Capítulo 9

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Numa sexta-feira o céu ocorria mais uma transição que não sabíamos responder se era tarde ou de noite, onde os raios de sol amarelados começaram a retroceder, a se esconder atrás do oceano enquanto a coloração cinzenta dava a as caras, ocupando a cada espaço, aumentando a cor cada segundo que se passava, mostrando que o anoitecer estava próximo.

Seguia andando pelo caminho que a maioria dos estudantes usavam de acesso à pista, embora fosse um grande número, eu estava sozinha, desenrolando o meu fone de ouvido e preparava a minha playlist de música ignorando todos os falatórios e os grupinhos que se formavam ao meu redor.

— Magnólia?! — Escutei alguém me chamar assim que eu atravessei a rua, indo em direção oposta — Não quer lanchar com a gente? — Perguntou se referindo a ele, sua irmã a Rebeca.

Eu parei, ainda na criando coragem para responder, mesmo querendo dizer 'não' e tendo justificativa para tal, era como se minha mente começasse a criar motivos para aceitar, dizendo que eu poderia magoá-los, desapontá-los, sentirem raiva de mim e que, futuramente, poderiam me rejeitar.

— Você não vê que ela tem compromisso? — Falou Rebeca puxando o Gabriel pela mochila e indo embora.

"Compromisso", pensei comigo mesma.

Me fez rir está palavra, porque, de certa forma, não combinei formalmente nada com a Lena, embora na minha cabeça era como um, ao mesmo tempo que me sentia presa e confortável com a nova rotina e ficaria triste caso ela não comparecesse.

Entretanto, também não era "Encontro", pois normalmente é usada quando duas pessoas marcam de se ver quando há um interesse romântico entre ambas as partes.

Então, que nome tenho que usar? Me perguntei.

— De novo você olhando para o chão? — Escutei uma voz me trazendo de volta à realidade e notando que estava no ponto de ônibus. Era estranho, mas, às vazes, me assustava este meu desligamento repentino. 

Era ela, como sempre, de alguma forma, ela apenas aparece com um sorriso.

Ainda me pergunto como ela consegue rir tanto, talvez seja um dom de pessoas espetaculares como ela que acolhe e conforta pessoas como eu, que vê tudo monótono, que vê tudo cinza, que não sente prazer ou gosto em nada, mas que agora começava a ganhar vida, um desejo e o interesse, mesmo sem saber em quê e que motivo.

De alguma forma, eu me sinto diferente.

—Sabe... — Prosseguiu Lena se aproximando de mim no ponto de ônibus — Fiquei me perguntando se veria hoje.

— Lógico que viria! — Respondi sem pensar.

Fazendo-a dar um pequeno sorriso tímido no canto da boca.

— Como foi na escola? Fez muitos amigos? Vai sentir saudades deles? — Perguntou acenando com a cabeça para me sentar junto com ela.

Sentamos no canto da calçada, encostando na parede atrás do ponto de ônibus, que quase não era iluminado pelos holofotes, vendo as pessoas passarem por nós e nos olharem confusos e alguns até sussurraram, ela por cima do casaco e eu sobre a minha mochila.

— Eu sinto tanta falta dos meus amigos da escola — Prosseguiu ela — Gostaria de rever todos, sinto que criei um vínculo, o que não acontece na faculdade. Todo semestre é um novo ciclo, novas pessoas, é complicado estabelecer amizade. É chato!

Lena me intrigava, ao mesmo tempo que ela dizia "chato", ela não demonstrava, seja na fala, nas ações ou nas expressões. Em câmbio, mesmo frustrada com os novos colegas da universidade, ela ainda parecia se divertir, animada, gesticulava rindo mesmo dizendo uma palavra que contrariava tudo que dizia.

Ela me deixava confusa.

E, mesmo assim, tudo o que ela diz, o que ela faz, tudo nela brilha e é tão claro como o amanhecer de uma primavera ensolarada, que me cega e acabo fechando meus olhos.

Porém, por que ainda me sinto tão triste? 

Será que era estranho vê-la falar com tanto sentimentalismo a experiência vivida durante o seu período escolar? Era como se todos os momentos dela foram ótimos e só guardava memórias boas, assim como imagino o quão querida pela turma foi. Todavia, enquanto eu? Será que alguém sentira falta de mim? Citariam o meu nome?

Provavelmente não, eu seria aquela que o fulano pergunta: "Como se chama aquela menina que estava sempre sozinha?" E talvez questionaria se havia realmente alguém assim e, possivelmente, receberia um "Acho que não" em resposta do beltrano.

Simplesmente um alguém que tanto fez ou tanto faz.

Pensar nisso me deixa triste, com vontade de chorar, mas foi o caminho que o destino pareceu me dá e eu só aceitei. No fim, só me restava isso e esperar que o futuro me retribuísse.

— Você ainda fala com sua amiga? — Perguntei, mas ela negou balando a cabeça.

— Ela voou em direção oposta da qual eu poderia ir, mas espero que um dia o vento nos ajude a nos encontrar novamente.

— Ela foi importante... — Sussurrei tristemente, mas ela ela só confirmou.

Lena não percebeu, mas a fala escapou dos meus lábios como peixe preso em um aquário a caminho da liberdade. Me perguntando se Lena me considerava alguém importante para ela.

— E você? Alguém especial? 

Fiquei em silêncio pensativa, de especial só haviam duas: Ela e a minha amiga do colégio que não vejo e não tenho sequer noticias.

— Uma amiga de infância — Puxei meu joelho me aquecendo um pouco mais do frio que fazia na calçada — Você me lembra um pouco ela — Conclui timidamente.

— E o que aconteceu? Voo também? — Perguntou Lena sem esconder a curiosidade.

— Talvez — Dei de ombros — Mas acho que sumiu como um mágico que desparece de sua caixa levando consigo todas as expressões de dúvidas, surpresas, espantos e até alegrias.

Por mais que eu quisesse, era difícil eu falar do meu passado, era como se ele fosse interligado por espinhos e toda vez que tento refletir, tenho a sensação de ser perfurada e sangrada pelo meu eu incompleto do passado.

Senti ela me observar debaixo daqueles holofotes, como se estivesse analisando e processando cada palavras ditas por mim, o que me fez esquivar o meu rosto dos castanhos dela. Não sabia explicar, mas ela me dava impressão de que conseguisse me ler através dos meus olhos ou até mesmo através do meu coração.

— Que merda de mundo, não é? — Forcei uma risada, tentando mudar de tema.

— O mundo não é perfeito, mas ele está aqui e uniu nós duas que estamos fazendo o melhor que podemos e é isso que faz dele tão lindo.

No momento que a encarei, parecia que uma aura transparente que vinha dela tivesse me englobado, era como se um novo mundo tivesse aberto para mim, como se as novas plantas pudessem florescer. Depois de vagar na escuridão por tantos anos, uma luz me trouxe esperança de me tornar alguém que pudesse amar e ser amada pelos outros.

E, talvez, ela fosse essa luz.

— Bom... — Lena levantou-se — Vamos? — Eu apenas confirmei pegando minha mochila — Te vejo amanhã?

Um dia eu li que pessoas solitárias e machucadas são as que mais sabias porque eles não desejam ver mais ninguém sofrer como eles. Será Lena uma delas?

Neguei, tirando essa hipótese da minha mente.

Não! Era impossível, um pássaro machucado não voaria tanto como ela.

Então ela se foi, andando com seus passos leves como estivesse flutuando e eu a imaginei rindo, mesmo de costa para mim, como sempre ria como nos encontrava, um pequeno sol que ilumina e aquece quem está envolta, mas que leva também quando vai embora.

Deixando apenas o frio e a escuridão.

Magnólia (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora