos juntaram-se e formaram uma faca, apontando para o homem

- Sim, que incrível! - disse ele admirado, enquanto espetava o dedo na lâmina e encarava incrédulo o sangue escorrendo deles

- Pode ficar. - a fada referiu-se à arma com um orgulho disfarçado de descaso

Ella parou de prestar atenção na conversa dos dois quando viu Pedro debatendo algo com uns dos outros membros do clube. O alívio que sentiu foi imenso porque por um momento sentiu-se completamente abandonada e a culpa parecia corroer sua alma. Mas naquele momento viu a segurança novamente e sorriu.

Instintivamente, ela foi em direção a ele e deu-lhe um profundo abraço, interrompendo a conversa da qual o homem participava.

- Você não me abandonou quando descobriu minhas origens! - ela disse chorando de emoção

Quando o príncipe viu a dor em seus olhos, sentiu uma pontada no peito. Ele fizera a fada sentir-se traída e condenada a um futuro igual ao de seus antepassados somente por ter confiado nele. Essa conclusão fê-lo sentir perder uma parte de si e deixar um buraco em sua alma. Em desespero, ele apertou mais seus corpos e tomou seus lábios para si, como se tentasse pegar de volta a parte perdida de seu ser.

Ele interrompeu seu ato timidamente quando ouviu risadinhas vindas das pessoas com quem conversava antes.

- Então esse é o mais novo casal do grupo... - disse uma delas insinuadora

Ella finalmente virou o rosto para observar a dupla que falava antes com Pedro. Pela forma com a qual olhavam-se e pareciam acariciar-se, era óbvio sua identidade: eram o casal "mais velho" do clube. Por alguma razão, essa informação tranquilizou-a de uma forma com que se sentiu um pouco mais confortável dentro daquela casa abandonada.

- Bem, enquanto não pudermos dar o próximo passo, vamos hospedá-la aqui porque lá fora é muito perigoso. - decretou aquele que antes conversava com Aline, ao aproximar-se dos quatro

A mestiça olhou ao redor, sabia que aquela sede era a antiga casa de Mário Firmino e, portanto, deveria haver um quarto em algum lugar. Finalmente encontrando-o, não hesitou em estudá-lo. Por mais que possuísse aparência de desgastados, a mobília era melhor do que aquela a qual teve acesso durante seu tempo com Gisele. Como enquanto vivia na floresta tampouco possuía móveis, aquele espaço parecia muito bom para seus padrões.

Ella pôde sorrir com esperança mais uma vez pois estava em suas mãos a possibilidade de aumentar a liberdade das próximas gerações de fadas.

 	Ella pôde sorrir com esperança mais uma vez pois estava em suas mãos a possibilidade de aumentar a liberdade das próximas gerações de fadas

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Quando o rei Guilherme faleceu, foram decretados três dias de luto oficial. Durante esse período, Pedro estava praticamente todo o tempo ao lado de sua irmã mais nova dividindo as dores. Como as aulas da princesa foram interrompidas devido ao decreto, não havia o que atrapalhar sua convivência fraterna.

Naquele momento, ele era a única família da criança, que tinha apenas 6 anos. O fardo de ser o principal responsável pela sua criação parecia ainda mais pesado do que suas futuras responsabilidades como governante. O futuro rei sabia da conexão entre as duas coisas lá no fundo e acreditava que seu dever era fazer um bom governo com o objetivo de garantir um lugar melhor para Emília viver.

Tão logo chegou o quarto dia, as questões burocráticas começaram a surgir para tirar a paz de Pedro. A primeira delas foi a coroação, a qual deveria ser realizada o mais rápido possível para atenuar a instabilidade política gerada pela troca de governante.

A celebração de posse geralmente era um grande evento e o herdeiro simplesmente não sentia-se com vontade de entrar nesse clima solene. Porém, não existiam muitas opções para ele e o homem foi obrigado a esquecer a dor de suas perdas e assumir o importante papel de liderança que lhe estava reservado.

Pouco depois de todo o processo oficial acabar e ele efetivamente tornar-se rei, os compromissos começaram a chegar. Eram tantas reuniões debatendo a situação do reino e a viabilidade de determinadas leis com o poder legislativo que ele mal tinha tempo para ver sua irmãzinha, a qual ficava aos cuidados de um dos funcionários do palácio quase em tempo integral.

Devido a tudo isso, ele achou ótimo quando recebeu a visita de sua prima e da esposa dela. Elas quase nunca os visitavam e uma reunião da família era tudo que ele poderia desejar naquele momento. Já seu conselheiro, o qual era um dos membros do clube abolicionista, não viu esse encontro com bons olhos.

- Você sabe que por não ter filhos, ser solteiro e sua irmã ser tão nova, ela é a herdeira do trono, certo? - explicou seus temores a Pedro

- E por que isso importa? Está insinuando que elas são mau agouro? Que vão atentar contra minha vida? Você está escutando suas próprias palavras? - respondeu o rei em choque – É só minha prima, e eu estou morrendo de vontade de vê-la.

- Não temo sua prima, muito menos a companheira dela. É só que está chegando a hora de continuar seu plano com a Ella. Por acaso você está aproveitando que ninguém está cobrando-lhe um casamento só para enrolar com aquilo tudo?

Quando o conselheiro percebeu que a resposta parecia tender para um "Sim." bastante certeiro, ele fez um olhar rígido de cobrança e lembrou das vidas que poderiam ser salvas com todo o processo.

- Você fez uma promessa àquela fada. Ela poderia estar segura nas nuvens, mas está aqui, esperando por você e uma chance de melhorar as condições de seu povo. - refrescou a memória do rapaz

- Eu... - Pedro sentia a culpa e a preocupação embolando suas palavras – Eu tenho tanto medo porque há tanto a perder! E se o povo revoltar-se e proclamar a república? Eu seria exilado, se não morto, e vagaria errante com a Emília até o fim de minha vida.

- Não. - o outro tentou acalmá-lo – Você teria a Ella e talvez possa viver nas nuvens com as outras fadas. Não há nada a perder se você fizer o que é certo.

- Tudo bem, só dê-me um pouco de tempo com minha prima e logo daremos o próximo passo.

A vontade do rei era de que a prima jamais deixasse aquele papo inicial para instalar-se em um dos quartos com a esposa. Afinal, ele sabia que depois daquele momento, nada mais seria como antes e aquilo aterrorizava-o.

O pronunciamento foi anunciado para os jornais em cima da hora, o que não impediu a presença em massa de público e jornalistas. Todos estavam curiosos quanto ao primeiro decreto oficial do mais novo governante e as especulações estavam a todo vapor.

- Saudações, cidadãos! Muitos perguntam-se sobre minha união em matrimônio, já que ela é necessária para uma linha sucessória mais segura e estável. Por isso, venho aqui esclarecer suas dúvidas e anunciar que já escolhi uma noiva. - ele engoliu em seco antes de continuar – E ela será descendente de fada.

Após essas últimas palavras, as vaias vieram instantaneamente e Pedro foi impedido de continuar a falar. Os feiticeiros humanos presentes, que já não mais escondiam-se, evocaram diversos objetos para arremessar em direção ao monarca. Por isso, a guarda precisou agir, tirando logo o líder dali antes que algo mais grave ocorresse.

A revolução estava só começando.

A grande fuga de CinderellaOnde histórias criam vida. Descubra agora