"Procurei me manter afastado, mas você me conhece, eu faço tudo errado"

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Lua, Théonísio e eu estamos sentados no tapete da sala da casa deles. Minha amiga mantém a perna com o pé imobilizado esticada completamente. O dia está escurecendo lá fora, e as persianas que cobrem as janelas estão erguidas, bem como o vidro, permitindo que a brisa quente de verão adentre o cômodo.

    — Acho que vou mandar alguns áudios para a minha mãe dizendo que estou aqui... — sugiro, soltando a caneta no tecido felpudo e bem feito do tapete e ficando de pé.

    Estico a coluna o máximo que consigo, espreguiçando o corpo e bocejando. Não dormi muitas horas na noite passada, pois eu fui descansar logo após descobrir sobre o acidente de Lua. Prevejo que essa também não será fácil e agradável, primeiro, por causa do calor, e também, devido à apresentação. Não acredito que topei colaborar com Théonísio.

    — Sei — diz o otário. — Como se ela não soubesse que você vive com a gente vinte e quatro horas por dia.

    — Quem invade a casa dos vizinhos não sou eu — dou de ombros, percebendo que minha indireta atingiu o alvo de forma competente. Théonísio enrubesce um pouco e esconde o rosto para que eu não veja. Tarde demais, panaca.

    Seguro o celular com força e desbloqueio a tela, deslizando o polegar e clicando no Whatsapp. Digo para mamãe que estou na casa da Lua. Também peço para que ela não se preocupe caso eu chegue um pouco mais tarde que o normal, já que ela vai saber que é por uma boa causa. Logo após dizer isso, completo que precisamos conversar quando eu voltar para casa.
    A resposta chega minutos depois. Estou de volta ao meu lugar, com as pernas cruzadas novamente e recapitulando os planos com meus vizinhos:

    — Vocês não gostaram mesmo da ideia de Shallow? Acho que seria uma boa! Eu daria uma ótima Lady Gaga — canto um trecho da música, e Théonísio faz uma careta. Lua gargalha.

    — Seria muito exagerado — minha amiga opina, sinceramente. — O público vai querer algo mais leve, eu acho. Especialmente vindo de adolescentes... Nasce uma estrela é um filme bom, mas deprimente.

    — É — concorda o irmão dela. — E eu acho que todo o Brasil nem conhece a letra da música original, só a daquela paródia, lá. Seria um pouco vergonhoso estar tocando a música do filme e a plateia acompanhando com a versão nacional.

    Não consigo conter o riso.

    — Independente do que escolhamos, vai ser vergonhoso.

    Théonísio empina o nariz.

    — Podemos fazer o menos vergonhoso possível.

    É então que sinto o celular vibrando com a resposta da minha mãe. Toco os áudios dela no volume máximo. Além de não dizer nada sobre eu estar na casa da Lua — coisa que eu esperava de antemão, porque mamãe sabe que eu vivo aqui — ela respondeu perguntando se o assunto sobre o qual precisávamos conversar tinha a ver com namoro. Em outras palavras, ela acha que estou envolvida com alguém.

    Lua solta gritinhos quando o áudio acaba.

    — Você e o Leonardo...? — o tom de voz dela é animado.

    — Não, garota! — minhas palavras saem brincalhonas e leves, como eu esperava. — Eu e o Léo estamos apenas conversando. Quantas vezes vou precisar repetir isso?

    Para a minha surpresa, não é ela quem responde, e sim, Théonísio:

    — Por mim, zero — a expressão dele, desafiadora e maliciosa minutos atrás, dá lugar a uma carranca profunda. Um vinco de determinação invade o espaço entre suas sobrancelhas grossas e escuras, e ele suspira: — Podemos acabar logo com isso? Quero ir para o meu quarto e ler.

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