"Como chegar nela eu nem sei. Ela é tão diferente e eu igual a todo mundo"

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    — Dirty Dancing? — sinto a vontade de gargalhar querendo sair de mim, mas engulo com força e encaro Théonísio enquanto ele busca argumentar. — Isso é patético, Théonísio.

    Ele me observa de esguelha e com cuidado, procurando obter a maior persuasão no que está prestes a dizer. Ao mesmo tempo, fica a sensação de que sou um animal selvagem que deseja atacá-lo. Ele não demora muito para falar:

    — Eu acho que é uma ótima ideia — tenho vontade de gritar: "Claro, porque foi você que pensou nela", porém, me contenho e aguardo, com a paciência no limite. — Pense só: Nessa cidade ridícula de pequena, as pessoas da nossa idade são poucas, né?

    Percebo que o pateta espera por confirmação em seu discurso, ao passo que eu respondo apenas: "Hum?", e ouço-o seguir em frente com seu raciocínio:

    — Exatamente! As pessoas com idades tipo a dos nossos pais e tios provavelmente comparecerão acompanhando os filhos. E eu também pensei que os jurados terão quase a mesma idade dessas pessoas. Então, além das crianças e adolescentes que virão, e que, talvez, poderão conhecer a canção final do filme, o restante dos adultos com certeza vai conhecê-la. Isso despertará um senso de nostalgia neles, o que praticamente nos dá a vitória, pulguinha.

    Estou furiosa. O idiota tem mesmo razão. Contudo, deixo a raiva falar mais alto, e respondo:

    — Ah, sim, Théonísio, o roteiro que você criou está lindo, sem dúvidas. Mas você sequer pensou em como vamos colocá-lo em prática? Faltam pouquíssimos dias para a apresentação, você nem sabe andar de patins e ainda arrisca fazer uma dança elaborada que nem a desse filme.

    — Relaxa, Esterzinha. Eu penso em todos os detalhes! Lógico que não vamos precisar reproduzir exatamente a coreografia de Dirty Dancing. É óbvio que não. Quanto a isso, podemos mudar os passos mais difíceis e transformá-los em outros, mil vezes mais simples. Podemos editar a canção, também, encurtando ela e tirando alguns trechos. Não pode ser tão ruim, pode?

    Escondo o rosto nas mãos e respiro fundo.

    — Pode. Aliás, prevejo que vai ser um desastre.

    — Vamos tentar, mesmo assim. Pode ser?

    No momento que o encaro outra vez, sei que estou destinada a responder que sim.

***

    Passo o restante do dia vendo e revendo no Youtube a cena que vamos apresentar. Ela é repleta de química, aspecto que me preocupa bastante. Não sou atriz, portanto, como fingirei gostar de Théonísio para fazer a dança ser convincente o bastante? Bem, precisarei ser madura o suficiente para conseguir sobreviver aos ensaios. Por meio de uma mensagem de texto, combinamos que, no dia seguinte, o mais cedo possível, ele virá sozinho na minha casa — ponto que não gostei muito, e tentei negar, mas ele insistiu, dizendo que Lua não poderia se estressar que nem no dia anterior e que o calor a incomodava — e ensaiaríamos. Na verdade, primeiro, terei de ensinar Théonísio a minimamente se equilibrar nos patins. Na cena de Dirty Dancing, em que o casal de protagonistas dança I've had the time of my life, é o homem quem guia a mulher. Sendo assim, é necessário que ele saiba fingir que anda de patins e dança há tempos. Desse modo, amanhã e depois de amanhã serão os dias para ensinar o panaca, para, aí, passarmos a ensaiar de verdade.

***

    Acordo novamente com o barulho de alguém batendo no vidro. Pelo brilho que está fazendo lá fora, suponho que a manhã esteja quase no fim, mas descubro pouco tempo depois que são apenas sete horas. Amo e ao mesmo tempo odeio manhãs de verão.

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