Capítulo 13

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Passaram duas semanas desde o dia que a Lena me deixou esperando por ela no ponto de ônibus, sozinha, com pessoas estranhas vagando ao meu redor, em uma noite sem brilho e friento.

Durante esse tempo, toda vez que eu ia ou saia da escola, eu passava pelo por ele, mesmo nos dias da semana, eu terminando o ensino médio e ela concluindo mais um semestre de arquitetura. E, mesmo sabendo de tudo isso, eu ainda caminhava por lá. Nos fins de semana, então, eu me arrumava e iria ao seu encontro na expectativa de que ela estivesse esperando por mim, como de costume, naquele mesmo ponto de ônibus.

Todavia, ela não apareceu e não recebi uma mensagem sequer.

Não havia ninguém a perguntar ou meios de procurá-la já que ela foi o meu único e verdadeiro segredo. Será esse a consequência de aceitar a promessa? De manter sua presença ocultada para depois poder sumir como bem entendesse? Como tivesse sido apagada do universo?

Ela se tornaria apenas mais uma memória que não pudesse ser compartilhada e nem emoções que pudessem ser compreendidas. Ela se tornaria uma lembrança solta minha, que teve um início, e que vivíamos o meio, porém não teve o 'fim'. E toda vez que me lembrasse dela, que voltava ao passado, seria perfurada por um espinho de algo incompleto.

Como aquele dilema do porco-espinho que me resumia. Quando nos juntávamos, sentia os espinhos de Lena me perfurando, me machucando, porém, eu os suportava, como se as sensações boas que ela causava em mim fossem  suficientes para suportar a dor dos espinhos dela. Entretanto, sem o calor dela, eu tremia de frio, tão frio como se minha pele estivesse se tornando o próprio gelo.

Durante as aulas, eu pegava o meu caderno para estudar para o pré-vestibular e, quando menos percebia, eu escrevia o nome delas nas folhas brancas do meu caderno e, logo em seguida, o pagava com a minha borracha, mas, mesmo assim, o nome 'Lena' continua legível. Uma ação que conseguia traduzir exatamente como eu me sentia: Quando não queria pensar nela, meu subconsciente gritava por ela e minha mente sempre me voltava lembrar dela.

Estava perdida, sem rumo, como se eu voltasse a ser aquela florzinha era, quando foi deixada de lado por não ser tão bela ou interessante como as outras e que breve começaria a morrer de ressecada por falta de carinho, porém que a beija-flor Lena a encontrou, a alimentou com seus nutrientes, espalhando com a sua polinização, até que os dias de calor começaram a ser presentes nos dias de chuva e frio, e, então, a ave que tanto cuidadosa e persistente foi, voou sem ao menos dizer "tchau".

Como se toda as afeições que ela deu fossem o suficiente para me fazer florescer.

Pensar nisso me faz perceber o quanto o tempo passa e tudo muda. Três semanas atrás, meu coração aquecido sorria junto com os meus olhos que brilhavam em forma de admiração ao encontrar alguém importante e que lutava, inconscientemente e constantemente, contra o próprio desejo de posse, de tê-la só para mim. Todavia, hoje ela não me importava mais.

Sentia tanto ódio da Lena que eu soluçava de bruços deitada ao chão no canto do meu quarto sob a luz apagada, querendo que aquela sensação de alguém pisoteando e amassando o meu coração desaparecesse. Eu estava com tanta raiva que se eu a encontrasse acenando e me dando aquele sorriso de orelha a orelha, que ela sempre me dava quando me via; eu mudaria de calçada.

Por qual motivo ela me forçou tanto a querer conhecer este mundo dela? Por qual razão ela tentou me tirar do fundo daquele oceano escuro que sempre permaneci ou tentar rachar esse escudo transparente em volta de mim, que impedia qualquer aproximação, se não fosse para permanecer? Por que ela teve que aparecer na minha vida?

Amanha era o meu aniversário de 17 anos, só que agora ele não seria apenas solitário e sim triste. Minha mãe comeria o bolo no café da manhã comigo, me daria um beijo e logo sairia, como de costume. Eu ficaria em casa, sozinha com o meu bolo, quando me esforçava a pensar nos momentos bons para me livrar da tristeza. Porém, os meus momentos felizes se resumiam a ela.

Sentindo as lágrimas escorrendo pelo meu resto, tentando buscar milhões de razões e criar expectativas de me prender naquele fio de esperança de me manter viva e que aquele espinho pudesse crescer e se tornar um ganho, completo e conectado, e não apenas mais um pedaço incompleto de um mero corpo composto apenas de órgãos.

Todavia, era difícil, Lena fez a mesma coisa que a minha amiga de infância. Ela foi embora, deixando um completo corpo vazio, como um mágico que desaparece da sua caixa mágica, levando consigo a dúvida, as surpresas, os aplausos alegres, a admiração e, agora, o amor.

Sim, o amor, o que tanto busquei entender e me questionando se um dia eu seria capaz de sentir algo assim por alguém. De tanto abafar meus choros com músicas no último volume, quando eu achava que nada mais poderia piorar, então finalmente eu compreendi e entendi. As músicas ridículas sobre o amor e desamor que tanto eu escutava, finamente agora faziam sentidos para mim.

Se o que eu sentia por ela era exatamente isso, então, que negócio terrível, horroroso que só serviu para partir o meu coração em mil pedaços, me deixando moída e com apenas lembranças que nunca serão deletadas e tampouco compartilhadas.

Que tola eu fui por querer um dia viver essa experiência de saber como era amar, que nem rasgar os pôsteres da Avril Lavigne na parede do meu quarto fosse suficiente para fazer cicatrizar a ferida. E o ditado "O tempo cura tudo" que equivocado estava! Ou, ao menos, o amor não se enquadra neste 'tudo'. Esses dias que passaram eram como se machucado abrisse cada vez mais, cravando as unhas e arranhando a minha pele, no peito dilacerado.

Tão doloroso e a vontade de sair daquele mar escuro e nadar até chegar a superfície, de conhecer o mundo que ela tanto parecia apreciar, desapareceu. Levando junto com ela a beleza e a coloração quente que começavam a visualizar junto com o sabor e os cantos das aves. Nada me restava agora, a não ser este mundo sombrio e sem graça, que só traz chuva e que enchia ainda mais o oceano que me encontrava. Quieto, frio e solitário, que parecia dizer que era ali onde eu pertencia.

E que desejar algo mais que isso, era impossível para gente como eu, que sempre sentiu incompreendida, sozinha e incapaz de viver neste mundo, mesmo buscava sobreviver. Agora eu vejo que nem ao futuro, que tanto me prendia na expectativa de mudança, ocorrerá. Eu estava destinada a viver na solidão onde a minha única companhia era a minha mente.

Era noite e continuava deitada em minha cama, depois de mentir para minha mãe que eu jantei e fingindo que estava dormindo quando ela apareceu. Não queria que ela visse desse jeito e se preocupasse como a Xuxa que se preocupou quanto a Mamãe Patinho voltou do passeio sem seus Cinco patinhos.

Pelo menos eles apareceram depois, sussurrei comigo mesmo, rindo ao mesmo tempo que chorava, da minha própria comparação ridícula.

Olhei meu celular novamente em busca alguma mensagem dela.

 — 00:01, 27 de outubro — Sussurrei tristemente, fechando a tela — Parabéns para mim mesma.

Me encolhi, ainda sentindo os restantes das lágrimas que pareciam nunca ter fim escorrendo pelo rosto e molhando todo meu travesseiro enquanto soluçava silenciosamente. Queria que aquela tristeza fosse embora, que a dor interminável dentro no meu coração pudesse ser cicatrizada e curada, e jamais fosse aberta.

Eu queria que as lembranças nossas sumissem como mágica, assim como ela fez.

Ouvi uns galhos batendo na janela de vidro do meu quarto, persistente e enjoativo que, às vezes, parava e logo continuava, todavia, só que mais forte, o suficiente para interromper o barulho do meu choro e me tirando da concentração da dor que sentia.

Irritada, fui abrir a janela para que os galhos entrassem no meu quarto e, então, eu a vi lá em baixo, com seus cabelos castanhos que dançavam como vento, combinando com os olhos da mesma cor, que se espichavam junto com seu largo sorriso que me dava ao me encontrar, ao mesmo tempo que ela acenava no meio da rua.

Era ela, como sempre, de alguma forma, ela apenas aparece.

Magnólia (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora