Ecos da angústia, à capella, em lamês

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Acordei numa cela bem mais desorganizada e caótica, as pinturas de dragões serpentinos foram substituídas pelos estranhos desenhos de forma semi humanoide feitos a giz aparentemente por alguém de minha idade, desenhos de algo que parecia a lua, um símbolo estranho, semelhante ao do sindicato dos estudantes, tudo feito a giz nas paredes de concreto frio e sujo. Uma porta de ferro grosso guarnecia a parede a minha frente, com uma maçaneta em formato de timão. A sala era iluminada por uma abertura irregular no concreto, a dois metros e pouco de altura, a abertura possuía um metro de largura, talvez desse para passar.
Logo que me vi em mais uma sala, me desesperei com a possibilidade de poder ficar ali para sempre, exagerei pensamentos e impressões e de nada analisei a sala, apenas parti com gritos animalescos batendo na porta de ferro com minha mão boa. Gritava muito, chamando minha irmã, minha protetora. Ninguém parecia me escutar, um vazio sem emoção se expandia pela sala, um frio vinha do alto, teria tremido de medo com o vento entrando assim livre pela sala, mas estava desesperado demais para notar.
Depois de um tempo longo a bater na porta férrea como um animal enjaulado, parei e me sentei em posição fetal ao pé da porta, chorando baixo.
Depois de minha mente cair em algum bom senso e me lembrar de não chorar, observei de meu lugar à porta o resto da sala com um olhar oblíquo e indiferente, não parecia haver nada na sala, porém, quando a lua mostrou-se alta no céu, sob a abertura irregular, e sua luz banhou a sala com um brilho branco frio, ouvi uma voz do fundo da sala, onde a luz pouco chegava.
"Matas, que se calam
Sibilam folhas soprando lá
Em olhos abertos, nas noites caladas
Desce pelas escadas..."
Reconheci a famosa cantiga, mesmo tendo um pouco de medo dela, deixei que aquela voz continuasse
"...Sopros que nos cinge
O grito silente não finge
Vento matreiro
Que traz bruxa e feras
Rasteja pelas janelas
Vai por baixo das portas
Com suas duas mãos tortas
Então pequenino
Cuidado com ele
O primeiro vento
Névoa fria ao relento
Mantenha os olhos abertos
Para chãos, paredes e tetos
E sua negra silhueta
Na névoa fria cinzenta
Mas se você dormir
Deixar ele entrar
Vai sair daqui
E acordar por lá
Lá, lá, lá lá
Chuáá, chuáá
Onde as estrelas não veem o mar
Lá, lá, lá lá
Chuáá
Onde os vermes vão se encontrar"

Me levantei lentamente, os grãos de poeira flutuavam no ar, iluminados pela luz da lua viajante que migrava pelo firmamento. Na mesma posição que eu, no canto da sala, uma garota me observava com olhos vermelhos, com olhar oblíquo, como o meu. Seus cabelos eram curtos e sedosos, brancos como a neve, assim como sua pele que brilhava sob a lua, ela vestia um vestido de seda branca que ia até a metade das canelas, deixando os ombros a mostra pela ausência de mangas. Seus olhos eram avermelhados...olhos vermelhos, lembrava de algo assim, alguma imagem, algum eco... curioso, observei seus olhos bem fundo, me vendo em sua íris vermelha, ela também me encarava, em meus olhos, trocamos olhares através da poeira, alguns grãos iluminados pela lua, outros não.
-Você é...uma pessoa? -Perguntou ela em voz baixa
-Er...acho que sim- Disse eu em resposta, que pergunta incomum
-Você veio de fora? -Perguntou a garota novamente
-Sim, vim de Shambala. -Então silêncio, nada mais puro que ele
Existem coisas que não se traduzem, pois a melhor tradução é o silêncio, o estranho silêncio da noite, onde milhares de exércitos lutam na mente de um alguém, mas esses exércitos são tão silentes e sua marcha feérica tão desconhecida, como um sussurro. Às vezes há uma estranha memória que segura a calma por um fio, essa memória estranha segurava minha calma naquele momento, esse sentimento de mente vazia, com o onírico sino da culpa tocando de fundo, "você deveria se acalmar?"
Nunca fui capaz de responder essa pergunta, nunca soube que me perguntava, nunca soube disso, era um instinto, um sentimento.
Calmaria, foco. O destino ali me dava mais uma cena, mais uma memória, a lua e o vermelho. A estranha calmaria crescia enquanto me via nos olhos da garota, os olhos vermelhos como os de alguém...
-Você...porque está aqui? -Perguntei a ela
-Porque... -Ela pareceu pensar- Não sei
-Como não sabe? -Perguntei calmo, lento
-Não sei -Disse ela novamente
-Poderia pelo ou menos me dizer que lugar é esse? -Ela me fitou por alguns segundos com uma expressão vazia
-Não -Respondeu-me.
-Não pode nem me dizer quem é você?
-Mahina...eu acho

Réquiem: Aos velhos temposOnde histórias criam vida. Descubra agora