CAPÍTULO DOIS

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Tenho que me apressar ou vou perder os pontos do trabalho de Literatura, o que pode comprometer a minha nota no final do ano. Então, antes de sair de casa estudo todas as minhas anotações para me preparar caso o professor faça perguntas, embora ele não seja tão rigoroso quanto os outros professores. Na maioria das vezes ele só recolhe o trabalho e nem reclama quando os alunos pegam todo o texto da internet.

Prefiro sair de casa silenciosamente para evitar que minha mãe me veja e toda a discussão sobre o meu pai continue. Não saber o que aconteceu com ele me incomoda desde de sempre, já que todos na rua tinham pai e mãe e eu sempre tive só a kelly. Por isso, mesmo gostando muito dela, quase sempre que surge esse assunto a gente acaba brigando.
Meu melhor amigo Tobias mora no final da rua, então sempre passo lá e a gente caminha juntos mais um quarteirão até chegar na nossa escola. De longe vejo que ele já está na cerca me esperando impaciente. Então corro até lá. Ele está usando uma camisa do homem aranha que sempre que está limpa usa para sair, um tênis azul e com uma calça jeans que parece nova.

Como nossas casas são na mesma rua, quando éramos crianças sempre apostávamos corrida de uma casa a outra o dia todo. Eu quase sempre ganhava porque Tobias sempre foi de comer muito e acabou saindo de forma. Imagino que ele deveria estar muito mais gordo do que realmente é, mas graças aos constantes esforços de sua mãe nutricionista, Tobi nunca engordou muito. Tobias é loiro, tem olhos azuis e é um tanto baixo para sua idade, mas nada fora do comum. Sua pele é um pouco mais clara do que a minha.
- Fala Jack. Está atrasado como sempre. - Tobi me cumprimenta quando me aproximo.
- Pois é. Eu acordei tarde hoje e demorei muito para terminar a análise do livro de Literatura.
- Merda. Eu tinha esquecido completamente desse trabalho. - Reclama Tobias.
- Relaxa. Deve dar tempo pra você ler as minhas anotações e copiar. - Sugiro.
- Espero que sim. - Diz apressado.
- Graças ao trabalho eu acabei não tendo tempo de ligar o computador para testar o jogo, mas podemos ir para minha casa depois da aula para jogar. - Lembro.
- Não mesmo Jack, tenho que chegar em casa cedo hoje ou minha mãe vai surtar. Ela marcou outro exame sobre a tal síndrome da mão alheia. Acho que ela não entende que é um máximo que minha mão tenha vontade própria. - Ele responde com indignação.

Na quarta série os professores perceberam que Tobi apresentava "um comportamento estranho com as mãos", a mãe dele ficou extremamente preocupada, entretanto ele fez de tudo para atrasar qualquer tratamento, pois não queria perder a habilidade. Os alunos da quarta série acharam tudo muito engraçado e logo ele passou a ser chamado por todos de Tobi-Mão-Louca.
- Então finalmente você decidiu ir ao médico? - Pergunto surpreso.
- Minha mãe não me deu escolha. Ela escondeu meu smartphone e só vai devolver depois do tal exame, por isso que desde então eu estou sem jogar Free Fire.
- Isso não me surpreende, mas vai ser bom pra você. Não é bom que alguém de 16 anos não controle as próprias mãos.
- Você também está contra mim agora? Eu já expliquei que é um superpoder. Os super-heróis não são compreendidos quando suas habilidades ainda não estão completamente desenvolvidas, parece que agora nem mesmo pelos seus melhores amigos.
- Tente explicar isso para o médico. Talvez ele entenda e deixe você continuar com seus poderes. - Comento porque sei que Tobi acabaria dando um jeito de faltar ao médico se não achar que tem uma chance de manter seus poderes.
- Você acha mesmo? Preciso explicar em detalhes o dia que minha mão te puxou da frente daquele carro que estava preste a te atropelar. Ele vai ter que reconhecer o poder da mão. - Diz um Tobias esperançoso.
- Ah, qual é? Eu já ia sair da frente e o carro estava a uns 10 metros de distância. A sua mão está mais pra vilã porque me jogou dentro da possa de lama aquele dia.

- Você diz isso agora porque a pressão do momento já passou, mas a super mão aqui, caro Jack Carter, salvou a sua vida e você deveria ser grato e me emprestar seu celular pra eu jogar umas partidas de Free Fire depois da aula.
- Está bem, está bem, mas traz amanhã. - Respondo entregando o meu celular, não me importo muito em me desfazer dele, pois não sou tão apegado com essas coisas, apesar de me divertir um pouco com os jogos. - Mas vamos nos apressar. Não podemos perder pontos por atraso.
A rua está calma. Só um ou outro carro passam de vez em quando. As nuvens começam a ficar acinzentadas, por isso penso que há um pequeno risco de termos que voltar para casa na chuva.
- Talvez eu leve o seu celular à noite pra sua casa. Esqueceu que sua mãe vai fazer um bolinho para comemorar o seu aniversário hoje à noite? -Tobias pergunta.
- Você sabe que eu não gosto de aniversários, mas minha mãe insiste em fazer todo ano, por mim não teria. - Digo.
- Mas vai ser bom, vai ter comida afinal. - Afirma um Tobias guloso.
- Só não deixe de ir, ao menos vamos poder jogar videogame para sair do tédio.
Quando, enfim, chegamos o professor Franklin já começou sua aula. Mas, como ele gosta de mim porque sempre fico atento em suas aulas, nos deixa entrar sem questionar o motivo do atraso.

Tobias senta na cadeira atrás de mim e sem que o professor perceba, começa a copiar as minhas anotações sobre o livro A Balada do Velho Marinheiro com os meus frequentes avisos para fazer algumas modificações para não ficar tão na cara que é copiado. Por sorte, o Sr. Franklin está distraído contando histórias do dia que foi em um parque de diversões. Parece que ele ficou especialmente encantado com a roda gigante e nos conta tudo em detalhes, como se fosse a sua primeira vez em um brinquedo assim.
Todos os alunos acham o professor Franklin muito estranho. Uma vez ele passou muito tempo admirando uma caneta que tinha a função de mudar de cor que uma aluna estava usando. Ele pediu a caneta emprestada e passou a aula toda revezando as cores enquanto riscava feito uma criança uma folha em sua mesa. Outra vez, ele me perguntou qual era a função de um corretivo que eu estava usando para corrigir um erro de escrita e ele pareceu muito interessado em saber mais sobre corretivos.
Mesmo assim ele é um dos professores que os alunos mais gostam, pois sempre é legal com todos e costuma dar alguns pontos a mais nas provas. Na prova de Literatura do bimestre passado, por exemplo, eu tirei 5, e ele me deu mais 4 pontos por participação durante as aulas. Tobias também deveria ter notas muito baixas na matéria, mas graças aos pontos extras que o professor Franklin lhe dá, tem tido notas razoáveis.

Franklin tem os olhos profundamente marrons e aparência jovial, seus cabelos pretos combinam com sua farda preta de professor, em que está escrito uma frase personalizada que cada um dos professores da escola puderam escolher "Professores ganham tão pouco aqui, outro dia eu paguei o aluguel, comprei um milk shake e o dinheiro acabou."

Alguns alunos que provavelmente não fizeram a análise do livro estão usando a velha técnica de fingir que estão adorando as histórias sobre o parque que o Sr. Franklin está contando e, por isso, ele parece motivado a contar cada detalhe até o fim da aula. Sendo assim, Tobias para de copiar as minhas anotações e se dedica em fazer perguntas aleatórias sobre rodas-gigantes e maçãs do amor para que o professor não se lembre que hoje é o dia de receber o trabalho.

A aula já está quase acabando quando a mãe de Tobias, Dora, nos interrompe para chamar o filho para a consulta com o médico. Não consigo ouvir toda a conversa dela com o professor, mas parece que o exame teve que ocorrer mais cedo por causa de algum problema no sistema de agendamentos do consultório. Ele se despede sem muita animação e alguns alunos respondem "Tchau Tobi-Mão-Louca". Dora parece claramente incomodada ao descobrir que até hoje chamam o filho assim, mas parece se controlar e não diz nada, talvez porque está com pressa para chegar logo ao médico. Então, os dois vão embora e instantes depois o professor Franklin finaliza a sua aula.

Depois disso, eu fico esperando mais alguns minutos pelas próxima aula, mas a diretora Davis vem até a sala para avisar que a professora de Matemática está doente e justificou que não poderia dar sua aula hoje, por esse motivo, vamos ser liberados mais cedo. Imagino que a turma contém as comemorações pela notícia, porque da última vez que aconteceu algo assim Davis ficou brava e passou quase uma hora na sala brigando pela nossa falta de compromisso com as aulas, o que atrasou muito nossa saída. Dessa vez, ela pareceu satisfeita com a reação da turma e apenas falou que já podíamos ir embora, mas ressaltou que precisávamos sair com educação um atrás do outro para evitar tumulto na saída. Então ela fica parada de braços cruzados para confirmar que a turma vai sair organizadamente como esperado. Davis é um pouco acima do peso e tem bochechas fofinhas que Tobias sempre sonhou em apertar, mas ela nunca deixou apesar dos constantes esforços dele. Alguns alunos costumam comentar que a diretora já passou dos seus 50 anos e que mente a idade, porque ela sempre se orgulha em dizer que está muito bem conservada em seus 30 e poucos. Nem mesmo os professores acreditam, porém ninguém tem coragem de questionar Davis, afinal ela sempre foi o tipo de pessoa que se irrita fácil e por aqui manda quem pode, obedece quem tem juízo. Apesar de tudo, todo mundo trata a diretora com muito respeito, sabemos que ela é uma mulher de cor que veio de família pobre e conseguiu se tornar muito rica apenas através de seus próprios esforços, ela sempre comenta que ninguém nunca a ajudou a chegar onde chegou e que muitos foram racistas.

Crônicas do Herdeiro de Rurik: O Rugir da Katana (Em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora