Primeiro dia - Ed Warren

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Primeiro dia
Ed Warren

– Querida, vá descansar. Eu cuido de Judy, não se preocupe – eu disse a Lorraine, que durante todo o caminho para casa segurou forte em minha mão em completo silêncio. – Vá descansar, hoje foi um dia cansativo.

– Obrigada, meu bem. Não sei o que eu faria sem você. – Ela disse esta última parte com os olhos marejados e pude sentir toda a dor em seu olhar.

– Não precisa se preocupar com isto. Nunca se sentirá sozinha. – Abracei-a forte e senti um soluço enquanto ela me puxava para mais perto. – Agora deixe eu te acompanhar até o quarto. Você precisa dormir um pouco.

Levei-a até nosso quarto, ajudando minha esposa até a cama. Beijei sua testa e coloquei a coberta em seu corpo. Ela estava abalada com algo que acontecera durante o exorcismo, mas ainda não estava pronta para conversar. Respeitando seu tempo, fechei a porta do quarto e segui em direção à minha menina.

Abri a porta em silêncio para ver se a pequena ainda dormia e me deparei com Judy sentada em sua cama, olhando para mim.

– Ei, parceirinha. – Sussurrei, tentando fazer o mínimo possível de barulho para não incomodar Lorraine. – Ainda acordada?

– Estava esperando você e mamãe chegarem. – Ela coçou seus olhos, claramente com sono. – Pode ficar aqui um pouquinho, papai?

– Claro, meu anjo. Chega para o lado. – Tirei o calçado e deitei-me ao lado de minha filha. – O que você e sua avó fizeram hoje?

– Depois de me buscar na escola fizemos um bolo para vocês comerem quando chegassem em casa, nós achamos que vocês viriam mais cedo... E então ela me ajudou a fazer o dever de casa.

– Você já deveria estar dormindo, mocinha.

– Fiquei preocupada, desculpe.

Alisei o cabelo da pequena e a trouxe para perto, de forma que ela deitasse em mim. – Não precisa se desculpar. Estamos em casa agora, está tudo bem. Amanhã passaremos o dia juntos, nós três.

– Podemos tomar sorvete?

– Claro que sim. E quem sabe também não fazemos um piquenique nos fundos de casa?!

– Uhum, vai ser legal. – Seu tom era sonolento e ela se aconchegou melhor em meus braços. Observei-a dormir por um momento. Ali, tão frágil, não pude impedir a vontade que me invadiu de querer proteger a pequena pelo resto da vida. Cuidar para que nenhum mal possa chegar perto dela; que ninguém e nada a machuque. Todos os dias faço a promessa de cuidar das duas com a minha vida, custe o que custar.

Não havia notado que estava tão cansado até perceber meu olho fechando ali mesmo. O dia tinha sido longo.

⸩ ⸨

Acordei com uma fraca claridade iluminando o quarto e levantei da cama. Minha coluna doía, de tão desconfortável que eu estava, para não machucar Judy durante a noite. Caminhando lentamente, enquanto tentava estalar as costas, fui em direção ao meu quarto, para ter certeza de que Lorraine estava melhor.

Bati na porta antes de abri-la. – Amor, está bem? – Sem resposta. A porta estava trancada. Estranhei o gesto, nunca deixamos as portas dentro de casa trancadas. O que ela deve estar fazendo? – Lorraine? Abra a porta, por favor. – Bati na madeira novamente, sem sucesso.

Para não acordá-la, desisti por um tempo e desci em direção ao meu escritório. Eu havia feito uma pesquisa antes de irmos até o local do exorcismo e os documentos estavam todos espalhados de qualquer jeito.

Revirei todo o escritório, ainda estudando o caso que trabalhamos na noite passada. Posso jurar nunca ter visto nada como aquilo, foi aterrorizante. Quando Padre Gordon nos contou sobre o ocorrido, rapidamente convenci Lorraine a ajudar o rapaz; ninguém melhor que ela para isto.

Este caso era diferente de qualquer outro que já trabalhamos antes. Pude sentir que nada seria igual ao que já tinha visto quando o Padre Gordon nos chamou para trabalhar no caso de Maurice Theriault, conhecido por muitos como Frenchie. O que ele nos explicou, sobretudo o que Maurice tinha passado, foi aterrorizante, algo que ninguém deveria presenciar. Soube naquele mesmo instante que ele precisava da ajuda, principalmente, de minha esposa.

Eu fazia o máximo de silêncio possível, uma vez que Lorraine e Judy ainda dormiam no andar de cima. Procurei em todas as anotações sobre o caso algo que possa ter a deixado tão transtornada no caminho para casa, mas não encontrei nada que pudesse me dar a mínima ideia do que a atormentou tanto assim.

⸩ ⸨

Decidi após algumas horas que o melhor a fazer seria cuidar dela agora, esquecer esta história por um momento, e deixar que ela me conte o que houve quando estiver pronta. Sem pressão ou questionamentos. Segui até a cozinha para preparar um café da manhã reforçado para as minhas meninas.

Fiz questão de colocar à mesa tudo o que elas mais gostavam; chá, torradas e mingau para Lorraine; cereal e achocolatado para Judy. Sei que Lorraine não aprovaria tanto doce logo pela manhã para nossa filha, mas ela merecia após tanta preocupação noite passada.

Segui em direção aos quartos para acordá-las. Judy já estava sentada em sua cama, abraçada ao seu urso de pelúcia.

– Bom dia, princesa! – Falei. – Dormiu bem?

Ela chacoalhou a cabeça, em concordância. – Cadê a mamãe? – Perguntou e notei a sonolência em sua voz.

– Ainda está dormindo. Vamos chamar ela para tomar café com a gente?

– Tá bom. – Ela levantou, ainda com o urso em mãos e nos dirigimos ao meu quarto.

– Lorraine, querida. – Bati na porta. Nenhuma resposta.

Tentei abrir e percebi que ainda estava trancada. A preocupação me invadiu. Eu devo fazer algo, mas por enquanto, o mais importante é que eu cuide de Judy.

– A mamãe está bem, pai? – Ela questionou, cuidadosa como sempre fora com a mãe.

– Está sim, apenas muito cansada. Vamos comer, depois eu trago algo para ela, ok? – Ela concordou.

Desci novamente, acompanhado de Judy e tomamos café juntos. Conversei e tentei distrair a menina para que ela não se preocupasse com a mãe. Já bastava a minha preocupação.

Levei-a para tomar sorvete, como prometi na noite passada e tivemos um dia incrível. Foi relaxante ter este tempo com minha filha, apesar de não conseguir parar de pensar em Lorraine.

A culpa por ter sido a causa deste exorcismo me assombra. Todas as vezes que lembro da feição dela, meu coração se aperta um pouco mais. O grito que deu durante o exorcismo foi completamente horrorizado; me arrepiou a espinha e amedrontou. Eu iria até o inferno para descobrir o que acontecera, o que a deixou tão perturbada.

⸩ ⸨

Quando escureceu, já tinha colocado Judy para dormir e cuidado de tudo; limpei a bagunça que fiz na cozinha de manhã e organizei os brinquedos que a pequena e eu espalhamos mais cedo.

Depois de cuidar de Judy e ter certeza que ela dormia, atravessei o corredor e parei em frente à porta.

– Querida, sei que está aí e que pode me ouvir. – Comecei a falar. – Saiba que estou aqui caso precise conversar, como sempre estive. Deus nos juntou por um motivo, certo? – Suspirei ao lembrar da frase que sempre falávamos um para o outro. "Deus nos juntou por um motivo". Tínhamos escrito isto em nossos votos matrimoniais, sem que o outro soubesse. Quando disse em voz alta, foi uma completa surpresa para ela, que me mostrou suas anotações com as mesmas palavras rabiscadas. Nunca tive dúvidas, mas naquele momento tive certeza de que ela é a minha alma gêmea. – Eu te amo, Lorraine. Por favor, me deixe cuidar de você. – Pedi.

Esperei por alguns minutos, na esperança de que ela iria abrir a porta e me abraçar, deixando-me sentir o perfume de seus cabelos; deixando-me cuidar dela. Para a minha decepção, não ouvi sequer qualquer movimento no cômodo. Contrariado, desci para o meu escritório, preparando-me para uma noite cheia de trabalho. Preciso focar em outro assunto, senão não terei condições - físicas e mentais - de continuar.

Feels Like ForeverOnde histórias criam vida. Descubra agora