ONZE

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Juliette Freire.

Sorri para ela, embora ainda não me livrasse da culpa e da vergonha.

- Preciso ir. Você já viu alguém para cuidar de Cecile quando precisar sair?

- Ainda não, mas...

- Deixe-a comigo.

- Não, você já tem feito demais.

- Quero cuidar dela. E não me ofenda oferecendo pagamento. Amo aquela menininha. Ela alegra a minha vida. Além disso, posso ficar sempre de olho na enfermeira e ver se ela cuida bem de Bil.

- Ah, Carla! - Abracei-a com força. - Você não existe! Nunca poderei pagar o que você faz por mim!

- Eu não quero pagamento. Quero que seja feliz. Já sabe que horas vai sair amanhã?

- Sei que terei que passar a noite fora. - Evitei encará-la.

- Posso dormir aqui. Não se preocupe. Agora tenho que ir. Já está tarde e Thaís já deve ter chegado do escritório. 

Concordei e levei-a até o portão e esperei até que ela entrasse na casa ao lado da minha. Depois voltei para dentro de casa e tranquei a porta. Peguei a minha bolsa e entrei no quarto de Cecile. Enchi-me de amor ao vê-la dormindo profundamente, agarrada com seu velho ursinho. Cobri-a com o lençol, beijei sua bochecha macia e acariciei os cabelos espalhados pelo travesseiro.

Guardei o envelope com o dinheiro e o contrato bem escondido, dentro do guarda-roupa. Depois peguei dois lençóis e um travesseiro e saí do quarto na ponta dos pés. Deixei a porta aberta, pois do quarto em que dormia com Bil eu poderia ver Cecile.

Entrei silenciosamente no quarto de casal, sempre com um abajur aceso e quase sem móveis e objetos, para não acumular poeira. Bil dormia profundamente, virado para o outro lado. Evitei olhar para ele. Deixei o travesseiro e os lençóis em cima de uma cadeira e saí novamente.

Tomei banho, pus uma camisola, escovei os dentes e fui pegar o colchonete embaixo da cama da minha filha. Depois voltei ao quarto e arrumei o colchonete no chão, forrei-o com um dos lençóis e ajeitei o travesseiro. Há muito tempo eu dormia no chão, pois não incomodava Bil na cama. Ali podia ficar de olho nele e trocar sua posição ou seu soro durante a noite.

Depois que tudo ficou preparado para que eu me deitasse, fui até o soro e percebi que o vidro estava cheio. Só então me abaixei perto da cama e fitei meu marido. Magro e pálido, ele dormia com a boca aberta e roncava um pouco. Era difícil alimentá-lo, já que quase não acordava mais. Assim, ele era mantido vivo por remédios adicionados ao soro por uma traqueostomia feita no hospital. Eu inseria alimentos líquidos com uma seringa pelo canal em sua garganta.

Acariciei o cabelo escuro e macio. Bil sempre tivera um cuidado especial pelos cabelos e eu procurava mante-los limpos. Virei-o de barriga para cima com cuidado e conferi se sua fralda estava seca. Só então eu o cobri, olhando-o com os olhos cheio de lágrimas.

Ele era uma sombra do passado. Lembrei de como eu era apaixonada por ele, desde menininha e de como o seguia por todo canto, sonhando que um dia nos casaríamos. E de como fomos felizes por um bom tempo.

Minha vida com ele não foi um mar de rosas. Várias vezes até pensei em me separar, cansada de suas irresponsabilidades, de sua fraqueza por mulheres bonitas e por gastar dinheiro. Ele vivera como uma criança, mas depois sempre me pedia desculpas, dizendo que aquilo nunca mais se repetiria e acabava me convencendo a ficar.

Depois viera a doença e logo depois minha gravidez. Lutamos juntos e ele amadureceu mais em um ano do que em toda vida. Ele não queria morrer. Não queria penar em uma cama de hospital. Queria poder cuidar de mim e da nossa mais nova  filha. E eu prometera ficar ao seu lado até o fim. Ele sabia que eu nunca o deixaria.

CHANTAGEM - SARIETTEOnde histórias criam vida. Descubra agora