Capítulo 18

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Estávamos em pé sobre a mesma ponte de madeira, sentindo a brisa refrescar o calor de verão escaldante que começa dar as caras, balançando os nossos cabelos na noite brilhante que começa a escurecer enquanto o sol começa a pôr na colina próximo da gente, levando consigo os últimos reflexos que clarearam o mar, na presença de algumas crianças que ainda brincavam na areia ou com as águas neste restante de dia bastante ensolarado.

Uma paisagem bonita ao contrário de tudo que eu sentia.

Eu mordia meus lábios inferiores enquanto eu segurava firme o jeans da minha calça, me impedindo de encará-la, cerrando os meus olhos com todas as minhas forças para que as lágrimas não caíssem diante na frente dela, ao meu mesmo tempo que eu segurava o soluço para não parecer uma criança que acaba de quebrar o seu brinquedo mais precioso. E mesmo de tanta dor que eu sentia, com um coração dilacerado, moído como se fosse uma carne moída, ela continuava lá, me dando aquele mesmo sorriso doce, como se quisesse me acolher e me abraçar.

— Então você se lembrou — Escutei ela dizer com tanta suavidade.

— Por isso a promessa, Lena? — Perguntei ainda sem conseguir encará-la — Não falar de você era uma forma de mantê-la viva. Por qual motivo? — Por mais que eu tentasse impedir, minhas lágrimas pareciam querer ganhar liberdade.

— Para não cometer o mesmo erro! — Sentia seus olhos em mim na espera de que eu a correspondesse — Desculpe, sei que foi egoísmo de minha parte, mas não podia cometer o mesmo erro.

Eu não consegui me segurar e deixei que as lágrimas caíssem livremente em minha face cabisbaixa, molhando todo o meu rosto junto com o meu corpo que tremia com os soluços que eu soltava.

— Quando apareci pela primeira vez fez, foi para ajudar a te tirar este sentimento de medo que você tanto carregava quando era mais nova, porém, quando eu percebi que te causei mais problemas, então eu achei que sumir seria a melhor decisão — Ela desviou o olhar, olhando para algum lugar para o mar além do que eu pudesse enxergar. Era a primeira vez que ela fazia isso, me dando a liberdade de podê-la encará-la de perfil.

Todavia, ela tampouco prosseguiu, era como se ela quisesse estabelecer um silêncio onde apenas as ondas do mar e as batidas dos nossos corações frenéticas e que pudessem ser escutadas. Entretanto, diferente dela, este silêncio que ela impôs parecia me machucar mais do que quaisquer palavras que ela poderia dizer, meu coração batia tanto como se estivesse em ritmo dos desfiles da Sapucaí. Tão tenebroso que me doía e, para mim, pedir para mantê-lo era querer me ferir mais do que já estava.

— E então, você me chamou — Ela prosseguiu depois de segundos que pareciam horas — Você não percebeu, mas você se refugiou tanto para o mundo, sua própria companhia, que perdeu a noção do que é real e fantasia e me criou — Eu estava boquiaberta com o que ela falava, piscando várias e várias vezes, ainda sem entender — Eu sou apenas a projeção adulta da garotinha que você conheceu — Então ela me encarou, embora com um rosto tão amável que sorria, como estivesse pena de mim — Eu sou apenas a personificação dos desejos escondidos em seu subconsciente. Em outras palavras...

— Você é o que eu queria ser — Sussurrei para mim mesma, concluindo suas próprias reflexão.

Ela não me respondeu mais nada enquanto apenas me via levar minhas mãos ao meu rosto, ao meu cabelo, com tantas informações que recebia, que fazia minha cabeça doer tanto, uma dor que batia freneticamente como se o meu cérebro fosse a bateria recebendo as pancadas brutais das palhetas do baterista durante um show de rock.

— Você não existe... — Sussurrei entre lágrimas.

— Depende do ponto de vista — Ela rodopiou, me encarando, como sempre fazia quando surgia alguma ideia maluca — Segunda a física: O corpo é tudo aquilo que possui peso e ocupa o espaço no universo, então, não, eu não sou real. Entretanto — Ela sorria, se aproximando de mim, levemente como se estivesse flutuando sobre a ponte de madeira — Segundo a frase do filósofo René Descarte: "Penso, logo existe", faz de mim uma pessoa real. Eu penso, ando, falo e tenho sentimentos por ti e você por mim, então, eu existo.

Escutá-la a ouvir isso me fez recordar da Lena de antes e de quando éramos pequena, de como ela desde pequenininha falava de assuntos ou dava explicações que estivesse além do meu alcance intelectual de compreender tão rapidamente e facilmente. Eu não era apenas introspectiva em lidar com as pessoas, era lerda em compreendê-las também, entretanto, mesmo com está minha dificuldade, seja lá o que a ciência ou a psicologia dizia, Lena foi real para mim e eu a amei, a amei mais do qualquer pessoa que já conheci.

E, como sempre, ela continuava ali, dando um pequeno sorriso no canto da boca, como se estivesse triste ao me ver derrubar as lágrimas que caiam em meus olhos enquanto eu ainda mantinha a minha mão em meu peito, impedindo que o meu coração escapasse das do pulmão, e rasgasse a minha pele e pulasse para fora.

Então, os brilhos que tanto admirava ao redor dela pareciam diminuir a sua extensão, o seu alcance parecia que englobava toda a cidade parecia perder força, junto com as cores quentes que ela carregava foram ficando de menor intensidade e aquela aura dela que me aquecia se tornasse frio.

Era como se, aos poucos, ela tivesse sumindo.

— O que está acontecendo? — Perguntei, sem entender.

— Você descobriu a verdade e o seu subconsciente tá querendo te trazer de volta ao real.

Eu neguei enxugando as águas que voltavam a cair dos meus olhos, negando enquanto começava a soluçar novamente.

— Não vá — Falei esfregando o rosto com o braço — Eu ainda preciso de você.

— Você precisa de ajuda, não de mim.

Ela começou andar lentamente em minha direção, ainda podendo escutar o barulho das madeiras enroscando entre uma e a outra, porém era a Lena brilhando que eu conhecia, que admirava, aquelas cores quentes que ficavam nela como brilhantes como sol estavam a se tornar transparente.

— Você promete que nunca irá me esquecer? E nem me odiar por mentir para você?

— É claro que não te odeio. Eu nunca poderia te odiar — Pronunciei entre lágrimas — Eu te amei mais do que qualquer pessoa que já conheci e sempre te amarei, Lena.

Ela me abraçou, um abraço apertando como se não quisesse me deixar e eu retribui, apertando contra mim, segurando contra o meu peito na expectativa de que ela não me largasse. Este foi o nosso primeiro e me doía pensar que foi  o nosso último abraço.

Como eu queria não saber da verdade e poder seguir com a Lena para onde quer que ela fosse, eu a acompanharia e me tornar uma pessoa melhor e ser uma luz para ela como ela foi para mim, mesmo que ela não existisse, ela foi o maior presente que a vida me deu.

Todavia, eu não poderia ir. E, por mais que eu quisesse, o mundo da fantasia não pertence a mim e sim o mundo real, por mais que me doa, eu não poderia mais fugir.

— Você me perguntou qual era nome da plantinha que plantamos juntas — Ela separou seu rosto do meu ombro, me olhando com as lágrimas que caíam em seu rosto, era a primeira vez que a via chorar. Era tão próximo, apenas centímetros de distâncias dos meus, Tão próximos que as lágrimas se misturavam — Se chamaria Magnólia, a flor da simpatia e da magnificência. Para ela recordar que até as plantas mais simples são tão importantes e únicas quanto as mais belas.

Senti ela se aproximar de mim, encostando seus lábios delicandamente contra os meus e, então, ela desapareceu diante dos meus braços como um passe de mágica.

Eu me ajoelhei deixando que as lágrimas, os soluços e os berros que dava transmitirem todas as minhas dores que deixei guardado no meu coração ferido que se formava.

Lena é... Alguém que eu inventei, uma menina imaginaria apenas na minha cabeça, mas que para mim ela é e sempre será o meu maior segredo.

Magnólia (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora