𝘚𝘦𝘯𝘵𝘪𝘯𝘥𝘰 𝘢 𝘮𝘦𝘭𝘰𝘥𝘪𝘢

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— Dez e você?

Olhei desapontado para a folha em minhas mãos. Embora tivesse estudado dia e noite para aquela prova, não havia obtido sucesso. Definitivamente, não era bom com números.

— Seis. — Murmurei, bufando. 

— Na próxima, você recupera. — Ela tentou me animar. 

— Se não consegui agora, não vou conseguir na próxima, Jessi, porque na próxima, vou estar ainda mais inseguro. — Ela fez bico, juntando as sobrancelhas.

— Você não é muito bom em Matemática.

— Nossa, descobriu a América. — Ela juntou as sobrancelhas, brava.

— Ignorante. Mas pelo menos, você é bom em Português e em Inglês. Você não precisa ser bom em Matemática também, só não pode se desanimar para não reprovar. Eu quero ver você ensinando meus futuros filhos. — Arregalei os olhos, descruzando os braços.

— Pensa em ter filhos? — Questionei, batendo-me mentalmente. Que mulher não pensa em ter? 

— Uhum. Uma menina e um menino, e eu quero que você seja o professor deles. 

— Apenas o professor? — Ela ficou pensativa e eu tinha certeza que meu coração estava parado, só esperando o que ela tinha para falar. 

— Você quer ser o padrinho também? — Senti uma fisgada no coração e apenas sorri para disfarçar, enquanto ela sorriu, animada. 

Ao final do dia, saímos da escola, um ao lado do outro. Havia desenvolvido o costume de acompanhá-la até sua casa todos os dias, pois eu não conseguia imaginar ela andando sozinha por aí, já que tinha noção do quão perigosa era a nossa cidade e, embora fosse perto, não podia bobear. 

As palavras faladas mais cedo ainda rondavam minha cabeça. Se ela já pensava em ter filhos, então, com certeza, estava gostando de alguém, certo? Será que era o Marquinhos do terceiro A? Muitas vezes, havia encontrado os dois conversando entre sorrisos no intervalo, mas se fosse, ela teria me falado. Afinal, eu era o seu melhor amigo...

Melhor amigo. Era isso que eu era.

Melhor amigo...

E padrinho dos seus filhos. 

— Bernardo, você está me escutando? — Saí de meus devaneios, piscando algumas vezes e olhando para a garota em minha frente. 

— Disse alguma coisa?

— Disse. Na verdade, eu perguntei. Você quer tomar sorvete comigo? 

— É sempre você quem me convida para fazermos alguma coisa. — Soprei uma risada, envergonhado. 

— Claro, você não toma nenhuma atitude! — Juntei as sobrancelhas, confuso, por talvez ter detectado um pouco de frustração e desapontamento em sua fala, mas achei que fosse só impressão minha. — Vamos!

[...]

 

Assim que chegamos à sorveteria, Jéssica me puxou para uma mesa no canto e nos sentamos um de frente para o outro. Depois, escolhemos nossos sorvetes e, em questão de minutos, eles haviam chegado. O meu era de morango e o dela, de menta. Ela amava sorvetes de menta, apesar de eu não entender como alguém podia gostar desse sabor, pois era simplesmente horrível. 

— Hum… Está uma delícia, quer? — Fiz uma careta e ela riu. — Verdade, você não gosta. 

— Sim, prefiro o meu. — Disse, tomando uma colher, e ela riu. — Jéssica? 

— Hum? 

— Você e o Marquinhos, estão tendo alguma coisa? — Ela se engasgou com o sorvete.

— O quê? De onde tirou isso?

— Imaginei que estivesse gostando de alguém e supus que fosse ele. — Então, ela pegou um guardanapo e passou na boca. 

— Eu realmente estou gostando de alguém. — Jéssica cruzou os dedos e colocou as mãos debaixo do queixo, apoiando os cotovelos na mesa. — Mas não é o Marquinhos. 

— Não? Então... É o Júnior? — Perguntei, lembrando-me do garoto que sempre pedia cola para ela. Então, vi Jéssica revirar os olhos, encostando as costas no assento. 

— Não é o Júnior. Vamos terminar logo aqui. Minha mãe falou para eu não demorar muito hoje, pois ela quer minha ajuda para o jantar. 

Depois disso, não falamos mais nada, a não ser na hora de pagar, em que houve uma pequena discussão, a qual ganhei, claro. 

Quando estávamos voltando para casa, já estava de tardezinha. Em minha mente, ainda batucava a suposta pessoa que a Jéssica estaria gostando, pois eu precisava saber. 

— Você realmente não vai me contar quem é? — Ouvi ela suspirar.

— Ah, Bernardo, como você é lerdo. — Juntei as sobrancelhas.

— Por que está me insultando? — Ela parou, ficando de frente para mim.

— Porque eu estou frustrada! A pessoa que eu gosto não percebe que eu gosto dela. — Disse, fazendo gestos com as mãos, portanto, pude sentir sua insatisfação. 

Então, meu peito apertou ao entender que ela realmente estava gostando de alguém e que estava chateada por causa dessa pessoa. Já entendia meus sentimentos e que eu gostava dela e, por isso, era impossível não querer que ela fosse feliz, mesmo com outro. 

— Por que você não fala para essa pessoa? — Ela passou as mãos pelos fios acastanhados. 

— Eu deveria? 

— Sim. — Nunca doeu tanto proferir uma simples palavra. 

Então, ela olhou ao redor e eu fiz o mesmo. Estávamos a alguns passos da igreja, onde muitas pessoas andavam por ali. Depois, ouvi ela suspirar e voltar a me olhar. 

— Então, tá bom… — Jéssica olhou em meus olhos, fazendo-me ficar tenso com a intensidade. — Eu gosto de você. — Tive quase certeza que ouvi ela dizer que gostava de mim. Portanto, sorri, desacreditado, achando que minha mente estava me pregando peças e meio que formulado uma frase que eu queria ouvir, porém que não podia ser verdade.

— Hã?! 

— Bernardo, a pessoa que eu gosto é você. — Ela ainda me olhava, enquanto meu coração dava um pequeno salto. Era real? 

No mesmo momento, o sino da igreja havia começado a bater. Não sabia o porquê, mas tinha agradecido internamente, pois a melodia do sino foi tudo o que eu precisava para voltar à realidade. Então, eu sorri ou, melhor, gargalhei de felicidade. Por fim, segurei seu rosto angelical com ambas as mãos. 

— Não estou sonhando. — Sussurrei, mais para mim do que para a garota à minha frente. Eu precisava me fazer acreditar que algo assim estava acontecendo de verdade.

— Não. — Ela respondeu, com os olhos presos em mim.

Então, passei os meus pelo seu rosto, sentindo que meu coração fosse sair pela boca a qualquer momento, ao mesmo tempo que as famosas borboletas brincavam em meu estômago. Além disso, o sino ainda tocava e aquele som havia se transformado em nossa melodia, enquanto eu sentia, pela primeira vez, a maciez de seus lábios.

Quando Os Sinos BatemOnde histórias criam vida. Descubra agora