Ao contrário do que esperava, nada mudou quando voltei da faculdade. As coisas ainda eram as mesmas: A mesma rotina, a mesma interação, a mesma vida. Não compreendo a razão, mas esperava grandes mudanças depois que voltasse da faculdade, e quando as mudanças não vieram, me senti frustrada, quando fui procurar emprego, não havia nenhuma vaga nos institutos de engenharia, e até agora eu não havia vendido nenhuma patente. Meu avô aconselhou a trabalhar em algo, disse que compraria os materiais necessários. Eu só não sabia o que fazer, porque eu não parecia ter nenhuma ideia boa ou minimamente original. As coisas simplesmente não pareciam vir para mim.
Um tempo depois de minha chegada, o PDKV reabriu atividade.
Isso em nada alterou a vida minha ou de minha família em grandes instâncias, mas foi motivo para que reabríssemos protesto contra. O Partido sugeria a instauração de um parlamento, onde a população tinha voto sobre os senadores, chamados de juízes, e os senadores possuiriam voto sobre o presidente, ambos vindos de um colégio eleitoral fechado, restringido por um conselho parlamentar, responsável pela criação das leis. Na concepção de meu avô e na minha própria também, indiretamente, o conselho parlamentar acabaria com influência sobre todos os postos governamentais, portanto, concentrando em sua figura não só o poder Legislativo, mas influência sob o Judiciário e Executivo.
A reascensão do movimento político se tornou constante e explosiva. Eles financiavam espetáculos públicos e serviam queijo, chá, saquê e pão.
Lembro dos primeiros dias em que voltei a manifestar ao lado de meu avô. Antes daqueles dias, a realização desta tarefa era puramente alheia a mim, totalmente atrelada às ações de meu avô, cujo espírito nacionalista, nascido e criado no Império, não conseguia se deixar observar sem participação. Uma guerra tem dois desenrolares dentro da consciência daqueles que nela lutaram: Cegueira ou Iluminação. No caso de meu vô, nunca tive certeza do que era, se era cegueira militar ou autoconsciência do conflito.De todas as formas, agora utilizava de meu próprio julgamento para partir nesta cruzada. Não era a mais penosa das lutas carregar uma bandeira, o problema mesmo era fazer o que Satoru fazia. Quando meu avô protestava, se pintava com as cores da bandeira: Amarelo, negro, azul e branco. Pegava um grande estandarte que usou na época da guerra e hasteava a Lótus do império. Acordava às cinco da manhã e prosseguia até não aguentar mais. Gritava alto, bradava irado, recitava trechos do Kabuto no Bushido*, andava à frente das paradas, calcava a terra e levantava a poeira.
Meu problema era fazer isso. Apesar de saber ser uma razão idiótica e excessivamente dramática, não queria me juntar àquela multidão. Sentia que ia somente atrapalhar, que ia estar lá como uma cicatriz, que todos olhariam para mim. Todos eram tão parecidos e a marcha era tão bonita! Por isso queria me juntar, e por isso também temia por o fazer. Se eu gritasse, o que pensariam? Se eu falhasse, como reagiriam? Se meu esforço não fosse o suficiente...será que iriam me perdoar?
Certo dia meu avô forçou-me a sair, por coincidência, foi um dia depois de eu explicar minha situação.Era dia alto. O Sol brilhava alaranjado em seu zênite e fazia sua luz cair sob as ruas de pedra da cidade de Ahs’ahk, capital do país, minha cidade natal.
As Havieras* de outono lançavam ao chão as pétalas de suas flores, forrando a rua com uma glória alva, de brancura que sob a chuva e o vento seria mórbida e que sob a Lua seria gloriosa. No Sol dourado ocorria efeito diferente, que faziam-nas assemelharem-se a lágrimas douradas, que conferiam à passeata sua pompa neoclássica, sob a precipitação suave de raras pétalas brancas. Vários pés corriam as pedras quentes mais marchando do que propriamente andando. Seus passos eram compassados, as fileiras eram organizadas. Traziam instrumentos nobres como flautas, violinos e um piano de bronze que havia sido levado lá por um orc grande e musculoso, que se movia por conta de um motor em seu instrumento, que expelia fumaça azulada de um cano acima. A manifestação mais se assemelhava a uma comitiva real da Carimânia, em sua individualidade tendo que na verdade seria interpretada por elfos conservadores e rígidos ou druidas pacíficos e sorridentes.
Meu avô andava à frente de toda essa comitiva.
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Réquiem: Aos velhos tempos
ФэнтезиUm destino oculto fermenta abaixo das inúmeras camadas de mistério que permeiam a terra e suas rochas imemoriais. Algo rasteja flutuante pelas matas e bosques escuros, gritando ao Empíreo a cada dez noites, na constante lembrança de algo que lhe fo...