"Quero te ver outra vez, você deixou saudade"

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    — Por que você não me contou antes? — interrogo Théonísio. Minha voz é baixa, pois é de madrugada e eu saí pela janela para conversar com ele, mas transparece toda a tristeza que sinto.

    Ele roça o dedo nos lábios e torce os dedos, empertigado.

    — Não sei. Acho que porque estávamos concentrados na apresentação...

    — Não use isso de desculpa, por favor. Só faz eu me sentir culpada por ter adiado mais ainda a notícia.

    — Para, Ester — diz ele, sincero como nunca antes. Pela primeira vez em anos, conversamos como pessoas reais, como se nossas versões antigas estejam distantes, para não dizer esquecidas. — Você acha que não me culpo por ter feito ela subir naquele skate? Foi tão, tão, tão idiota. A culpa é toda minha.

    Eu aperto os lábios e uma lágrima silenciosa escorre pela minha bochecha. É um drama, sem dúvidas, juvenil, mas não me importo de sofrer com todo o meu coração por ele. Lua é uma parte da minha vida, parte dos meus dias e noites, e tenho a opinião de que seria surreal não estar chateada com toda essa situação.

    Levo a minha mão até a lateral do rosto de Théonísio e o trago para perto do meu, fazendo-o repousar na curva entre meu ombro e pescoço. Cravo meus dedos na raiz dos cabelos dele, que, à essa altura, está meio crescida e cria um contraste entre a parte descolorida.

    Ouço-o fungar com força.

    — Você tem que ir também — eu sussurro, desejando não dizer o que, aposto, estava em nossas cabeças desde que nos encontramos nesta noite.

    Ele tira o corpo do meu e, mesmo à luz fraca do poste da rua, mesmo aqui, nessa calçada dura, me encara do jeito mais triste possível. Seus lábios, parecendo quaisquer outros menos os que beijei há poucas horas, tremem num choro que se recusa a sair da forma certa.

    — Não posso — ele sussurra de volta, usando um dedão para tirar uma lágrima gorda do meu rosto. — Não posso deixar você, pulguinha.

    Eu o abraço, sentindo seu cheiro reconfortante, mas sabendo que preciso convencê-lo.

    — Ela é sua irmã. Se você não for, vamos ficar arrependidos. Você precisa cuidar dela e tranquilizá-la para a cirurgia.

    Théonísio solta um soluço cheio de dor, resmungando um palavrão logo em seguida.

    — Vão ser só seis meses — argumento, com a voz trêmula, sabendo que, muito provavelmente, não será apenas isso.

    À luz do luar, ele me beija. Nossas lágrimas se misturam e eu volto para a cama quando o dia começa a raiar, em meio a promessas de um amor infinito que ambos sabemos não existir ainda.

***

    As coisas acontecem rapidamente. Eu mal durmo, mal como e não levanto muito da cama nos dias que se passam.

    — Você está levando isso um pouco a sério demais, filha — mamãe me consola, tirando o meu cabelo do rosto em um gesto gentil, sem saber de tudo o que rolou entre mim e o Théonísio, o que dificulta mais ainda as coisas. — Não estou querendo diminuir os seus sentimentos, mas seis meses, hoje em dia, voam como nunca.

    — Você acha? — eu gemo, desanimada, como uma criança birrenta.

    — Lógico! — ela garante. — Uma amizade de tanto tempo e tão fiel como a que você tem com a Lua e com o Théo não é algo que acaba assim, não. E eles não estarão do outro lado do planeta, senhorita Dramática. Posso levar você lá nos fins de semana... Ou você pode ir de ônibus, afinal, tem dezessete anos. E tem a internet que só vai deixar que vocês parem de se falar caso queiram, o que eu acho impossível.

    Com esses conselhos e palavras tranquilizadoras, passo a ficar mais calma e a encarar a partida de meus (únicos) amigos de verdade como uma oportunidade para que eu me vire sozinha. Tanto na escola, podendo fazer amizades e conhecendo pessoas novas, quanto em atos simples que me aproximem da tão sonhada independência. Estarei por minha conta e terei a presença de Théonísio e Lua, agora com a única desvantagem de não tê-los fisicamente para mim.

    — Minha querida, a vida é assim — vovó Dandara me aconselha, por telefone com sua voz firme, depois que desabafei toda a situação, deixando escapar uma lágrima ou duas no processo. — Só peço que você não se cobre tanto, ou fique pensando que não fez o suficiente para deixá-los aqui, ou algo do tipo. Você fez o possível. Viva um dia de cada vez pelos próximos seis meses. Seja feliz. Eu, sinceramente, creio que você vai amadurecer muito e ser uma menininha ainda mais perfeita e inteligente, cheia de histórias para contar no futuro.

    Era o que eu precisava ouvir antes de deixar que Théonísio partisse para a casa do tio.

    — Ele nem vai falar comigo — escutei o meu (ainda) vizinho resmungar, mal humorado. — Me arrependi de dizer que eu ia.

    — Ele vai dar o braço a torcer, tenho certeza — opino, em seguida. — A Lua disse que ele é muito melhor do que ela esperava, e toda essa questão envolvendo a briga entre a mãe de vocês e ele é idiota.

    — É, talvez — Théonísio se distrai enrolando um cacho meu nos dedos. — Fiz uma coisa para você. Como estamos sendo bobos, resolvi que quero fazer isso do jeito certo, então preparei uma cartinha para que você leia depois que eu entrar naquele ônibus amanhã.

    Eu gargalho alto.

    — Sabe, se me dissessem que você era desse jeito por trás daquela carapaça irritante, eu jamais acreditaria.

    — Ainda sou o mesmo, Esterzinha — ele empina o nariz, desafiador, mas quebra a postura, ri e me dá um beijinho. — Agora, apenas tenho o bônus de poder dizer livremente o quão linda você é.

    — Você é um bobo — rio de novo entre os lábios dele.

    — Sou mesmo — seus olhos amendoados quase se fecham de tanto sentimento presente neles. — Bobo pela minha inimiga número um.

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