"Não é que eu seja pessimista, o mundo é que é péssimo. Eu não escrevo por amor, mas por desassossego; escrevo porque não gosto do mundo em que estou a viver."
— José Saramago
A cortina foi puxada revelando a pintura mais linda e detalhada de todo quarto. Tomura cresceu os olhos, seu coração sentindo uma agulha fina transpassar por ele numa surpresa e admiração cortantes.
A pintura tinha o vibrante de seus olhos ainda brilhantes pela tinta fresca, a expressão cansada e a pele seca e branca detalhadas tão bem que quase pareciam o fazer brilhar.
Em seus braços a figura de Midoriya se agarrava a si, afundando seu rosto no tronco do maior. Eles estavam se abraçando, juntos, sem nenhuma distância, detalhada com pinceladas suaves e claras como se fossem miragens nos céus ao amanhecer.
O sorriso rasteiro em seu rosto passava um sentimento genuíno e inocente que com toda certeza o prenchia.
Tomura parecia um anjo nas pinturas, um sol enorme e inesquecível.
E era exatamente assim que Izuku o via.
— Gostou? —
Seu sorriso no rosto era enorme e emocionado, sentia-se imensuradamente feliz ao ver como os olhos de Tomura se arregalaram e refletiam com um sentimento de felicidade tão grandes que faziam seus olhos tremilicarem.
Era a primeira vez que o via corado. Era algo quase imperceptível, mas estava lá! Um rosado abaixo dos escarlates dando vida ao rosto pálido do albino.
— Sim. —
Murmurou, seu rosto desviando para a parede ao seu lado. Izuku riu com o punho frouxo a frente de seus labios antes de gargalhar um pouco.
Aquilo fez Tomura ficar ainda mais constrangido e levemente irritadiço.
— Na verdade. — Izuku falou após um momento, sua voz saía timida quase que inaudível ao mesmo que manhosa pelas palavras que viriam a seguir. — Eu queria dizer que... E-eu g-gosto muito de você. —
O suspiro de alívio tirou todo peso incômodo de seu peito, como se o levasse para descansar após longos dias de trabalho e exaustão.
Se Tomura já possuía um tom rosado abaixo de seus olhos, agora claramente poderia se ver o vermelho febril atacando seu rosto. Formigava e queimava, seu peito afundava em pluma como se estivesse visitando o paraiso naqueles pequenos eternos segundos.
Sim, o paraíso não são mais do que eternos segundos.
Disse a si mesmo, lembrava de sua mãe dizer aquilo várias vezes. Ela não parecia feliz, mas seu sorriso e olhar distante pareciam a levar até aqueles segundos que se tornaram eternos em sua mente.
Agora Tomura tinha o seu.
— Também gosto de você. —
Sua voz poderia não ter falhado, mas ainda saiu baixa e hesitante com todo seu constrangimento. Mas se Izuku teve a coragem para o dizer, por que ele não o diria?
Talvez fossem apressados e descuidados demais, nenhum dos dois tinha certeza dos sentimentos guardados no peito um do outro sobre eles, porém os mesmos conheciam o peso de palavras não ditas.
Quantos arrependimetos consegue guardar? Eles certamente já haviam suportado muitos deles, além do necessário, e a culpa devoradora certamente os servia de lição para nunca mais cometer o mesmo erro.
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porquê se você parar para pensar, na verdade não há.¹
Quantas mortes Tomura não só teve de assistir como foi o causador delas? Seu consciente era mais pesado do que a pedra que Deus não poderia carregar.²
Todos os gritos, todas as famílias, todas as lágrimas, todo sangue em suas mãos, todo peso de vidas que estavam guardados na sua bagagem.
Tomura é um ceifador que repudia seu trabalho, brincar de dona morte sempre foi seu maior fardo. Seja lá o que tenha feito em sua vida passada, seu carma serviria pelas próximas 10 vidas.
Tomura nunca estaria contente consigo mesmo, ele simplesmente nunca aceitaria estar vivo. Ele era um perigo para sociedade, para todos a sua volta, e até para os que ama.
Tomura é um erro que não deveria existir, ele apenas não suporta mais a idéia de viver um dia após o outro.
Tudo que Tomura quer é apenas que sua existência se dissipe em grãos, como se ele nunca tivesse existido, sem deixar vestígios. Ele quer morrer e descansar, morrer sem reencarnações, dividas para pagar do outro lado, ir para eternidade do céu ou inferno.
Tomura quer apenas deixar de existir.
Mas ele não consegue pensar constantemente nestas coisas quando Izuku sorri. Quando está seguro sempre a 3 metros de si, quando tem a chance que nunca cogitou ter, de amar alguém.
Um pequeno anjo estava bem na sua frente, e talvez ele pudesse o salvar de todo aquele caos em chamas, de toda perca de sanidade mental, toda psique frágil e quebradiça que possuía. Por que Tomura não era mais do que alguém à 7 palmos abaixo da terra no fundo do poço, entalado numa estaca banhada em sangue, para nunca ser capaz de escalar para o topo.
Izuku conseguia ser a corda que ele sempre esperou, seja para subir ou se enforcar com ela. Shigaraki estava disposto a usá-la para qualquer uma das opções, porquê Izuku valia, toda sua miserável vida, e todas as inocentes vidas que tirou.
Tomura havia desistido de tentar. Viver em dor, ter de ser forte a toda e cada amanhecer³ era algo que havia desistido. Como já dito, o albino apenas respirava.
Chegou ao ponto tão deplorável em que diversas vezes se perdia nos dias, entrando em comas induzidos naturalmente, seus debates mentais haviam se calado, simplesmente.
Sua mente era um silêncio agudo e solitário, mil vezes pior que qualquer guerra de inseguranças que tinha no início.
"Não quero mais sentir". Ele pediu por isso diversas vezes nas noites em que o frio e dor lhe devoravam por aquilo, sem jamais esperar que seu simples desejo, fosse mil vezes pior do que ainda poder chorar todas as noites.
A vida simplesmente é um jogo ridículo de azar, onde só se perde, e todas suas fichas são tomadas pelas mãos sujas de uma ilusão de felicidade.
Não importa o quanto tente, o quanto faça, no final estaremos todos mortos, a vida simplesmente não possui um sentido, não há escolhas. No final você sempre estará sendo esmagado pela terra fria, virando adubo.
Não há dúvidas, estamos todos no inferno.
Contínua
N/A:
Para quem ñ sabe, os caps ag saem somente as sextas-feiras
Cap revisado pelo lindo do fujoshifooda_
[1] Trecho da Música da banda legião urbana - pais e filhos.
[2] Esse vem da idéia de uma questão filosófica, "Se Deus pode tudo, poderia ele criar uma pedra tão pesada que nem ele seria capaz de ergue-la?
[3] Trecho da música da Banda Legião Urbana - Clarisse
Obrigada pela leitura 🖤
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𝙲𝚛𝚘𝚗ô𝚖𝚎𝚝𝚛𝚊𝚐𝚎𝚖 𝚎𝚗𝚝𝚛𝚎 𝙰𝚕𝚖𝚊𝚜 |BNHA
Fanfic"𝑃𝑟𝑒𝑐𝑖𝑠𝑎𝑚𝑜𝑠 𝑑𝑜 𝑡𝑜𝑞𝑢𝑒 𝑑𝑒 𝑞𝑢𝑒𝑚 𝑎𝑚𝑎𝑚𝑜𝑠 𝑞𝑢𝑎𝑠𝑒 𝑡𝑎𝑛𝑡𝑜 𝑞𝑢𝑎𝑛𝑡𝑜 𝑜 𝑎𝑟 𝑞𝑢𝑒 𝑟𝑒𝑠𝑝𝑖𝑟𝑎𝑚𝑜𝑠." Tem alguma forma diferente de se comunicar, uma forma que invade além da pele dos dois, uma que os toca se...