Se entregar

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***

Acordei na manhã seguinte pouco depois do amanhecer, sentindo um aroma maravilhoso para aquele horário. O cheiro do café fresco me fez pensar em Liz, embora eu soubesse que ela não estava em casa. Mas quando levantei, me deparei com uma bandeja de café da manhã completo aos pés da minha cama.

Nela havia um bule por onde saía fumaça e junto o cheiro do café preto, pequenos pãezinhos numa cesta forrada, fatias de frios, algumas frutas e um copo de suco de laranja. Ao lado, num canto da bandeja, o jornal de domingo estava enrolado numa fita vermelha, preso junto com um pequeno pedaço de papel.

E foi esse papel que eu peguei primeiro, antes mesmo de matar a fome que já sentia.

Pensei que seria mais um dos poemas rasgados do meu livro, mas era um simples papel branco — ao contrário da folha velha e amarelada do livro — com a caligrafia peculiar de Carolina.

"Teu rosto, teu corpo, teu fogo

Se te escolhi, não foi por desgosto

Se menti, não foi por querer

Menti para não te perder

Menti pois queria te ter

Mesmo que por um instante

Ou talvez por um instante maior

Escolhi teu rosto, teu corpo, teu fogo

Mas te escolhi também porque tenho certeza

Que mesmo por um instante

Ou talvez um instante maior

Você também escolheu a mim

Seja por meu rosto, meu corpo, meu fogo

Você escolheu a mim."

Li e reli aquele poema desconhecido dezenas de vezes enquanto comia devagar, sem pressa de sair do quarto para enfrentar o que me esperava lá fora.

Sim, Carolina tinha me escolhido para ser a sua primeira. Mas da mesma forma, eu tinha escolhido-a também para ficar ao meu lado. Simplesmente porque eu a queria ali. Não tinha um motivo específico para querer isso. Sem dúvida Carolina era linda, encantadora, divertida, e sensual até um ponto que poderia ser considerado ilegal. Mas não era porque eu a amava que queria ficar com ela. Queria apenas porque queria. E talvez ela me quisesse pelo mesmo motivo.

Escovei os dentes com certa impaciência e fui direto para o quarto de Carolina, encontrando a porta aberta, de onde eu podia vê-la na cama. Ela estava deitada de bruços lendo um livro, ainda com a mesma camisola transparente de ontem, e eu tentei não reagir àquela imagem.

Bati de leve à porta para anunciar minha presença e ela me olhou por sobre o ombro, voltando logo a folhear o livro.

— Bom dia — cumprimentei, entrando sem esperar que ela autorizasse, e sentei ao seu lado na cama. — Obrigada pelo café da manhã. Estava tudo delicioso.

Mas Carolina continuou em silêncio, me ignorando de propósito.

— Você comeu alguma coisa? — perguntei, insistindo em fazê-la falar comigo, mas tudo que ela fez foi assentir, sem abrir a boca. Sem saber bem como agir diante daquele silêncio, deitei na cama, de costas, de forma que nossos rostos ficaram lado a lado, permitindo que Carolina me encarasse se quisesse. Mas ela não parecia querer. — Por que você me escolheu, Carolina? — perguntei indo direto ao assunto. — Por que eu, que nada tenho a te oferecer?

Ela finalmente pareceu reagir, porque fechou o livro sem se dar ao trabalho de marcar a página que estava lendo, o que me fez pensar se ela estava lendo de verdade, ou era só um pretexto para me ignorar.

𝗗𝗼𝗰𝗲 𝗣𝗲𝗰𝗮𝗱𝗼 - G!POnde histórias criam vida. Descubra agora