"Partilhamos noites, ruas e sonhos"

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Mais dois dias quentes se passam, e com eles, a partida de Lua para a casa do tio Clébinho chega. A noite está gostosa e, a escuridão, crescente, quando minha amiga e eu organizamos a mala grande dela. Lua tem sorte de possuir um ar-condicionado em seu quarto, o que garante que nós não derretamos.

— Ele é tão pão duro! — ela esbraveja, gesticulando com uma mão e colocando um pequeno monte de blusas dobradas do seu lado na cama. — A minha avó sempre dizia que ele era "sovino", coisa que eu nunca entendi, até hoje a tarde. Você acredita que ele vai mandar a Maria Odete vir me buscar de ônibus sozinha porque ela paga meia-entrada e porque nossas passagens juntas custarão menos que o preço da gasolina que ele teria que bancar de ida e volta?

É óbvio que minha amiga está reclamando do tio Patinhas dela. Não deixo de ficar sobressaltada, afinal, é uma viagem de cinco horas (desconsiderando as filas que poderão existir), e Lua não está com o pé em boas condições.

— O jeito é torcer pra que ninguém sente do meu lado, aí posso ir com a perna esticada. Ai, vai ser tão constrangedor! Eu não vejo a minha prima há séculos! Amiga, você acha que estou fazendo a coisa certa? Indo, assim, pra tão longe... Sei lá, foi meio precipitado, né? Me arrependi um pouco, mas agora é tarde demais para voltar atrás. Minha mãe me esculacharia se eu fizesse todo esse alvoroço e declarasse de última hora que não vou mais.

Eu respiro fundo e passo a aconselhar minha melhor amiga, deixando as palavras mais doces saírem de mim para que eu consiga confortá-la de alguma forma.

— Que tal ficar por uma semana? Você aguenta, não é? Uma semaninha, Lua! Caso esteja horroroso, você volta. Nós damos um jeito com a passagem de volta, não se preocupe. Olha, eu acho que vai ser muito melhor do que você está imaginando.

Lua responde com um muxoxo de cansaço, embora seus olhos, castanhos e amendoados como os do irmão gêmeo, estejam dançando um pouco com a minha resposta.

— Com o meu tio já sei que não tem jeito... — ela tenta argumentar contra.

—  Vai ser perfeito! — animo-a, colocando um sorriso no rosto, mesmo com um nó crescendo na garganta. Não vai ser fácil ficar sem a minha vizinha durante esse tempo.

***

Lua parte nas primeiras horas da manhã, e promete mandar mensagens logo que chegar no "fim de mundo", como apelidou carinhosamente a casa do tio. Bastou só ver, pela janela, o carro do pai dela saindo da garagem cedinho, para que lágrimas e mais lágrimas descessem pelas minhas bochechas. Lá foi ela, para ficar longe sabe-se lá quanto tempo. Despedidas são a pior coisa que podem acontecer na vida, sejam elas provisórias ou permanentes.
Como eu estou me sentindo muito solitária, deslizo a minha lista de contatos e leio nome por nome, de repente me dando conta de como considero todos ali desinteressantes. No meio do processo, sinto dores horríveis nas costas, e percebo que toda essa minha tristeza intensa é fruto de uma TPM forte. Penso então que Lua e eu sempre compartilhamos esses momentos juntas, uma entendendo a outra, se esbaldando em brigadeiro e chorando pelas coisas mais idiotas. Quem fará isso comigo, agora? Até mesmo o drama que estou fazendo se torna chato sem ela para desfrutar disso e reclamar junto de mim.
Uma notificação pula na tela e Théonísio pergunta, em mensagem: "Vamo treinar? Sla, queria conversar sobre a vida e te irritar um pouco". Meus olhos se fecham com o timing perfeito do convite, e meu coração se preenche com um deleite inexplicável. No fim, nem precisei falar com ninguém, pois ele mesmo me chamou, antes que eu dissesse qualquer coisa.

***

Nos dias que antecederam a ida de Lua para a casa de Clébinho, Théonísio e eu não tivemos muito progresso. Quer dizer, ele, agora, consegue andar de maneira decente nos patins, mas, no que diz respeito a dança, continuamos na mesma. Antes de encontrar com ele na rua abandonada, treino pelo menos o início dos meus passos, aliviada que Théonísio apenas me conduzirá, fazendo passos menos complicados que os meus.

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