δέκα - 𝔶𝔬𝔲'𝔯𝔢 𝔣𝔬𝔩𝔩𝔬𝔴𝔦𝔫' 𝔱𝔥𝔢 𝔴𝔯𝔬𝔫𝔤 𝔰𝔦𝔤𝔫𝔰

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Porque assim é, aonde poderia eu fugir, estando cercada de tantos laços?


Liam pensou em como seria fácil cair para o nada e acabar com o seu sofrimento. Esse seria um caminho para o Mundo Inferior, provavelmente a única maneira que ele poderia conseguir. Mas tinha seu bebê ainda não nascido para pensar. E ele não tinha chegado tão longe apenas para desistir. 

— O que pretendes fazer?

— Q-quem é? Quem está a falar comigo? — Assustando-se, o jovem quase perdeu o equilíbrio. Segurou-se à parede, olhando em volta.

— Digamos que eu seja...um amigo.

Algo sobre a voz parecia familiar, ele continuava temeroso, de pé no parapeito da janela. O vento soprava forte e a visão que tinha lá de cima dava-lhe vertigem.

— Então, pergunto o que há de tão grave para que queira dar fim aos seus dias na terra?

— Eu...eu preciso ir ao Mundo Inferior, recebi de Afrodite uma missão e preciso ir até lá. De que outra forma poderia encontrar o caminho?

— Ora, mas se é disto que se trata, é meu dever anunciar-lhe sobre a existência de um caminho para o Mundo Inferior. Um caminho secreto e obscuro, pelo qual poderá ir e voltar sem que necessite desistir da tua vida!

— É...verdade? Então há um caminho para o submundo? — Retorquiu o príncipe com os olhos arregalados

— Claro que há, agora desça daí, antes que algo realmente terrível lhe aconteça — Disse a voz deixando uma risada agradável escapar.

Aliviado e muito animado, o jovem desceu da janela, encarando em seguida o ambiente vazio e imundo da torre misteriosa.

— Então...como eu faço para chegar até lá?

— Vá em direção à cidade de Esparta e encontre o Monte Taenarus. Na base da montanha, você verá uma fissura vulcânica, é um respiradouro para o Mundo Inferior. Não será fácil, mas você pode descer até os domínios de Hades. Minha mãe vai colocar todo tipo de obstáculos.

— Sua mãe?

A voz hesitou e pigarreou

— Eu quis dizer sua sogra, Afrodite a grande deusa da beleza.

Liam tinha certeza agora de que seu marido estava tentando ajudá-lo. Ele o amava por isso. Mas decidiu entrar no jogo.

— Não imaginas como sou grato à sua ajuda, seja você quem for!

— Um momento, jovem! Há algumas condições que precisa obedecer ou poderás ficar preso no Reino de Hades para sempre!

Liam parou imediatamente.

— Condições? Quais? Explica-me, o que devo fazer?

— Escutai com atenção: deves ir sozinho. Ninguém poderá acompanhá-lo no percurso. Carregarás na boca duas moedas para comprar do barqueiro tua ida e tua volta. Não deves, em hipótese alguma, ir em socorro do coxo e do afogado, tampouco deve interagir com as Moiras, as tecelãs do destino. Deverá ainda levar nas mãos dois pedaços de pão para alimentar o Cérbero, o temível cão que guarda a entrada do palácio de Hades.

— Entendo...i-isso é tudo? — Indagou o príncipe já trêmulo

— Não. Lembrai do mais importante: não deves comer nada, absolutamente NADA enquanto estiveres nos domínios infernais, compreende? Ou jamais poderá deixar o mundo inferior.

— Lembrarei. E obedecerei seus conselhos caro amigo.

—  Vá! Poderoso Hermes seja seu guia.

E assim foi feito. Liam desceu da torre com um único pensamento: encontrar a tal gruta.

Venceu as distâncias necessárias, depois de algumas horas de caminhada, quando seus pés já ameaçavam não mais sustentá-lo, encontrou finalmente, coberta por montes de musgos, a entrada da caverna da qual a torre lhe falara.

Sentiu um arrepio na espinha: o lugar era escuro e sombrio. Levava consigo os pães, as moedas e uma tocha que acendeu antes mesmo de adentrar o lugar tenebroso, acariciava sua barriga já grande próxima de sete meses. Respirou fundo, fechou os olhos, pediu aos deuses que mais uma vez olhassem por ele e seu bebê. E começou a longa descida até ao submundo.

Já nos primeiros minutos começou a sentir muito frio. As pedras no chão formavam uma escadaria rústica e úmida. Uma névoa surgia quanto mais descia e uma profunda amargura penetrou em seu coração. O cansaço, que já sentia desde que começara a cumprir as missões que Afrodite lhe impunha, agora mais acentuado devido a gravidez avançada, de forma que precisava parar de tempos em tempos para respirar.

E enfim, após uma longa e exaustiva descida, se viu diante do que parecia uma enorme câmara rochosa no centro da terra, de onde brotava um lago de águas negras. Olhou para os lados e para cima e só se viam rochas pontiagudas e medonhas. Um silêncio asfixiante tomava todo o grandioso espaço e Liam foi invadido por intensa vontade de chorar. A tristeza era implacável naquele lugar! Foi então que viu surgir ao longe, dentre as névoas que pairavam sobre as águas, um barco de madeira sendo guiado por uma figura alta e esquelética, com um manto negro sobre as costas.

Quanto mais o barqueiro se aproximava, tanto mais terror inundava o coração do príncipe.

Ao chegar na margem, o barqueiro tomou o remo sob as mãos, apoiando-as sobre ele. E ficou alguns segundos observando o jovem aterrorizado à sua frente.

Caronte não parecia ter em seu corpo nada além dos ossos e da pele enrugada que o cobria. Os olhos negros e profundos, a barba longa e descuidada e os ralos cabelos esbranquiçados lhes davam uma aparência horripilante.

— Trazes o óbolo¹, príncipe? — Perguntou afinal para o jovem

Piscando os olhos repetidamente, como se acordasse de um pesadelo,

—  S-sim...aqui está — Liam respondeu, com a voz trêmula:

Abrindo então a mão, mostrou-lhe a moeda reluzente que seria seu pagamento pela primeira parte da travessia. Caronte, resgatando a moeda, convidou-o a embarcar. E assim  fez.

As águas do Estige correm lentas e tristes. Enquanto se embrenha dentro do submundo, Liam sentia no peito um aperto angustiado, como se estivesse prestes a receber o beijo da morte.

De repente, mãos pálidas e emagrecidas submergiram do fundo das águas, segurando o casco do barco. Logo depois, um homem de aparência terrível, tentando apoiar-se, estendeu uma mão para Liam.

— Ajuda-me! Por favor, salva-me!! Estou me afogando! — implorando desesperadamente

Liam, aflito, encarou o barqueiro, mas o semblante do velho permanecia impassível. O homem gritava de dor, tentando alcançar alguma parte do corpo do príncipe no qual pudesse se agarrar e se salvar.

— Por favor!! Tende piedade!! Ajuda-me!! Ajuda-me...não sei nadar!!

Lembrando dos conselhos que recebera, manteve o silêncio, virando para o homem às costas e negando-lhe ajuda, enquanto seu peito se enchia de culpa.

Zayn precisa de mim, disse ele a si mesmo.

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¹ébolo : era uma moeda antiga grega
esmola e etc

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