Correntes

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***

Na noite anterior, quando me preparava para dormir, pensei que acordaria no dia seguinte e imediatamente me arrependeria de ter cedido às investidas de Carolina. Mas quando levantei para ir trabalhar,a primeira coisa que passou na minha mente foi a ideia de ir lá acordá-la só para lhe dar bom dia.

É claro que eu continuava receosa quando a tudo isso, mas a ideia me parecia cada vez menos complicada e mais agradável. Carolina, apesar de jovem e do corpo pequeno, pensava e agia — na maior parte do tempo — como alguém mais velha. E ela não se fez de rogada para deixar nítida a sua atração por mim. E agora eu já não conseguia esconder que também me sentia assim.

Dentro de um tempo eu poderia olhar para trás e certamente veria o quanto isso era errado, mas no momento eu não estava dando muita importância as questões morais.

Resisti ao impulso de acordar Carolina e desci as escadas, seguindo o cheiro de café fresco até a cozinha, onde Liz estava de costas, cortando algo em cima do balcão.

— Bom dia, Liz — cumprimentei com um sorriso indo direto para a cafeteira.— Bom dia, Dra. Passos. Vai tomar o café da manhã em casa hoje? — ela perguntou parecendo surpresa por me ver ali.

— Vou. Mas não tenha pressa. Vou ler um pouco o jornal.

Apesar de prolongar ao máximo a hora de sair na tentativa de ver Carolina antes de ir para o trabalho, quando eu vi que teria que sair logo ou me atrasaria, me contentei apenas em deixar um recado com Liz pedindo para Carolina me ligar quando acordasse.

E eu já estava fazendo a primeira ronda quando meu celular vibrou no bolso do jaleco e eu atendi apenas para lhe dizer que retornava a ligação em dez minutos. Terminada a ronda, fui para o meu escritório e liguei de volta para casa, sorrindo quando Carolina atendeu.

— Você dorme demais, sabia? — comentei depois de cumprimentá-la.

— Passei a noite sonhando. Não queria acordar — ela se defendeu em tom dengoso.

— E que sonhos foram esses? Posso saber? — perguntei, me recostando na minha cadeira de couro, sentindo um sorriso surgindo nos meus lábios.

— Sonhei que você entrava no meu quarto só de jaleco e nada mais e dizia que queria brincar de médica. Hum... E você deve estar vestindo esse jaleco agora, não é? Você poderia vir com ele hoje para realizarmos esse sonho. O que acha?

— Eu nunca levo o jaleco para casa, Carol. E por favor, vamos mudar de assunto? Eu estou no trabalho e não posso ficar falando sobre essas coisas.

— Então eu também não posso falar que estou chupando um pirulito?

Abaixei a cabeça deixando-a bater no tampo da mesa e fechei os olhos, respirando fundo para afastar aqueles pensamentos da minha mente.

— O que você vai fazer hoje? — perguntei tentando desviar o assunto.

— Ler um pouco ou rasgar mais algumas folhas de um certo livro. Vai chegar tarde hoje?

— Não. Devo chegar um pouco mais cedo que ontem. E deixe meu livro em paz.

—Ele é tão interessante. Achei um poema perfeito aqui. Quer que eu leia para você?

— De jeito nenhum — falei apressada.

— Tudo bem. Mas eu vou ler outro para você.

— Acho melhor não.

— Relaxa. Não é desse livro. Posso? — Pensei um pouco antes de murmurar um "sim", me preparando para o caso de ela estar mentindo, mas ela não estava. — "Demasiada loucura é o mais divino juízo. Para um olhar criterioso, demasiado juízo, a mais severa loucura. É a maioria que nisto, como em tudo, prevalece. Consente e és são. Objeta, és perigoso de imediato. E acorrentado."— Serei louco então se tentar agir como alguém ajuizado?

𝗗𝗼𝗰𝗲 𝗣𝗲𝗰𝗮𝗱𝗼 - G!POnde histórias criam vida. Descubra agora