"O céu é meu teto; a terra é minha pátria e a liberdade é minha religião" - Provérbio Cigano
Os primeiros raios do Sol rompiam timidamente a escuridão, pintando o céu de tons de laranja e rosa, enquanto eu despertava sob o céu aberto do campo, era uma manhã especial, quando a natureza parecia se unir a nossa celebração. Abro meus olhos lentamente analisando com atenção a fenda do sol que invade minha tenda, formando um suave feixe de luz, fecho meus olhos em seguida para inspirar profundamente e sinto que tenho motivos suficientes para sorrir logo cedo. Sentir-me viva e poder desfrutar das coisas que a natureza oferece é sem dúvidas uma das melhores sensações para minha alma.
Levantei-me com cuidado, enrolando minha manta colorida ao redor dos ombros e a grama macia faz cócegas em meus pés descalços enquanto saio da tenda, vejo o horizonte em minha frente e tudo é exatamente mais lindo do que eu poderia descrever um dia, o contraste do verde da mata com o céu azul. Vejo á frente as mulheres preparando o café da manhã, homens arrumando a mesa, todos em harmonia e as crianças correndo livremente pelo campo, assim como um dia eu já o fiz, sorri ao vento em seguida sentindo-me grata pela vida em que levo, a sensação de liberdade que vem seguida pela graça de ser cigana, é estar em paz e em harmonia com a natureza.
Observando minha família e os outros ciganos já reunidos, o aroma tentador de café fresco e pães recém-assados se misturava com o cheiro natural do campo, criando uma sinfonia de aromas que me fazia sorrir. Ao me aproximar da mesa de café da manhã, o fogo leve e manso no forno a lenha, o rosto sorridente de minha mãe, meu pai e minhas tias me cumprimentaram calorosamente. Era um privilégio fazer parte dessa comunidade, sentei ao lado de minha mãe, Maria, que me envolveu com um suave beijo em minha testa seguido de um cafuné em meu cabelo. Enquanto meu pai, Ricardo, me servia uma caneca de chá perfumado, definitivamente era hortelã, meu favorito.
- Bom dia, luz dos meus dias! Acordou ainda mais radiante essa manhã. - Disse meu pai, com toda sua ternura e seus olhos brilhando em direção a mim.
- Bom dia, pai! Eu agradeço, mas são seus olhos. Se vê beleza em mim é porque... - Ele me interrompeu antes mesmo que eu pudesse terminar.
- Certamente há beleza em mim também, conheço essa sua frase, mocinha! - Arrancando um sorriso e me fazendo assentir com a cabeça.
Ora, e não é verdade? Se as pessoas tem o dom de verem beleza nos detalhes e nas coisas mais simples, definitivamente há beleza e amor dentro delas. É assim que eu penso a respeito!
- A manhã está linda hoje, Camila! - Minha tia Samira chegou na mesa, trazendo nas mãos uma cesta repleta de morangos frescos, aparentemente havia acabado de colher. - Veja só, todos maduros, prove, estão docinhos, mais tarde podemos fazer uma torta. O que acha?
- Eu acho perfeito, tia! Nada como suas tortas de morango ao entardecer. - A cigana de cabelos ondulados na cor castanha e olhos de tom mais claro sorriu ao me ver falar e se sentou ao lado de seu filho.
Cada gole daquele chá aqueceu meu coração, assim como cada pedaço daqueles morangos, a presença amorosa de minha família tornava tudo especial e significativo. As conversas animadas e as risadas ressoavam entre nós, como se cada manhã no campo fosse uma oportunidade de ouro para renovar nossos laços familiares, era assim que mantínhamos vivas as tradições que nos uniam como ciganos.
O sol já estava alto no céu e assim o leve som de músicas ciganas começou a preencher o ar suavemente, tocadas por violinos e pandeiros, automaticamente senti meu corpo começar a vibrar com as batidas da música, como um leve formigamento em minhas mãos que se distribuiu por todo meu ser, senti meus olhos fecharem sem que eu percebesse para sentir o vento se chocar contra minha pele e a melodia invadindo meus ouvidos em pura sintonia. Senti uma mão tocando meu ombro e despertei do transe em que me encontrava, era meu primo mais novo me chamando para dançar, com um sorriso de criança animada.
Levantei do banco e me coloquei de pé a sua frente, percebendo seus olhos subirem para se encontrarem com os meus, o garoto que já não gostava mais de ser chamado de criança, estava se tornando um adolescente quase da minha altura, adquirindo cada dia mais os traços ciganos fortemente em seu rosto, os olhos profundos e repletos de charme.
- Dança comigo, Mila? Quero aprender a conduzir melhor. - Falou com um tom entusiasmado, arrancando uma risada sincera da minha tia.
- Claro, mas depois vai me explicar melhor sobre esse desejo de condução, rapaz. - Ele sorriu sem jeito negando com a cabeça.
Nossos pés descalços tocavam a terra e nossos corpos fluíam em harmonia com a música, era uma dança repleta de liberdade, de raízes e conexão com a natureza do ser e sentir. O deixei me conduzir enquanto segurava minha saia, levantando até o alto da cabeça, estávamos envoltos em uma sintonia de giros, enquanto ele batia palmas no ritmo da música, me fazendo sorrir para o vento e sentindo o quanto é bom viver nessa leveza, na energia mais pura de amor e felicidade.
Após uns bons minutos de dança, os raios dourados sobre todo nosso acampamento, iluminava o campo verdejante e as coloridas tendas. Naquela manhã, quase tarde, o aroma do café ainda fresco e das ervas aromáticas misturavam-se com a fragrância da terra molhada pelo orvalho da madrugada e som suave do violino de Anton, cigano talentoso de nosso grupo, ressoava enquanto os ciganos se movimentavam em seus afazeres. Era possível ouvir os cavalos relinchando ao longe, animados e ansiosos para o começar do dia, as crianças pela campina entre as árvores brincando como só elas sabiam fazer, ao longe consegui observar os homens ciganos e Pablo, que é responsável pelos rituais de nosso povo e pela gratidão à natureza, com as mãos estendidas ao céu no horizonte, ele proferia palavras antigas de agradecimento, lembrando a todos a importância de respeitar a terra que nos acolhe e nos dá tantos frutos.
Após o ritual, eles se ocuparam com os cavalos e a manutenção de algumas coisas, era uma rotina harmoniosa, onde todos desempenham com paixão e dedicação tudo o que faziam. À tarde, as danças começavam com leveza, era possível ouvir as pessoas cantarolando e as saias rodopiando em um frenesi de cores e movimentos, enquanto os tambores marcavam o ritmo pulsante da música cigana. Dando espaço para os mais novos se reunirem para apreenderem com os mais experientes e é claro que meu primo estava no meio deles, lançando olhares de alegria para mim ao ver que estava aprendendo a conduzir corretamente, mantendo viva a tradição, era lindo observar cada detalhe do meu povo e toda riqueza desse amor transbordante que habita em nós.
À medida que o sol se punha no horizonte, o entardecer cigano era um espetáculo de cores e emoções, o céu se incendiava em tons de vermelho, amarelo e laranja, as estrelas começavam a pontilhar no céu suavemente e o acampamento se recolhia para a noite que estava por vir, em preparo de uma linda fogueira as chamas se crepitavam, lançando sombras dançantes sobre os rostos sorridentes que estavam ali presentes, os olhos repletos de admirações assistiam os mais velhos executarem movimentos elegantes e hipnotizantes, todos se aqueciam e compartilhavam histórias de suas viagens e sonhos para o futuro, testemunho do poder de tradição e da beleza de uma vida simples, em sintonia com a natureza e os nossos laços familiares que nos une, sob as estrelas cintilantes, parei para saudar nossa mãe Santa Sara e agradeci pela dádiva de estarmos vivos, conectar com meus ancestrais e expressar meus sentimentos.
Era possível observar a profundidade em que o sol se mergulhava abaixo do horizonte, um silêncio em reverência tomava conta do acampamento onde todos se voltavam para observar.. no entanto, naquela noite havia uma tensão no ar, um pressentimento de algo que estava por vir, sentia uma eletricidade circulando minhas veias e parando em meu coração, as chamas da fogueira pareciam lançar sombras mais escuras e o vento sussurrava segredos indescritíveis aos meus ouvidos, pelo menos naquele momento não era possível compreender o que ele queria me dizer ou mostrar.
Com o olhar voltado ao infinito, os faróis misteriosos apontados no alto céu me guiavam para o desconhecido, parte do meu ser anseia pelo o que está por vir, sendo ele bom ou ruim, sentia no fundo do meu coração que seria inevitável de acontecer, enquanto todos se aconchegavam em volta da fogueira e as perguntas ecoavam dentro da minha mente incessante, a incerteza persistia e o vento tinha algo a dizer, eu iria descobrir em breve.
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Invisible Chains
RomantizmEm uma pequena cidade frenética, longe das tradições ciganas que ecoam pelo ares noturnos, o amor é improvável e se submete a encontrar pessoas como uma pequena fonte jogando entre o topo de uma cachoeira em uma noite de luar. Uma mulher não cigana...