capítulo 10

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Talvez, eu não estivesse totalmente no controle do meu corpo e das minhas emoções nesse momento. Eu me sentia como se estivesse flutuando dentro de um mar de dor, a todo momento tentando me manter forte, ao encarar a grande caixa de madeira, que continha o corpo dela, pálido e sem vida, coberto por pétalas das mais belas rosas brancas.

Embora a sala estivesse cheia, para mim, só existia eu e ela ali. Por meses, tive esperança de que Jéssica acordaria e que, após sua recuperação, sairíamos para jantar, faríamos passeios em família, ou seja, simplesmente viveríamos novamente, felizes e completos.

Tirei o véu que cobria seu corpo e segurei sua mão gelada, acariciando o dorso levemente com o polegar. Depois, subi meus olhos até seu rosto. Agora, eu poderia vê-la sem a máscara de oxigênio, porém não gostava do que via. Diante da situação, preferia que ainda estivesse com a máscara, respirando, e alimentando minha esperança de que voltaria.

Então, tirei do bolso a aliança que havia guardado com tanto carinho, para que pudesse lhe entregar quando saísse do hospital.

- Não foi bem assim que eu tinha imaginado. - Sussurrei, enquanto deslizava a aliança em seu anelar e o objeto brilhava contra a luz. - Até que a morte nos separe, prometemos no altar... - Soltei um riso amargo. - Em nosso casamento, disse tais palavras sorrindo, não imaginando que as experimentaria tão cedo. - Pausei, acariciando sua bochecha sem cor. - Meu amor... Agora, eu te faço outra promessa de que nem a morte será capaz de nos separar.

[...]

O clima fúnebre preenchia todo o local, deixando tudo triste e sombrio. Talvez, fosse meus olhos, mas nesse momento, era como se eu estivesse em um pesadelo escuro e assustador, mas nele, não havia monstros... antes fosse.

Quando chegou a hora de descer o caixão na cova, o desespero tomou conta de mim, como se a ficha estivesse realmente caindo.

Acabou... Simplesmente acabou tudo.

Não veria mais o seu sorriso, nem seus olhos cor de mel ao acordar. A sua voz seria apenas uma lembrança e o calor de sua pele não me esquentaria mais.

Acabou....

Uma parte de mim estava agora a 7 palmos terra abaixo. E já não existia mais. Meu Deus, como doía, como doía olhar para um futuro sem ela.

- Papai! Você está chorando... - Olhei para trás, segurando-me para não chorar ainda mais. Então, me abaixei, ficando na altura dos pequeninos, e tentei sorrir para eles, contorcendo meu rosto.

- A mamãe foi para o céu? - Balancei a cabeça, afirmando, pois estava incapaz de falar algo.

- O senhor disse que ela voltaria, mas ela foi para ainda mais longe... - Alícia falou, com os olhinhos brilhando. Portanto, abaixei a cabeça, segurando o choro alto, deixando apenas as lágrimas caírem uma por uma.

- Ela... Lembra o que o papai disse? - Eles afirmaram.

- Mas a mamãe vai ficar bem lá em cima, papai? Ela vai ficar feliz sem a gente? - Gabriel perguntou.

- Vai... - Minha voz saiu em um sussurro sofrido. - Espero que possamos ser também. - Pensei. Depois, minha mãe se aproximou, então, fiquei de pé em sua frente. - Leve eles para casa, por favor. Eu... Eu... Irei ficar um pouco mais.

- Tudo bem, filho, mas não demore. Lembre-se de que, agora, mais do que nunca, você precisará ser forte por seus filhos.

- Está doendo, mãe...

- Eu sei... Não posso pedir que esqueça sua dor, Bernardo, pois eu sei que você não vai deixar de senti-la. Doi, filho, mas você não está sozinho. Deus vai curar cada dor que está sentindo hoje.

- Seria mais fácil se Ele não tivesse tirado ela de mim.

- Não diga isso. Deus escreve certo por linhas tortas. Ele sabe o que faz e como faz. Não deixe que essa perda tire a fé que você sempre teve, filho.

- Eu sei, mãe, eu sei...

- Eu já vou indo. Qualquer coisa, me ligue. - Assenti e ela saiu junto com Gabriel e Alícia.

A maioria das pessoas já haviam ido embora, porém vi, um pouco distante de onde eu estava, uma pessoa a qual não via há um tempo. Ela não se atreveu a se aproximar, apenas permaneceu me encarando por um longo tempo. Então, ela passou as mãos no rosto e, de cabeça baixa, foi embora. Por minha vez, a acompanhei com os olhos, até não tê-la mais em meu campo de visão.

Depois, suspirei, cansado, e me virei novamente para o túmulo, olhando para a lápide recém colocada. Encarei sua foto ali e, infelizmente, foi tudo o que havia sobrado: fotos e lembranças de tantos momentos vividos e compartilhados, desde que éramos adolescentes, ainda amigos, até adultos, casados.

Não foram dias, foram anos. Anos construindo um vínculo de amor.

Eu estava em uma briga interna entre "eu tenho que aceitar" e "como poderei aceitar?" Questionando-me silenciosamente se serei forte, embora eu sabia que precisava ser. Não que eu não confiasse na vontade de Deus, mas neste momento, a minha mente gritava: "Por quê?". Nada acontece sem a Sua vontade, mas por quê? Eu não teria resposta e doía não tê-la.

Então, olhei para o céu, sentindo a brisa no meu rosto. O dia estava ventoso, mas graças ao sol, não estava frio. Tudo estava tão silencioso e, mesmo assim, tão barulhento em minha cabeça. Se antes doía, agora era insuportável...

- Eu queria voltar no tempo... Voltar para aquela noite, em que nos divertimos, eu, você, e as crianças. Se eu soubesse que semanas depois daquela noite, você não estaria mais aqui, não teria te deixado ir para aquele evento e te protegeria de tudo e todos... Eu só queria te proteger, amor. Mas infelizmente, não sou capaz de prever o futuro e, mesmo se eu pudesse prever, será que eu seria capaz de impedir? Aquele motorista estava bêbado, se não fosse você, seria outra pessoa. Alguém iria morrer... E, sinceramente, queria que fosse eu em seu lugar, apesar de saber que seria você que estaria triste agora, mas pelo menos, você poderia acompanhar o crescimento dos nossos filhos... E até melhor do que eu... Está tão difícil de aceitar, amor. Eu achei que por você ter continuado viva após ser atropelada, Deus estaria me dando uma segunda chance de te proteger, mas novamente não fui capaz. Eu me pergunto o porquê de ele não ter te levado naquele dia... Será que Ele quis me ver sofrer? - Respirei fundo e ri soprado, fechando os olhos. - "De onde você tirou isso, Bernardo? Onde já se viu um Pai gostar de ver um filho sofrer?" É o que certamente você me diria. Eu sei, amor, eu sei que Deus não quer que seus filhos sofram. Você me ensinou isso. E eu serei eternamente grato a você e sou ainda mais grato a Deus por ter me permitido conhecer você aquele dia na rua.

Então, levei minha mão ao meu peito esquerdo, bem em cima do meu coração, no momento em que as lágrimas voltaram a embaçar minha visão.

- Dói, amor... As lembranças doem... - Naquele momento, o vento bagunçava todo meu cabelo.

Depois, olhei em volta, respirando fundo, e vi uma única rosa vermelha a dois passos dali. Então, andei até ela e a peguei, sentindo seu perfume, depois voltei ao túmulo de minha esposa com a rosa em mãos.

- Porém, mesmo doendo, manterei todas nossas lembranças guardadas em minha memória e aqui.. - Assim, apontei para o meu coração.

E, antes de sair, levei a rosa até meus lábios e a beijei com todo amor e dor que estava sentindo. Por fim, a coloquei suavemente sobre a lápide, sussurrando para a brisa que passava:

- Te amarei até o infinito... Talvez, um pouquinho mais.

Quando Os Sinos BatemOnde histórias criam vida. Descubra agora