1. Prólogo

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POV Brittany

Bom... Oficialmente, eu era uma foragida da justiça.

Ao menos, em território inglês.

Ninguém, absolutamente ninguém, falaria isso daquela garotinha angelical dos olhos azuis e cabelos dourados nascida lá pelos primeiros meses do ano de 1895. Ora, francamente? Não afirmo com plenitude que ninguém falaria mesmo. Aliás, só meu pai me chamava de anjinho. Quem eu cobiço enganar? Sei que é um peso e tanto nas costas, ser uma "fora da lei" tendo apenas dezessete anos de idade, mas não voltaria atrás nas minhas escolhas e faria tudo de novo, se pudesse.

Confesso que, as circunstâncias que a vida andou trazendo nos últimos tempos, levaram-me a fazer escolhas um tanto quanto radicais e desesperadas. Precisava botar um fim naquilo. Não, eu não matei ninguém. Meu crime é outra história. E a verdade é que, ele nem mesmo pode ser chamado de "crime", o que é irônico.

Meu nome é Brittany Susan Pierce e, bem, eu e Samuel, meu irmão gêmeo, somos procurados pela polícia há, digamos que, duas semanas e meia. Motivo? Roubo e agressão. Ou pelo menos, Tracy e John Evans são. Isso mesmo. É por esses nomes que nos conhecem no Reino Unido, apesar de nunca terem sido nossos de fato. Confuso? Eu sei.

Tudo começa há sete anos, em Chippewa Falls, nos solos dos Estados Unidos da América, quando eu e Sam perdemos nosso pai, Vincent, para uma maldita doença que o fazia tossir, terrivelmente. Fomos encaminhados para um orfanato logo depois disso, pois, não tínhamos nossa mãe, dado que ela morrera quando deu a luz a nós. E, quanto ao resto da nossa família? De forma simplificada, todos eram miseráveis como nós. Não tinham condições nem de bancar a si próprios direito, quem diria duas crianças a mais na conta.

Chegando ao tal orfanato Alegria, contra a nossa vontade, um lugar muito afastado de tudo que conhecíamos, eu e Sam viramos as crianças mais difíceis de lidar. As freiras queriam nosso pescoço por tudo que fazíamos, como: perambular fora de horário, ir a lugares proibidos e compartilhar ideias e brincadeiras "malucas" com nossos colegas, além de responder com "malcriação" a elas e a certos adotantes que queriam nos separar. No fim, a gente até que se divertiu bastante nessa época, tirando a parte das punições, o que não vem ao caso. Sobrevivemos.

Por acaso, um novo casal apareceu por lá. E esse casal era britânico. Ao que tudo indicava, Mary e Paul Evans tentavam ter filhos há um tempo, porém a moça nunca engravidava, então decidiram adotar crianças loiras como eles, e aí nos acharam no meio de uma viagem que faziam a América, enquanto visitávamos a cidade com as freiras. Eu estava morando no orfanato Alegria fazia uns oito meses, e, os Evans aparentemente eram pessoas legais, simpáticas.

Caramba, estavam querendo ficar comigo e com o Sam na mesma casa, pela primeira vez. Quão raro isso era? Íamos para o mesmo lugar e estávamos tão perto dos onze anos. Não tínhamos o porquê espantar os adotantes dessa vez. Nós apenas fomos com eles, sem pestanejar, após a conversação e assinalada de papéis com as irmãs. Agarramos com vigor a oportunidade que nos apareceu e "final feliz", a Inglaterra era um dos lugares que nosso pai sonhava em visitar, isso era um sinal. Tinha que ser um sinal. Eu sentia que era.

Não demorou muito para o senhor e a senhora Evans trocarem nossos nomes de Brittany e Samuel para Tracy e John. Não demos palpite algum, apesar de odiar. Às escondidas, continuamos nos chamando pelos nossos nomes verdadeiros.

Por pouco mais de um ano, nós fomos muito bem tratados e felizes debaixo do teto dos nossos "pais", o que eu não esperava nunca era que, isso iria mudar drasticamente quando a senhora Evans, milagrosamente, engravidasse do dia para noite. Em outras palavras, Sam e eu morremos para eles. Não tínhamos mais utilidade como filhos. Os presentes, os abraços, beijos de boa noite, sorrisos, tudo acabou.

Nossa utilidade na casa passou a ser, única e exclusivamente, mão de obra. Trabalho escravo na verdade, o casal era problemático. Demitiram a servente da casa e nos colocaram no lugar. Arrancaram-nos da escola. Não éramos mais bem-vindos. Éramos parasitas. Éramos uma escolha precipitada da parte deles. Éramos o maior arrependimento dos Evans em carne e osso. Tinha pena da criança que nascera naquela família, seus pais não tinham valor algum.

Quando fizemos catorze anos, colocaram meu irmão para procurar um emprego, nenhum centavo sobrava nas mãos dele já que, os Evans diziam que ele não fazia mais que sua obrigação como "filho" e se apossavam de tudo, e a casa toda ficou em minhas mãos, para limpar por horas insanas, todos os dias. Certa vez, meu falecido pai me contara uma história chamada "A Gata Borralheira", e naquela situação, eu me sentia a própria. Por sorte, o bar em que o Sam trabalhava, tinham pessoas legais, nós começamos a sair depois do horário de dormir para ficar por lá jogando cartas e conversando com os clientes, quase todos os dias da semana.

Aquilo, escapar pela noite, por si só, alegrava bastante o meu dia. Era meu momento de lazer após a rotina enfadonha imposta a mim. Certamente, o bar Titans era um ambiente mais cativante que meu quarto vazio e o antigo orfanato, e o melhor local que eu encontrei para esboçar figuras humanas ou não, no meu fiel caderno de desenhos. Isso me deu esperanças. Por esse motivo um dia, fiz um pacto com Sam: fugiríamos quando fizéssemos dezessete anos. Certa notícia no jornal era nossa melhor saída, elaboramos um plano em cima disso e fomos o desenvolvendo melhor com o passar dos meses.

Entretanto, as coisas não aconteceram bem como planejado. Na madrugada em que eu saí do meu cubículo e encontrei com Sam pronto nas escadas, Paul acordou e se deparou com dois loiros fujões no meio da sala, tentando fazer o menor barulho que conseguiam fazer, sem sucesso. O problema maior era que, não estávamos somente levando a roupa do corpo embora. Uma mochila com alguns pertences e um punhado de dinheiro vinha com a gente também. Por direito, àquela quantia era de Sam, já que ele trabalhara por aquilo, e anotara todo o seu salário desde o primeiro ao último que recebeu naquele estabelecimento tão tranquilo, mesmo que o mesmo não ficasse por muito tempo em sua posse, mantinha certo controle de tudo que lhe era tomado.

— O que significa isso?! — O homem se aproximou e puxou a mochila de Sam, verificando-adentro, alcançando as moedas que levávamos conosco. — Estão nos roubando? É isso? Ora, que ingratidão, seus ratos!

Tentamos correr, todavia o senhor Evans se enfureceu demais e partiu sem escrúpulos para cima de Sam, e eu, sem saber o que fazer, apanhei um vaso e o quebrei na cabeça de Paul para ajudar meu irmão.

Bom, foi assim que nos denunciaram para a polícia por roubo e agressão. Um casal de classe média alta denunciando dois adolescentes? Estávamos perdidos. Eles eram bastante valorizados.

Agora, estávamos tentando dar continuidade ao nosso plano, que era conseguir embarcar de alguma maneira a bordo do Titanic e ir para bem longe do Reino Unido. De preferência, da Europa toda. Era uma questão de vida ou morte.

Diziam que o Titanic era o maior e mais seguro navio já construído no mundo, eu acreditava, Sam nem tanto, embora nós dois o venerássemos no porto, porque, bom, fazia alguns dias que ele estava parado por lá. Improvável os olhos curiosos que passavam perto não notarem sua evidente presença.

Magnífico era a palavra que o descrevia perfeitamente, os jornais não mentiam. Tínhamos que entrar.

E entraríamos.

A qualquer preço.

Abril, 1912 - BrittanaOnde histórias criam vida. Descubra agora