A reunião do dia seguinte foi demandada pela Sra. Lynde. Como presidente da associação de moradores, membro do comitê permanente da escola, além de super atuante na igreja e tesoureira da Congregação de Mulheres Avonleanas (a qual ela mesma criou) ela achou que tinha esse direito. Além de "não fazer feio" na frente de toda a comunidade, a aula de dança também tinha um caráter pedagógico, como ela mesmo disse para os alunos apinhados à sua frente nas arquibancadas do ginásio da escola, "melhor aprender aqui do que lá fora", disse ela, arrancando risadinhas dos adolescentes. Se a Sra. Lynde, que tinha tido doze filhos, achava que uma simples dança lenta era potencialmente perigosa, quem eram eles para duvidar?
Ela foi chamando-os para o centro da quadra, divididos em pares.
- Ruby Gillis? Ruby!
- Ãn? Ah, sim, desculpe - ela disse se levantando.
- Você faz dupla com o Charlie - a senhora continuou, apontando para a figura alta ao lado de Moody.
Moody, inclusive, tinha sido o motivo pelo qual a garota não tinha escutado da primeira vez que foi chamada, porque de repente parecia muito importante analisar os cabelos despenteados do menino e como pareciam sedosos.
Ela se prostrou à frente de Charlie no meio da quadra, dentre os outros pares que se alinhavam pouco jeitosos ao redor deles. A Sra. Lynde deu umas poucas instruções, pediu que ficassem em posição e então mandou Moody (que tinha ficado encarregado dessa tarefa por estar machucado, mas mesmo assim querer participar) dar play na valsa (teve que pedir mais de uma vez pra ele, inclusive, já que agora eram os cabelos de Ruby que pareciam muito importantes de analisar, as ondulações douradas...).
Ruby e Charlie trocaram um sorriso nervoso e desconfortável antes de começarem a rodopiar (ou o mais próximo que conseguiam disso) pela quadra. Ficaram um tempo em silêncio, a não ser por um pedido de desculpas ou outro por terem pisado no pé do parceiro. A Sra. Lynde passou por eles, pedindo que levantassem mais os braços, e seguiu dentre os outros pares dando instruções. Quando ela se afastou, Charlie puxou ar e fez com que ia falar, abrindo e fechando a boca algumas vezes, até que, com o que pareceu um esforço hercúleo, perguntou:
- Então Ruby, sei que vocês meninas são super unidas e devem conversar sobre isso... - Ele fez uma pausa. - Ãn... A-A Anne gosta de meninos né?
Ruby arregalou os olhos, mas conseguiu se conter. Com dificuldade, assentiu.
- E ela está solteira né? - Ela assentiu minimamente, e começou a olhar para os lados, em busca de ajuda. - Só para ter certeza. Eu... Hm... Eu gosto muito dela, sabe.
Ruby olhou para o rosto do garoto, e percebeu que ele não estava gostando da conversa mais do que ela. Ele olhou para ela nervosamente, então voltou a olhar para baixo, onde passara a maior parte do tempo olhando, Ruby não sabia se para disfarçar o rosto vermelho ou para não errar o tempo da dança. E então, ela sentiu muita pena dele. Não que esse tópico já não tivesse sido tema de conversa no grupo das meninas; mas parecia que só agora ela realmente se dava conta. Charlie se inscrevia em tudo que Anne fazia, e sempre ficava do lado dela em um debate em sala de aula. No ano passado, inclusive, quando Anne cismou em fundar uma ONG em defesa dos animais, Charlie parou de comer carne e foi o primeiro a comprar os bottons da menina para ajudar (uma dúzia, diga-se de passagem). E Ruby também percebia, agora, que das poucas vezes que ele levantava o olhar do chão, ia até a ruiva, que dançava do outro lado do salão com Gilbert (surpreendentemente, Ruby não tinha dado muita bola para esse movimento). Charlie era um cara legal, de verdade, mas Ruby não conseguia ver como isso ia dar certo. Anne era muito impetuosa e inteligente, Charlie não tinha notas ruins, mas não tinha o senso crítico do qual Anne tinha sido forjada, e era um menino muito interiorano e cheio dos pensamentos e hábitos de gente simples do interior. Ruby pensou por um momento; a demora parecia estar matando o garoto.
- Charlie, sendo bem sincera, eu não acho que...
- Trocar duplas! - Sra Lynde gritou, separando os pares e apontando freneticamente para que se juntasse com outras pessoas. - Charlie Sloane, pode ir lá junto com Anne Shirley! Ruby Gillis... - Ruby seguia com os olhos a figura de Charlie saindo em direção a Anne, o rosto ainda mais vermelho.
- Aqui! Eu! Eu... - Um pigarreio - posso fazer par com ela.
Ruby e a Sra Lynde se viraram ao mesmo tempo. Moody tinha vindo mancando de onde estava sentado na arquibancada, e se prostrou na frente delas.
- Você não está machucado Spourgeon?
- Sim, mas estou me sentindo bem melhor. Além disso, preciso aprender não é Sra Lynde? Não quero estragar a composição no dia da formatura.
A Sra Lynde até que fez que ia retrucar, mas pareceu que uma luzinha acendeu ao lado de sua cabeça, e ela concordou, saindo com um de seus sorrisinhos de matriarca casamenteira nos lábios.
- Tem certeza que consegue dançar? - Ruby perguntou enquanto eles se colocavam em posição e a música recomeçava.
- Sim! Além disso, meus pais me mostraram como se faz, e você parece estar precisando de umas dicas.
- É mesmo? - retrucou Ruby, rindo.
- Aham, você e o Charlie não estavam mandando muito bem. - Moody disse sorrindo, começando a conduzi-los entre os outros pares. Ainda mancava um pouco, mas estava se saindo muito bem, até a Sra Lynde elogiou.
Ruby riu, tentando não ficar vermelha. Era muito bom dançar. Pensou que não era por menos que a Sra Lynde estava adorando a ideia de os ensinar. Uma dança lenta realmente podia fazer estrago, como ela descobriria em seus sonhos aquela noite, que seriam permeados de cavalheiros morenos dançarinos. Moody engoliu em seco, forçando o maxilar algumas vezes, antes de começar a proferir piadas ruins. Teve medo que ficasse um clima estranho, ou algum clima qualquer. Mas logo a dança acabou e os dois se despediram. O garoto teve que passar o resto do dia com o tornozelo no gelo. Sua mãe disse que tinha sido estúpido fazer aquilo, que ia desacelerar sua melhora. Ele achou que tinha sido mesmo, pela dor que estava sentindo, sendo que tinham sido apenas poucos minutos de dança. Nem sabia porque tinha ido dançar com Ruby. Ele só sentiu vontade de o fazer, vendo seus cabelos dourados deslizarem pelo salão, e quando viu já estava atravessando o ginásio e falando com a Sra Lynde de maneira afetada. Podia ter sido estúpido, mas foi legal. Era bom estar com Ruby.
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| an ordinary love story | - au text roody /awae
FanfictionRuby sempre foi apaixonada por Gilbert. Até que se deu conta que não era mais. Ou, aquela em que Moody tinha um crush em Diana, até que não tinha mais.