I.

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Fazia um dia ensolarado quando Ruby saía porta afora de casa, com as mochilas nas costas. O vento frio de inverno açoitou seu rosto enquanto ela corria a curta distância da calçada de casa até onde estava estacionado o carro dos Andrews. Era uma manhã fria de sábado, e ela e as amigas estavam indo até o colégio acompanhar o último jogo de futebol da temporada, reportando-o para o jornal da escola, o qual faziam parte.

Agradeceu a quem quer que tenha inventado o ar condicionado quando entrou no carro, batendo a porta atrás de si. Cumprimentou as meninas, inclusive Prissy, que estava dirigindo, e começou a esfregar as mãos, seu corpo todo agradecendo por ter voltado a um ambiente mais quente.

Começaram a conversar animadamente, comentando sobre quem quer que estivesse lá. Ruby, é claro, só esperava uma pessoa específica: Gilbert Blythe.


Ruby queria poder dizer, como as mocinhas de romances de época, que não sabia ao certo quando tinha se apaixonado pelo garoto, que simplesmente percebeu que estava perdidamente apaixonada. Mas isso não seria verdade, Ruby se lembrava exatamente de quando tinha se apaixonado por Gilbert. Tinha sido algum tempo atrás, quando ela tinha treze anos. Naquele dia, acordou com aquela sensação que ainda lhe parecia estranha: sua menstruação descera. Fazia poucos meses desde que tinha tido a menarca, e estava odiando aquele ciclo que vinha todo mês. Sua mãe deixou que ela se atrasasse, mas não que faltasse a aula, então deixou-a na escola poucos minutos antes do segundo tempo começar. Ela ia andando pelos corredores, praguejando baixinho irritada por conta da cólica, e parou de supetão quando se deparou com um garoto parado em frente à porta da sala.

Ele tinha um semblante ansioso e triste. E lindo. Como Ruby saberia, não havia garoto mais bonito e triste do que aquele. Mas tristeza não seria uma boa palavra para descrevê-lo. Ele estava triste naquele momento, mas melancolia seria um adjetivo melhor para descrever a personalidade do garoto. Sim, Gilbert Blythe era o menino mais lindo e melancólico de todos.

Ela parou, olhando para ele. Gilbert parecia decidir se entrava ou não. Ele percebeu a presença dela e recuou alguns passos da porta.

⁃ Ah... Oi. Bom dia.

Ruby tentou pensar em algo para falar; alguma coisa para quebrar o gelo, ou qualquer coisa na verdade. Ele parecia estar precisando de uma conversa. Mas ela não conseguiu pensar em nada, e acabou gaguejando um "bom dia" em resposta. Só que nem deu para escutar o que ela disse, já que nesse momento o sinal tocou alto. Logo em seguida a professora abriu a porta e os burburinhos dos alunos dentro da sala ficaram muito audíveis. Ela convidou Ruby para entrar e acolheu Gilbert.

Ruby soube mais tarde que Gilbert acabara de voltar para sua cidade natal, só ele e o pai; ele havia tido algumas perdas familiares (por isso a tristeza) e era bem sozinho. Não demorou muito e todo mundo já gostava dele, até Billy Andrews, embora isso tivesse mais a ver com inveja do que com amizade. Mas a essa altura Ruby já sabia que estava apaixonada por ele, e a coisa que mais se via no seu caderno eram desenhos de corações com as iniciais R e G caligrafadas dentro.


Saíram do carro no estacionamento da escola alguns minutos depois, era uma cidade pequena, afinal. Diana esperava por elas próxima à entrada do campo, um cachecol azul enorme em volta do pescoço. Tinham acabado de se sentar nas arquibancadas quando Anne avisou no grupo das garotas que ia se atrasar um pouco. Isso foi bom, já que elas puderam pessoalmente acertar alguns detalhes sobre a festa de aniversário surpresa que iriam fazer para a ruiva.

Os garotos estavam se aquecendo para o jogo; passavam para cá e para lá em uma metade do campo fazendo exercícios e corridas curtas ao som de gritos de incentivo e reprovação esparsos do técnico.

⁃ Bom dia meninas! - falou Moody Spurgeon, passando por elas. - Tudo bem, Diana?

O técnico do time brigou com ele, falando para apressar e deixar de papo, então ele saiu de perto delas com um sorrisinho envergonhado. As meninas não puderam deixar de explodir em risadinhas; Josie Pye debochou, entre uma gargalhada e outra:

⁃ Diana Spurgeon, imaginem!

⁃ Ah, parem com isso - disse Diana, incomodada.

⁃ Ele cresceu bastante nessas férias né, agora que ele chegou perto de você que eu reparei - falou Jane.

⁃ E está bem bonitinho também né? Acho que foi porque tirou o aparelho. - completou Tillie.

⁃ Ah gente, até parece, desengonçado do jeito que ele é! - tornou Josie.

Ruby não tinha mesmo reparado nele, mas tinha que concordar com as amigas, Moody estava bem mais alto, e mais... bonito. Não saberia dizer se foi por causa do aparelho, até porque nesse momento Gilbert passou perto dele e desviou sua atenção. A conversa das garotas continuou, mas não foi muito longe; continuaram a conversar sobre garotos. Os times foram para o centro do gramado e o juiz apitou, dando início à partida com gritos animados das meninas.

Anne chegou alguns minutos depois:

⁃ E ai, o que já conseguiram reunir? - perguntou ela, se aconchegando entre Diana e Ruby.

⁃ Está 0x0 - disse Diana.

⁃ E?

Silêncio. Cada uma olhava para um canto diferente.

⁃ Ruby?! Não combinamos que você ia anotar as informações sobre o jogo?

⁃ Calma Anne, é só o jornal do colégio. Além do mais, somos uma cidade pequena, pelo amor de Deus; metade dos habitantes são pais dessa escola, todo mundo vai saber do jogo - falou Josie.

⁃ Argh! - bufou Anne, puxando um caderno da mochila e começando ela mesma a fazer anotações sobre o jogo.

Embora o time da escola tivesse perdido e sido desclassificado do campeonato, o jogo foi muito bom. Os meninos jogaram muito bem, e Jane e Tillie ficaram fazendo graça narrando o jogo em voz alta entre as meninas, o que tornou tudo mais divertido.

Quando o jogo acabou, as meninas foram até o time parabenizá-las, e Ruby podia jurar que Gilbert ficou encarando ela mais tempo do que o normal. O pior da manhã foi ter que aguentar Billy e Josie flertando no banco da frente do carro dos Andrews na volta do jogo; Ruby, Jane e Tillie ficaram no banco de trás, fazendo uma força tremenda para manter as caretas e risadas abafadas dos ouvidos dos dois.

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