έντεκα - 𝔖𝔬 𝔴𝔥𝔶 𝔡𝔬 ℑ 𝔞𝔩𝔴𝔞𝔶𝔰 𝔩𝔬𝔰𝔢?

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toma coração de homem e fortemente, resiste à quebrada e perdida esperança


O barco atingiu então a outra margem, onde Liam foi convidado a desembarcar. Seguindo adiante, encontrou um senhor idoso muito fraco e manco, carregando uma pesada talha de lenha de onde caíam vários pedaços de madeira. O velho mal conseguia se mover, tamanho o peso do carregamento.

— Belo jovem...ajuda-me! Sou muito velho, já não tenho forças. Sinto meus ossos quebrarem a cada passo. Auxilia-me, por obséquio! — Pediu modestamente

Cheio de compaixão, Liam fez menção de catar alguns pedaços da madeira. Porém, uma vez mais, os conselhos que recebera lhe vieram à mente, e no mesmo instante, o príncipe decidiu seguir sem ajudar o velho. Era uma terrível sensação.

— Por favor, meu jovem...por favor...não aguento...não aguento mais...

A voz do homem diminuía ao tempo que Liam se distanciava, cheia de tristeza. Um pouco mais à frente, três anciãs rabugentas seguravam e repuxavam longos metros de fios em volta de um tear, no qual se costuravam os destinos de mortais e imortais.

Encararam-no com desprezo, enquanto continuavam seu incessante trabalho.

Eram as Moiras.

Liam sentiu-se tentado a perguntar qual seria o seu destino, pedir delas o auxílio. Mas de novo, a voz da torre se fez presente em suas lembranças, e resolveu simplesmente continuar sua caminhada. Seguiu sempre em frente, lutando bravamente contra a crescente fadiga e melancolia, sensações difíceis de combater no mundo dos mortos.

Chegou finalmente a uma clareira onde se via o Palácio de Hades mais à frente, uma grandiosa edificação de rochas negras em volta da qual sobrevoavam abutres e morcegos.

Contudo, muito antes dos portões, um monstruoso ser estava postado: Cérbero, o feroz cão de três cabeças que guardava e vigiava a entrada do castelo de Hades.

Sentindo o cheiro do intruso, Cérbero soltou seus latidos aterradores, rosnando e mostrando seus dentes afiados perigosamente.

Tremendo por inteiro e prestes a desmaiar de pavor, o príncipe foi se aproximando do cão muito vagarosamente, pé a pé.

Quando enfim atingiu uma distância limite, tomou fôlego e jogou na direção da fera um dos pães que trazia. E sem demora, as cabeças começaram a travar uma luta entre si, a fim de conseguir abocanhar o alimento. Aproveitando esta distração e atravessou, sorrateiramente, os grandes portões do palácio.

Atravessou também os jardins incrustados com orquídeas, tulipas e petúnias negras e selvagens. Um vento gélido soprava naquele lugar lúgubre e triste.

Apresentando-se a um dos soldados de Hades, solicitou uma audiência com Perséfone, em nome de Afrodite. Foi então levada para o interior do palácio, até o salão onde jaziam os tronos dos soberanos do Reino: Perséfone e Hades.

Ajoelhando-se perante eles, rogou, respeitosamente:

—  Ó, grandes deuses, senhores dos Infernos, morada final de todos os mortais! Chamo-me Liam, filho mais novo do rei de Mileto. Venho, muito humildemente, em nome da poderosa Afrodite, solicitar de ti, ó belíssima Perséfone, um pouco de tua beleza, para que eu possa ter uma chance de reencontrar Zayn e pedir o seu perdão.

Levantando-se do trono, Perséfone, a deusa da primavera estava no "modo de inverno". Seu vestido era cinza pálido e verde, a cor do gelo na grama. Seus olhos eram de ouro líquido como o sol de dezembro.

Não pareceu surpresa ver um mortal grávido andando em seu jardim.

Dirigiu-se ao menino, dizendo:

— Sei bem quem és, belo Liam. Estou ciente do ocorrido com Zayn e de tuas provações. És de fato muito bonito e portador de sentimentos genuínos. No entanto, me pareces exausto e adoentado. Posso oferecer-lhe alguma coisa? — Perguntou a deusa, apontando para uma mesa fartamente coberta pelos quitutes mais apetitosos.

Liam sentia-se faminto! Seus olhos brilharam ante aquela visão e seu estômago vazio rogava para que aceitasse. Porém, não pretendia falhar quando estava tão perto de alcançar seu objetivo, e gentilmente declinou.

— Ó, caridosa Perséfone sou grato pela vossa oferta amável, mas devo declinar. Afrodite me aguarda.

Avaliou o mortal. A rainha ficou fascinada. Perséfone tinha alguns problemas com Afrodite, também. Ela supôs que a deusa do amor tinha enviado Liam aqui, esperando que ficasse brava o suficiente para matá-lo.

Bem... Perséfone não ia fazer o trabalho sujo de Afrodite. Se a deusa do amor quisesse pegar emprestado alguma magia, Perséfone tinha a coisa certa.

Sorrindo para o frágil príncipe, Perséfone meneou graciosamente as mãos, fazendo surgir uma pequena caixa dourada fechada.

— Pois bem, príncipe de Mileto. Aqui está o teu último encargo. Leva-o com cuidado e não cometas a imprudência de abrir a caixa — disse Perséfone.

A deusa soprou em sua própria mão. Luz se reuniu na palma da mão como mercúrio. Derramou a luz na caixa de madeira dourada e fechou a tampa

— O que está dentro é só para
Afrodite. Entendeu?

— Eu entendi.

Anuindo com a cabeça, Liam tomou nas mãos, cuidadosamente, a pequena caixa dourada. Sentia-se cada vez mais fraco e desejava sair dali o quanto antes. Reverenciando os deuses, despediu-se:

— Obrigada, Magnífica Perséfone. Seguirei vosso conselho devotadamente.

Dizendo isso, retirou-se, enquanto o mundo começava a girar ao seu redor. A respiração encurtava-se e parecia que a vida lhe escapava um pouco mais a cada minuto. Arrastando os pés, uniu todas as forças para jogar em direção ao cérebro o último pedaço de pão e conseguir atravessar mais uma vez os portões.

Refez o caminho de volta ao barqueiro com dificuldade, pois sua visão começava a embaçar. Entregou-lhe a última moeda e recostou-se ao barco, buscando reter em seu corpo o que lhe restava de vida.

Do lado de fora da gruta, Zayn aguardava ansioso, escondido entre a vegetação seca e espinhosa. Arriscava-se estando ali, mas temia pela vida de Liam. Sabia-se que nenhum ser vivo podia adentrar os Infernos pois corria-se o sério risco de jamais sair de lá.

O submundo era a morada dos mortos, e portanto, toda vida era sugada naquele lugar sinistro.

Passaram-se longas horas sem que o deus percebesse qualquer sinal de Liam. Desesperava-se cada vez mais, acreditando que de fato não teria conseguido e que sua mãe vencera enfim. Contudo, já ao entardecer, o deus ouviu passos cambaleantes de dentro da gruta.

Living Proof - ziam -Onde histórias criam vida. Descubra agora