CAPÍTULO UM

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    Acordo com o ranger da velha escada de madeira. Provavelmente minha mãe, Kelly, está vindo ao meu quarto para me acordar. Ela sempre me chama cedo para que lembre de fazer as tarefas do colégio. Ultimamente os professores têm passado muitas atividades, pois as provas de fim de ano estão se aproximando e eles precisam finalizar todo o conteúdo.
Observo o barulho provocado pelos passos dela até chegar à porta do meu quarto. Outro dia comentei que é importante dar uma reformada na casa, mas Kelly insiste que o lugar tem uma aparência rústica interessante que seria prejudicada caso tivesse uma reforma. Então, deixamos do jeito que está, mas não posso negar que tenho um pouco de medo que a casa caia qualquer dia desses.
Fico a espera da batida na porta e já me preparo para dizer "pode entrar, eu já estava levantando mesmo". Entretanto, ela para por alguns segundos e decide voltar às escadas. Imagino que por hoje ser meu aniversário de 16 anos, considerou me deixar dormindo até mais tarde. Kelly sabe que eu não troco um bom sono por nada.

Minha mãe tem os cabelos tão negros quanto os meus. De um certo modo, as pessoas sempre falam que somos parecidos, mas meus olhos azuis claros destoam de seus olhos escuros comuns. Por isso, sempre imaginei que eu os tenha herdado do meu pai. Porém, Kelly nunca fala sobre ele e o assunto acabou virando um grande segredo por aqui. Tudo o que eu sei é que ele morreu, mas nunca soube como. Tento a todo instante descobrir mais sobre ele, o problema é que minha mãe parece decidida em nunca me contar o que houve, o que só aumenta a minha curiosidade.
Graças a Malu, a amiga tagarela de Kelly, consegui descobrir que ele se chamava Patrick. No entanto, quando minha mãe soube que ela andou falando comigo sobre ele, rompeu a amizade com Malu e eu nunca mais a vi. Por sorte, hoje estou esperando que ela venha para a comemoração do meu aniversário, já que depois de muita insistência consegui convencer Kelly a convidar a amiga. Afinal, as duas eram muito próximas e talvez se Malu voltar a frequentar nossa casa, deixe vazar mais informações sobre meu pai, então todo mundo só tem a ganhar.

No meu smartphone já começam a chegar as primeiras mensagens de amigos me parabenizando na minha conta do Facebook, mas deixo para responder depois, porque tinha combinado com meu melhor amigo Tobias de testar um novo jogo de computador que ele achou ser muito bom. Na verdade, ele gosta de qualquer jogo, até os mais chatos.

Tobias está particularmente comprometido em jogar a maior quantidade de jogos estilo batlle royale, MMORPG e MOBA que puder até o final do ano e eu acabo sempre jogando com ele. O seu objetivo é ser o mais conhecido nesses mundos e na minha opinião ele já está quase lá, porque depois de jogar tantas partidas, é muito difícil que a gente perca para qualquer jogador.

Todavia, lembro que tenho que terminar de fazer a análise do livro A Balada do Velho Marinheiro que o professor de literatura passou para hoje. Por isso, esqueço o jogo com Tobias e gasto quase todo o meu tempo antes da aula fazendo anotações sobre o poema.
Quando termino estou faminto, então desço para comer alguma coisa antes de ir me arrumar para o colégio. Depois de tantos anos subindo e descendo a escada eu já sei onde pisar para evitar fazer barulho. Por isso, a escada não range quando passo, diferente de todo o barulho que Kelly provoca. Nem sei porque faço isso, acho que o rangido me incomoda um pouco e eu sempre observo esses detalhes que ninguém parece se importar.

Quando chego na sala Kelly está começando alguns preparativos para o aniversário e ao me ver começa a cantar uma canção que ela sempre canta para mim todos os anos. É uma canção diferente de qualquer outra. Outro dia tentei pesquisar frases da música em um buscador de internet, mas não tinha nenhuma música parecida. Eu só consigo imaginar que Kelly a criou, contudo ela também não fala muito sobre isso por mais que eu pergunte. O fato da minha mãe ser um tanto misteriosa me incomoda um pouco.

Parabéns meu pequeno gênio valioso.

Mais uma data querida de vida

Não há relíquia em Ares que pague seu sorriso.

Nem mesmo uma joia protegida

O herdeiro vai sempre nos ajudar

Que dia de alegria!

Então, vamos comemorar.

O herdeiro está para voltar!

— Parabéns Jack! Nem acredito que você já tem 16 anos. Parece que foi ontem que seu pai e eu carregávamos você no colo. Essa fase passou tão depressa. — Diz distraída.
— Por que está falando dele agora? Você nunca quis falar dele e agora vem com essa.
— Tudo que eu faço é para o seu bem. Para proteger você da verdade dolorosa sobre seu pai. Você ainda é o meu pequeno Jack e não precisa se preocupar tanto.
— Você tem que parar de me tratar como uma criança, já tenho 16 anos. Você sabe que eu não posso ficar a vida toda sem saber sobre ele. Não me importa se ele morreu roubando um banco ou seja lá como. Eu quero saber a verdade. Eu mereço saber e estou preparado pra isso.
— Não é a hora.
— E quando vai ser? Porque parece que nunca chega e tudo que eu tenho são perguntas sem respostas.
— Já chega! Não vamos falar disso hoje, por favor. Hoje é o seu aniversário, tem que ser um dia bom.

— Não sei se será possível. — Digo para encerrar a conversa.
Pego qualquer coisa pra comer e volto chateado para o quarto. Kelly parece triste, no entanto eu nunca entendo porque ela não me conta. Depois de tantos anos sem informações eu já imaginei tudo de ruim que poderia ter acontecido. Penso que nada que ela possa me falar sobre ele vai me surpreender.

Como já está quase na hora de ir para o colégio troco a camisa amassada que eu estou vestindo e coloco outra com uma estampa bonita de pássaros em preto e branco que Malu me deu de presente no meu aniversário de 2 anos atrás. Ela ainda me cai bem e ainda parece muito nova porque ficou perdida por algum tempo no meu guarda-roupas. 

Crônicas do Herdeiro de Rurik: O Rugir da Katana (Em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora