Dor como base

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Correndo rapidamente Wanyin foi para a sala de rituais, a mesma em que pouco tempo antes ele tinha construído a barreira. O teto do local tinha sido demolido às pressas graças ao seu pedido.

Seu parceiro já estava esperando por ele, Yu Cheng tentou se impedir de sufocar com a culpa, mas foi demais por alguns segundos e ele não pode evitar abraçar seu noivo com força, quem sabe se ele poderia fazer isso novamente.

-A-Huan, dessa vez você vai ter que ficar de fora, Lan Qiren vai me ajudar com o ritual, eu preciso que você termine todos os preparativos na próxima meia hora. Depois disso eu começarei o ritual para valer.

Xichen parecia apreensivo mas entendeu sua linha de raciocínio, apertou um pouco os braços em sua volta antes de sair.

-Eu voltarei em meia hora.

-Tudo bem, vá.

Wanyin entrou sem olhar para trás, se resignando ao destino que o esperava. Lan Qiren foi o único além dele a entrar. Yu Shufen se recusou a fazer parte disso, parecia ter esperanças que a falta de apoio o fizesse mudar de ideia, infelizmente para ela, não aconteceu assim. Muito pelo contrário, na verdade, só lhe deu tempo para ter cada vez mais certeza da sua decisão.

-Lan Qiren, sele a porta, nem Xichen deve ser capaz de entrar nessa sala de agora até o fim do ritual.

Ele começou a tremer seriamente como queria desde o momento que seu plano foi formado, o pânico corroía a sua alma. Mas ele faria o que precisava ser feito.

-Yu Wanyin, por que?

-Confie em mim Qiren, você vai saber quando for a hora. Por favor, faça isso por mim?

-Tudo bem, não faça com que eu me arrependa disso.

-Eu não sei, talvez você se arrependa, depende de quanto as vidas que seriam perdidas valem para você, em comparação a mim.

Ele falou isso quando Qiren já tinha terminado de selar a sala, uma agulha foi para um ponto de pressão que o manteve imóvel. Horror pintado em suas feições enquanto ele era persuadido a ficar no canto da sala. Wanyin começou a chorar seriamente, sabendo o que viria a seguir ele não poderia evitar.

-Yu Wanyin! Me liberte agora mesmo! O que você pensa que está fazendo!?

-Não se preocupe tio, as chances de eu morrer fazendo esse ritual é bem menor do que se eu entrasse em batalha, fique tranquilo, eu não planejo deixá-los tão cedo, apesar que depois disso vocês provavelmente vão ficar tão bravos comigo.

Ele sufocou um soluço enquanto começava a separar as coisas para o ritual, um enorme círculo foi pintado e ele começou a preencher tudo com feitiços em cima de feitiços. Zidian se fez presente, saindo de sua mão e assumindo sua forma física, ele tinha cerca de dois metros enquanto encarava seu mestre no que parecia ser uma mistura de medo e arrependimento (emoções reais demais que uma arma, mesmo de primeira classe, tinha o direito de ter).

-Wanyin, Wanyin por favor, eu não sei o que você vai fazer mas se vai te prejudicar por favor pare, pense em Xichen, como ele vai ficar se você se machucar? Por favor, Wanyin!

O mais novo sorriu em meio às lágrimas.

-Claro que eu pensei nele, como você acha que eu me sinto quando olhei nos olhos dele ali atrás e falei que estaria seguro? Que não me machucaria? Como você acha que eu me senti ao mentir na cara dele? Sabendo que ele não vai me perdoar mesmo eu estando a fazer isso por ele? É tudo por vocês! Por A-Huan, Lan Zhan e você! É pela minha família! Pelo nosso povo! Você acha que se não tivesse outro jeito eu não faria!? Você realmente acha que eu quero isso? Não, deuses eu estou com medo. Eu não quero isso, mas eu preciso porque é isso ou ver as pessoas que eu amo morrendo sendo que eu poderia fazer algo a respeito.

Ele soluça e continua a escrever, se recusando a olhar nos olhos do mais velho.

-Não, por favor não Wanyin, tem que ter outro jeito, pelo menos me deixe ajudar.

Yu respirou fundo, firmando as mãos apesar da angústia, mesmo assim ele não conseguiu impedir as lágrimas que escorriam.

-Eu gostaria, mas Qiren, se eu te soltar antes da hora você vai abrir a porta e me impedir, mas, se você quer tanto saber. Você reconhece o nome "ritual do cair dos raios"?

-Não, eu não conheço.

-Imaginei, é uma área bem cinzenta do cultivo, por isso Meishan prefere manter bem guardada, basicamente eu vou usar Zidian como catalisador da energia do universo que vai ser atraída por essas pedras e descarregar em forma de raios na parte de fora de toda a barreira. Até aqui nada de mais, não é mesmo? Mas o corpo humano não foi feito para aguentar esse tipo de energia e se a pessoa não tiver uma âncora muito firme ela morre. Adivinha qual foi a âncora de maior sucesso?

Ele sorriu em meio às lágrimas, conseguindo parecer ainda mais lamentável.

-Eu não sei.

-A única garantia que nós temos em vida, aquilo que aciona os mais baixos de nossos instintos se sobrevivência  que inegavelmente faz parte da vida, é o que garante para nós mesmos que estamos respirando quando achamos que não. Dor, usamos a dor como base, ela é a nossa âncora para esse mundo... Em pouco tempo a agulha vai deixar de ter efeito, até lá eu já vou ter começado e atrapalhar isso vai me levar a um desvio de Qi fatal, seu trabalho vai ser garantir que isso não aconteça impedindo todos e qualquer um de entrar até eu terminar. Tudo bem?

Xichen.

Assim que Wanyin entrou no salão de rituais ele começou a trabalhar, colocou todos a postos, checou armas e a disposição dos soldados, quantidade de remédios e se todos os leitos tinham sido liberados. Os curandeiros também foram checados para ver se estavam em toda a sua força. Os sentinelas corriam o tempo todo para o seu lado, dando atualizações sobre a formação do inimigo. Três mil homens estavam no raio de alcance de um quilômetro, eles pararam de se mover e estão tentando quebrar a barreira, provavelmente vão conseguir em três horas. Com essa última informação o líder da seita tranquilizou todos.

Seu Furen iria terminar sua parte do plano em uma hora, eles tinham a vantagem, eles iriam ganhar essa batalha.

Com tudo pronto ele contou meia hora desde que seu noivo começou o ritual, se aproximando do local ele ouviu um grito de agonia pura, como se a pessoa estivesse morrendo. Wanyin, era a voz de seu parceiro.

-O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

Ele correu, sem se importar com mais nada, derrubando as pessoas por perto e indo para a sua segunda forma, ganhando impulso por seu desespero e seu dragão rugindo em ódio pelo que quer que tenha machucado A-Cheng. Ele ouviu gritos pelo seu nome mas não se importou, quem gritava não era seu parceiro então era irrelevante. A única coisa em sua mente era a agonia de seu parceiro, outro grito, vinha do salão. As pessoas que estavam lá o viram chegar, todos saíram de perto da porta enquanto ele tentava abri-la sem sucesso.

-A-CHENG!

O desespero em sua voz fazia coro com os gritos do outro lado, a essa altura ele já tinha desembainhado sua espada e estava golpeando a porta com todas as suas forças, mas mesmo assim as proteções não cediam.

-A-CHENG!

Wanyin.

Eles caíram em silêncio depois de brigarem, ele continuou a explicar cada passo do ritual para o homem que começou a considerar uma figura paterna muito mais do que Fengmian.

Não obteve resposta, foi um monólogo triste que ele se obrigava a continuar para distrair a sua mente e não entrar em colapso.

Depois de meia hora toda a matriz ficou pronta, apenas a energia faltava.

Zidian se aproximou, estendeu uma de suas presas, Wanyin cortou profundamente as palmas de sua duas mãos, se agachou no chão, a arma se enroscou no portador, de modo que quando ele apoiasse as mãos no chão não conseguisse se mover (para não correr o risco dele tirar as mãos e interromper o ritual). Ele não conseguiu mais se conter, soluçando e chorando livremente, todo o seu corpo tremia. Ele sentiu um vulto em sua periferia, a agulha perdeu o efeito. Ele tinha que fazer isso.

Ele jogou as mãos no chão e tudo se tornou preto.

Água em minhas veias, veneno em minha almaOnde histórias criam vida. Descubra agora