𝕮apítulo Ⅰ ⤞ Quebra de mandamento

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Tão alto, tão fresco, tão aconchegantes fossem estes pedaços de desenhos em branco modificando-se nos mais variados formatos à medida que o vento cicia-lhes fraco. Aqui encontrava-me eu, deitado, aproveitando a chama que queima acima de nossas cabeças há tantos bilhões de anos, esta estrela tão esplendorosa, mantendo o oxigênio neste globo de tamanha imperfeição.

Abri um dos olhos que antes duplamente cerrados, no êxtase daquele calor, estavam. Minha íris amarela como o mel mais puro, parou no outro emplumado que acabara de deitar ao meu lado, este mesmo houvera de provocar um alvoroço em nuvens que antes vagavam prósperas, sem causar incômodos.

Permanecemos assim uns minutos, silenciosos, sem lobrigarmo-nos. Mesmo que houvessem palavras para ausentarem-se de minha garganta, era relativo ir de oposição a divisão de grupos, e o azulado de modo ou maneira apoiaria tais curiosidades de exploração da terra, creio; mas por medo disso espalhar-se e chegar até o lóbulo da grandiosa dos céus, escolhi passar dias e noites sonhando acordado com aquela escuridão misturada de fogo ardente, feito a lava de um vulcão devorando o que via pela frente.

— Eu... — interrompi o assovio galanteador do vento. A face do amigo virou-se, encarando-me.

Não. Eu sou puro de alma, sangue e físico, dos magros pulsos que rodeavam os dourados braceletes, fraco, até a cintura que apenas remexia-se dançando o piano ecoador, cujas teclas compunham a melodia tocante no coração, tintadas pelo branco macio nas minhas costas, misturadas do preto, desconhecido desde o momento em que vim ao mundo.

— Não, não é nada.

— Você tem estado estranho este último mês, sou seu camarada, pode contar o que tanto te aflige.

— Impressão sua, estou bem, juro.

— Vou te confiar só desta vez.

Hoje, no levantar do satélite sem luz própria, deixaria decair o corpo, a gravidade puxar-me-ia até então o que diziam ser o "inferno". A estratégia era iniludível, apenas eu poderia ser o observador, jamais o observado. Calafrios percorriam-me o corpo inteiro só de cogitar a hipótese de ser descoberto e denunciado por desobedecer a regra mais bem estimada durante quase um século; incluso este ano completaria seu ciclo e ambos lados festejariam com os mais variados e caros quitutes. Não comparecerei a tais espampanantes cerimônias, não faço questão dessa divisão, por isso irei lá embaixo, confirmarei por mim mesmo se os carnívoros são como comentam ser.

Céu, agora, matizado por um laranja bonito, relativo ao fruto recém-colhido fresco da árvore e um rosado vívido como os espinhos da predestinada de meu amigo, que recusa-se a tal arranjamento. Eu também haveria de casar-me num futuro próximo e estaria igual de insatisfação, com alguém que obviamente não trar-me-ia atração, alguém tão estranha quanto uma coelha em toca de lobos.

Não fizera muito por mim nem mais ninguém hoje, jogando o tempo fora, espairecendo das obrigações; e que quando o outro despediu-se, voltando à casa, paralelamente a todos angelicais da região, saltei duma das espumas nubladas.

Sensação maravilhosa aquela de estar em queda livre e ter o conhecimento que poderá erguer-se novamente. O sopro forte e gélido no rosto, lágrimas nos olhos secos, que encaravam as habitações ao longe, não tão distintas das nossas, espaçosas, aqui as sementes floresciam diretamente da terra fértil e escura; e abrindo bem as asas de ponta a ponta, escondi-me por trás de alguns rochedos.

"Um nobre e virgem, indo contra seu destino de linhagem, disfarçando agonia com um sorriso meigo, eu sou o pior!" – pensei. Recolhi qualquer vestígio de plumas, parecendo-me a uma raça comum. Desfizera tal mistério, mas não continha-me, não era ainda o suficiente, queria poder ver um deles, nem que lançasse-me de volta aos céus e nunca mais voltasse, que ao menos sessaria tal sentimento. Isso imaginava, sem fazer ideia de que o coração levar ia-me por um caminho desconhecido, a tal estrada comprida e estreita, a claustrofobia, mesmo estando a céu aberto, a agonia, mesmo estando tudo bem.

— Hey! — voz grossa aquela, dirigindo-se as palavras até meu ser, que paralisado via-o chegar perto, com passos curtos — Você não é daqui, né? Nunca te vi antes — linguajar informal, do qual estava deveras desabituado.

— Não senhor, apenas de passagem, inclusive, minha visita chegara ao fim — curvei-me — Tenha uma noite agradável.

— Espera! — com essa palavra, os sinos iniciaram seus badalares altivos e cintilantes, provocando consecutivos toques fortes. Meia-noite.

A força ligeira, a forma de meu pulso ser agarrado pela luva clara daquele carnívoro, a maneira que meu corpo girou voltando-se a ele, que graças a Lua soberba e resplandecente, tocando nossas pelagens, pude notar o quão pulcro era. Meu órgão palpitante apressurou-se, diria que notara as pupilas deste dilatarem quando suas íris turquesas encontraram o mel das minhas. Sua aparência de cor positiva com a que eu levava, os delineados em riscos turquesas acompanhando seus olhos, sobre a cabeça e extremidades, pelagem aveludada, enfim clara, no peito; par de tênis um tanto incomuns, que davam ar de qualidade na hora duma corrida, pele acinzentada e o mais surpreendente, sem posse de boca. "Como haveria de falar? É possível que possa alimentar-se? Seria alguma espécie de punição cobri-la, então em realidade tem uma?" essas e tantas outras perguntas declarava-me em tom mudo.

— Senhor, solte-me, está a lesionar meu pulso — então notei que usava meus braceletes dourados favoritos. "Poderia ele ser um ladrão?" Mas não, fui liberto seguidamente do pedido.

— Desculpa, só não quero que vá embora.

— Em realidade, nem ao menos deveria estar aqui, eu... nós não podíamos estar mantendo sequer um diálogo.

— Esse cheiro...

— Perdão?

— Você está com frio? Senti sua pele bem fresca. Não é mesmo daqui, hã? Pare de esconder, me mostre suas asas.

— Minhas... asas? Não creio poder fazer isso.

— Qual seu problema?! Só me mostre elas logo!

O afeto que sentira a pouco desaparecera por completo, agora o medo de tal insistência vinda em nome d'alma terráquea, surgiu, juntamente por derretimentos escuros como petróleo em formatos tentaculosos, formando-se através das pernas dele, derretendo-se. Este resíduo inesperado manchou-me o rosto de expressão horrorizada, que num impulso súbito de escapatória, lancei o corpo aos céus, já ele, obviamente, viu-me, levemente surpreso.

Eu fugi. Minha sorte fora não ser perseguido, mas agora minha identidade estava revelada a um monstro, que poderá espalhar o fato de um jovem do céu haver de estar em território inimigo. Eles estavam certos, são horrendos, sinto temor, mas... aqueles olhos não me saem da mente.

✧ 𝕾úplicas da meia-noite ✧ (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora