Tulipa 🌷 Parte I

Voltando ao lar.

Duas crianças,na piscina, sorridentes, em uma tarde ensolarada de um verão dos anos 90. Essa era a imagem ostentada em um porta retratos no consultório de Heitor à anos, e ela nunca causou tanto impacto em alguém quanto estava causando naquele instante em Ângelo.
Fazia quase um ano desde que ele e Tulipa se viram pela ultima vez.
Os dias passaram lenta e dolorosamente, pelo menos pra ele.
Quanta a Tulipa, era impossível saber...
Duas ou três mensagens,foi tudo que ela se tornou nesse tempo.
Uma foto em que foi marcada no Facebook, a poucos dias atrás,agora contrastava na mente de Ângelo com aquela que estava a sua frente.
Ela preservou o mesmo sorriso, mas o olhar...esse induvidavelmente era outro.
Naquela foto do Facebook, Tulipa tinha um brilho contagiante no olhar; parecia transbordar vivacidade, ânimo e felicidade. Na foto antiga do consultório do pai, Tulipa tinha um olhar perdido, desconetado de toda a suposta alegria a sua volta, distante...
E mesmo ali, naquela imagem de quase 15 anos atrás era possível ver quem iria sofrer por amor...Ele! Ângelo. Na água, ao lado dela, com toda sua devoção centrada para aquela que ele sonhava que seria seu eterno amo...mesmo que fosse um amor platônico.

- Desculpa te fazer esperar tanto.
Disse Heitor abrindo a porta e fazendo Ângelo emergir de suas divagações melancólicas.
Ele se colocou em pé rapidamente, e colocando as mãos nos bolsos do jeans tentava disfarçar se total desconforto.
- Ta tudo bem?- o pai se aproximou e tocou o ombro dele.
- To sim!
- Tem certeza?
- Sim...ta tu bem.
- Sabe que se não for confortável pra você eu posso fazer isso sozinho.
- Ta tudo bem, pai. É sério!
Ângelo tinha ido ao consultório do pai naquela tarde pra acompanho-lo até a clínica onde Céris estava internada. Ela daria alta naquele dia.

As duas horas de viagem até a clínica só não foram um completo silêncio graças a uma coletânea de clássicos dos anos 80 que Heitor tinha no carro.
E agora na sala de estar fria e sombria daquela clinica, Ângelo queria ter trazido os fones de ouvido pra evitar mais uma vez uma conversa entre ele e o pai.
Sabia que em algum momento o nome dela surgiria, e não se sentia nem um pouco pronto ou disposto a falar dela com ninguém.
- Heitor?
Uma mulher usando um uniforme rosa bebê apareceu na sala
- Sou eu.- Heitor se colocou em pé.
- Céris e a Doutora estão aguardando no consultório 4, que fica na segunda porta a direita.- disse ela apontando para um longo corredor.
- Obrigado!
Heitor olhou para Ângelo, esperando que ele levantasse para o acompanhar. Quando ele não fez nenhuma menção disso, ele entendeu que teria de ir sozinho até lá.
- Toma!- ele jogou a chave do carro para o filho. - Só pega as coisas dela que devem estar na recepção, por favor?
- Ta bom...

No consultório 4 Heitor ouviu da psicóloga de Céris todas as boas novas da excelente recuperação mental de sua esposa.
Ouviu sobre os remédios que ela deveria tomar por mais um periodo de 6 meses, e sobre o acompanhento terapêutico que era recomendável e importantíssimo para que os progressos ali conquistados não fossem perdidos.
Ouviu tudo em silêncio, enquanto observava o largo sorriso no rosto de Céris e se perguntava: " O que ela esta tramando agora?"

Quando viu Céris o pai, de mãos dadas, se aproximando do carro, Ângelo quis correr.
Mas sabendo que isso seria imaturo e ridículo, ele apenas baixou a cabeça, pra tentar evitar um ataque de pânico.
Não sabia como devia agir.
Devia abraça-la?
O que tinha que dizer?
Ele não sabia se devia fazer algo, mas sabia que não queria fazer nada. Apenas sair dali. Sumir.
Mas não tinha coragem...

Céris se aproximou dele e estendeu a mão dizendo um tímido: "oi."
Ângelo respondeu o oi, mas não segurou a mão dela.
E com aquele desconforto palpável os três entraram no carro e seguiram caminho até o lugar que um dia eles chamaram de "lar". O lugar onde tiraram aquela foto antiga do consultório de Heitor. O lugar onde tudo começou e onde tudo terminou.
O lugar onde Tulipa não estava mais.