Bons ventos em Soho...

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Já tinha se passado uma semana, e Tulipa continuava sem notícias de Daniel.
As tulipas vermelhas tinham murchado e ido para o lixo naquela manhã.
Também naquela manhã, ela tinha relido o email de Ângelo pela vigésima vez, e chorado como nas outras dezenove vezes anteriores.
Era uma sexta-feira, e Tulipa estava se sentindo perdida e solitária no melhor cenário possível, em seu apartamento em Soho.
Podia ser mais Nicolas Sparks do que isso?
Ela pensou enquanto entornava o primeiro copo de bebida do dia, ás 10:45 da manhã.
Nos últimos dias sua rotina tinha sido essa: acordar, pensar em Daniel, reler o email de Ângelo e chorar, começar a beber, encontar algo pra comer; beber, beber e beber ...cair no sono no sofá ou no chão;acordar...
Sabia que aquilo não estava a ajudando em nada, mas não sentia ânimo pra mais nada.
Pensou em ligar para Daniel algumas vezes, mas o orgulho era tudo que lhe restava, então preferiu mantê-lo!

Ao meio dia o som de uma notificação a fez pegar o celular, era uma mensagem da tia:
Darling, vou passar aí pra te ver essa tarde! Vou levar cupcakes! Beijos!

Ótimo!!!

O que Tulipa menos queria no mundo era ver alguém, mas ela não tinha como impedir a tia de ir até lá.
Esbravejou para o nada, bufou dezenas de vezes e resolveu tomar um banho enfim.
Era isso, a tia estava á caminho e ela precisava pelo menos parecer limpa.

Ás 14:35 o interfone tocou.
Tulipa nem atendeu, apenas apertou o botão que abria a porta.
Foi até a porta de entrada do apartamento, a abriu e foi se sentar na sala.
Quando começou ouvir os grunidos da tia vindo do corredor, ela revirou os olhos e colocou o sorriso mais convincente que conseguiu no rosto.

- Uhh!!!- a tia surgiu ofegante na porta. - São muitas escadas, não é mesmo, Darling?
- É só o terceiro andar,tia.
- Eu sei, eu sei... Sua tia que está velha, não é mesmo?
A tia entrou, fechou a porta e foi até a sala para abraça-la.
- Senti sua falta, Darling...sua pobre tia estava morrendo de preocupação, garota!
Tulipa ficou incomodada com o abraço, e se desvencilhou dele assim que pode.
A tia soltou a caixa de cupcakes no colo dela e sinalizou pra que Tulipa abrisse:
- São todos seus, Darling! Eu comecei uma dieta está semana.
- Obrigada, tia. Vou comer mais tarde, tudo bem?
- Claro, Darling!
Tulipa levantou e foi levar a caixa para a cozinha.
Beatriz aproveitou para dar uma vistoria rápida no geral com seus olhos ligeiros e curiosos, acabou localizando o copo de bebida que Tulipa havia deixado na estante.
Sentiu um aperto no peito e pensou em perguntar a Tulipa sobre aquilo, mas também não se sentiu no direito de fazer.
Daniel sempre dizia que a mãe o sufocava com suas preocupações, e talvez aquilo tivesse uma certa parcela de verdade.
Mas era sua personalidade, Beatriz não conseguia evitar, se preocupava demais com cada um dos seus.

- Então, Darling... Como você tem passado? Sabe sua tia aqui estava morrendo de preocupação e de saudades também.
Tulipa largou a caixa de cupcakes sob a mesa da cozinha, estava de costas para a sala então a tia não a viu virar os olhos antes de tentar parecer verdadeiro enquanto murmurava: - Está tudo bem tia, sinto muito por não ter aparecido mais na sua casa...só andei um pouco ocupada...
- É mesmo querida? E pelo o que vejo você e Daniel deram um bom trato nesse lugar! Estou muito orgulhosa.
- Obrigada tia!
Tulipa resolveu que era hora de começar a comer sim!
Abriu a caixa com uma certa violência, foi impossível Beatriz não notar uma certa irritação crescendo ali.
Tulipa voltou para sala mastigando, achando que isso barraria sua tia de ficar puxando papo, ela meio que esqueceu de quem era Beatriz.

- Fazia tanto tempo que eu não vinha aqui...- Beatriz olhava ao redor parecendo nostálgica. - É bom ver que você acrescentou um pouco de Tulipa por aqui, mas sem arrancar totalmente seu pai daqui....- Os olhos de Beatriz ficaram marejados. - Esse lugar foi muito importante pra ele, querida.
Aquela era a primeira que Beatriz não usava o seu "Darling", deu para Tulipa perceber que aquele ia ser uma daquelas conversas sérias e pesadas sobre o passado do pai e ela se arrependeu de ter levado a caixa de cupcakes pra tão longe.
- Ele viveu os melhores momentos da vida dele aqui...- Beatriz agora estava chorando, de uma maneira calma e delicada, mas ainda assim deixava Tulipa constrangida.- Ainda me lembro dele sorrindo aqui nessa sala, rodeado por amigos...boa música... E tantos sonhos,querida! Seu pai tinha tantos sonhos naquela época...
Aquelas palavras realmente tocaram Tulipa. Ela nunca tinha pensado no pai como um jovem sonhador, para ela Bruno Vergara sempre havia sido aquele cara durão, homem de negócios, frio e de poucas palavras que ela conheceu. Era estranho sentir agora que talvez ela não tivesse conhecido o pai de verdade, só o que contaram á ela sobre ele.
- Tia...- Tulipa segurou as mãos de Beatriz com ternura. - Eu preciso perguntar uma coisa...
- Oh, por favor , darling... O que você quiser, por favor, diga!
- Quem é a mulher morena da foto? A foto que estava no mural do quarto do meu pai.
- Eu posso ver a foto, por favor?
Tulipa assentiu e foi até o quarto buscar a foto.
Beatriz aproveitou esse intervalo para enxugar as lágrimas e respirar fundo, tentando não ficar tão emotiva na frente da sobrinha, para não assusta-la mais ainda.
Tulipa voltou trazendo a foto e a passou para tia.
- Oh, sim! Eu a conheço, darling. É Tânia!
- Ela foi namorada dele, ou algo assim?
- Sim, darling. Ela é a mãe da sua irmã mais velha.
Tulipa sentiu um nó se formar em sua garganta, o estômago começando a embrulhar, as palpitações crescendo e aumentando de volume em seus ouvido.
Á anos ela sequer lembrava da existência da tal irmã, e agora ela ia ter que FALAR sobre isso, conhecer a história por trás do fantasma que ela ouviu falar tão pouco durante a infância.
O pai costuma dizer que um dia traria a irmã para que as duas se conhecessem, mas isso nunca aconteceu.
- Ele conheceu Tânia em uma casa de jazz, no Brooklyn se não me falha a memória. Ela era cantora, e assim que a viu seu pai ficou completamente louco por ela! Louco!
Bruno me apresentou a ela uma semana depois de a conhecer, ele a trouxe aqui e depois daquela noite os dois não se desgrudaram. Bom até...- Beatriz torceu a boca e arregalou os olhos, aquela careta que a gente faz quando lembra de uma merda gigantesca que aconteceu no nosso passado. - Bom você sabe, darling... até que ela se foi...
- É verdade o que dizem? - Perguntou Tulipa tomada por uma estranha coragem que nem ela saberia explicar de onde veio.
- O que, darling!? O que dizem?
- Que ele matou ela... É verdade.
Beatriz deu um longo suspiro.
- Bom... Só seu pai poderia responder isso!
Um silêncio constrangedor tomou conta da sala.
Tulipa não sabia mais o que dizer, Beatriz aparentemente tinha perdido a vontade de falar.
As duas permanecerão em silêncio por um longo tempo; Tulipa de cabeça baixa e perdida em seus pensamentos, e Beatriz olhando para foto de Tânia em suas mãos.

Tulipa 🌷 Parte I Onde histórias criam vida. Descubra agora